Quem ensina aos nossos estudantes que palavras são violência?

por Malhar Mali*, em Areo Magazine

Na semana passada, Ulrich Baer, um vice-reitor e professor de inglês da Universidade de Nova York, escreveu um surpreendente ensaio contra a liberdade de expressão no New York Times. Baer descreveu o debate como um dos discursantes operando para “invalidar a humanidade” dos outros — justificando assim a censura dos estudantes aos discursos que eles não apreciam. Mas ao fazê-lo, revelou muito sobre sua mentalidade e sobre a mentalidade de muitos acadêmicos nas humanidades. No fim das contas, quem ensina aos estudantes que discursos são perigosos, as idéias que promovem a reação que já nos acostumamos por parte dos “floquinhos de neve”, ou que qualquer um que não seja um homem branco heterossexual está sofrendo opressões em um nível sem precedentes? [N. do E.: é comum retratar metaforicamente pessoas que se acham muito frágeis e especiais como “flocos de neve”, em inglês.]

O ensaio de Baer já foi criticado por Conor Fridsdorf em The Atlantic e por Ted Gup em The Cronicle. Estou mais interessado em explorar como Baer argumenta e como isso nos revela um insight acerca do modo ridículo como os estudantes têm se comportado.

A mais comicamente perturbadora afirmação de Baer ao referenciar as opiniões potencialmente odiosas de palestrantes foi:

“se as opiniões invalidam a humanidade de alguém, então elas restringem a fala como um bem público”

Opiniões que invalidam a humanidade de alguém? O conceito de que opiniões invalidam a humanidade de grupos inteiros de pessoas é uma hipérbole absurda. Um espectador tem de simplesmente rejeitar o que ouviu para manter sua “humanidade” intacta. Violência é um ato físico. Discursos, não. Se alguém me soca eu sinto o impacto. Não é a mesma coisa de alguém me depreciando à enésima potência com meras palavras. Pensar que um educador mantém opiniões que de fato confundem palavras com violência nos dá uma pista de onde os estudantes tiraram suas idéias — noções tão repetidas em seu meio até que sejam raivosamente papagaiadas com o zelo de sermões religiosos do passado.

Ainda, os sinais de alerta mais importantes do ensaio de Baer são que ele é um professor de inglês e que referencia Jean François Lyotard (e seu livro A Condição Pós-Moderna) como justificativa para seu posicionamento. Como notou Phil Magness, professor de história na George Mason University, após análise dos manifestos de desconvite a palestrantes em campi (também assinados por professores), os departamentos de “artes liberais”, dos quais a cátedra de inglês faz parte, formam a comunidade que mais abriga indivíduos que se opõem à liberdade de expressão. Descrevendo a tendência encontrada, Magness escreve:

“o padrão em cada caso é alarmante, sugerindo que estas e potencialmente outras organizações tentam limitar a liberdade acadêmica de seus colegas e estudantes, não sendo ocorrências aleatoriamente distribuídas. Ao contrário, elas parecem se concentrar pesadamente nas humanidades, com os departamentos de inglês/artes liberais invariavelmente tomando a dianteira. Com isso em mente, talvez seja a hora de perguntar: por que há tantos representantes de inglês/artes liberais mostrando hostilidade à liberdade acadêmica de seus próprios colegas e alunos?”

Estes são os departamentos onde as idéias corrosivas pós-modernas e pós-estruturalistas são mais arraigadas — à lá Lyotard, Foucault, Derrida, Lacan. E como aponta Jason Brennan, professor de economia da Georgetown University, em conjunto com Magness:

“acontece destes serem, justamente, os departamentos com o maior ativismo e a menor qualidade de ‘pesquisa’: estão cheios de pós-estruturalistas, ideólogos e pessoas que fazem um trabalho relaxado que jamais seria aceito nos departamentos de economia ou ciências políticas. Os acadêmicos menos qualificados a emitir opiniões sobre política são os mais barulhentos ao fazê-lo.”

Professores ativistas incapazes de sobreviver nas disciplinas mais árduas (apenas veja as bizarrices da autoetnografia) são os mais vociferantes nas tentativas de limitação das liberdades acadêmicas alheias. Dado tudo isso, não admira que Baer mantenha as opiniões que mantém. Nem é surpreendente que professores de inglês publiquem ensaios pedindo pela limitação da liberdade de expressão, como os de Aaron R. Hanlon (profesor de Inglês na Colby College) no New Republic ou os de John Patrick Leary (professor de inglês na Wayne State University) no Inside Higher Education. Também é calculável que os alunos de Yale sejam frequentemente os mais agressivos. O próprio Baer descreve quão infestada de pensamento pós-estruturalista está a academia quando escreve:

“talvez seja loquaz o fato de que durante os anos 80 e 90, quando eu era um estudante de doutorado, Yale tenha se tornado o viveiro do pensamento filosófico que reconhecia as alegações de gente cuja participação não era garantida no debate público. Suas crônicas, antes desprezadas como ‘indizíveis’ ou ‘inimagináveis’, agora ganharam legitimidade na definição das regras acerca do que constitui o discurso público.”

Mantenha em mente o que diz Baer e assista ao vídeo abaixo [em inglês], em que alunos privilegiam suas “experiências pessoais” sobre os argumentos de Nicholas Christakis. Note, em particular, o que um estudante diz, “suas experiências nunca se conectarão às minhas”. Empatia não é necessária para compreender que você está errado… mesmo que você não sinta o que eu sinto.

Espero que você esteja ligando os pontos entre “as últimas poucas décadas de estudo que promoveram nosso entendimento dos direitos de expressão”, referidas por Baer, e o modo como os estudantes têm se comportado ultimamente. Baer usa o mesmo argumento para censurar discursos. É a idéia de Lyotard de micro-narrativas sobre meta-narrativas levada a extremos absurdos. Experiência pessoal sobrepuja evidência empírica. Quem pode negar minha verdade e o que eu sinto?

E de onde os estudantes tiram essas idéias? De alguns de seus professores. Esses conceitos — de que refutar um argumento é penoso aos estudantes ou lhes invalida sua humanidade, ou que temos de crer mais na experiência de alguém do que em seus argumentos — são difundidos e se tornaram ridículas e estranhas teorizações e discurso acadêmico destacado da realidade. Tome como exemplo o e-mail da Comissão de Raça, Etnia e Equidade do Wellesley College em resposta à aparição da feminista Laura Kipnis na escola, preocupada com o bem-estar dos estudantes que “frequentemente se sentem mais agudamente magoados e investem tempo e energia refutando os argumentos dos palestrantes”. O e-mail diz “estudantes objetam para afirmar sua humanidade” e “este trabalho não é opcional; eles sentem que seriam inaptos a continuar com suas responsabilidades estudantis sem se defender”. Ou veja este texto de Nora Barenstain (professora de filosofia da Universidade do Tennessee em Knoxville), em resposta a um artigo filosófico de Rebecca Tuvel no jornal feminista Hypatia, no qual afirma que se transexualidade é possível, então transracialismo também o é. Preste atenção especial à primeira e última frases:

“Tuvel comete violência e perpetua danos de inúmeras formas ao longo de seu ensaio. Ela se refere de modo inadequado a uma mulher transsexual. Ela usa o termo ‘transexualismo’. Ela usa termos como ‘sexo biológico’ e ‘genitália masculina’. Ela se foca demais em cirurgias, promovendo a objetificação dos corpos de pessoas trans. Ela se refere a ‘indivíduos masculino-para-feminino (MtF) que podem retornar aos privilégios masculinos’, promovendo a ideologia transmisógina de que mulheres trans possuem, ou possuíram em algum ponto, privilégios masculinos. Em sua discussão sobre transracialismo, Tuvel não cita uma única filósofa negra, nem endossa nenhum trabalho substancial de uma mulher negra, e nem endossa ou cita um único trabalho de uma mulher negra trans que tenha escrito sobre este tópico. Em seu site, Tuvel descreve seu trabalho como ‘estando na intersecção crítica de raça, feminismo e ética animal’. Ela descreve seu trabalho sobre raças como crítico! O termo ‘supremacia branca’ não aparece nem uma única vez em seu trabalho. Ela diz que é ‘sua preocupação subjacente teorizar justiça para grupos oprimidos’. Mas ela não se engaja ou sequer ouve a voz de mulheres negras enquanto ‘teoriza’ sobre justiça para elas. Isso não é aceitável. Isso é violência.”

Deixe para lá os pretensos fundamentos teóricos do que diz Tuvel, nós temos gerações de intelectuais de uma só frase que estão tão entrincheirados em teoria crítica e pensamento pós-estruturalista que acham aceitável igualar palavras a violência! Estas são as pessoas que estão lecionando aos nossos estudantes — e suas idéias se difundiram amplamente, como o próprio Baer nos conta:

“no início dos anos 90, Lyotard ensinou em Yale que seus pensamentos (e os de outros) acerca de como resolver a assimetria na discussão entre opressores e vítimas de violência sistêmica pessoal, sem limitar muito sua fala, percola por outras disciplinas.”

“Percola” talvez seja um termo muito leve, sendo preferível “infecta”. Dê uma olhada no @RealPeerReview, um grupo de acadêmicos e professores que já entrevistei e que expõe estudos baseados em experiências pessoais e identidade ao nível do ridículo das fraudes que são.

Que Baer seja um vice-reitor em exercício e que haja outros como ele em posições de poder deveria ser algo a nos alarmar. Enquanto é fácil ridicularizar e rir de “floquinhos de neve” e de “justiceiros sociais” que exageram e agem de forma ultrajante e desprezível, esta abordagem nos afasta da pergunta que deveríamos fazer: quem ensina aos nossos futuros adultos as idéias que são antitéticas ao Iluminismo?  — que palavras são equivalentes à violência; que lógica, objetividade e ciência são construções opressoras da supremacia branca? Se acha que estou inventando ou que fui enganado pela “mídia de direita”, faço um convite a ponderar sobre estas afirmações, provenientes de estudantes da universidade Claremont McKenna:

“a idéia de que há uma única verdade — ‘A Verdade’ — é uma construção euro-ocidental profundamente entranhada no Iluminismo, um movimento que descreveu pessoas negras e pardas como subumanas e insensíveis à dor. Esta construção é um mito sobre o qual repousam a supremacia branca, o imperialismo, o colonialismo, o capitalismo e os Estados Unidos da América. A idéia de que a verdade é uma entidade sobre a qual devemos pesquisar, ameaçando nossa habilidade de viver em espaços abertos, é uma tentativa de silenciar pessoas oprimidas.”

Os “estudos” referenciados por Baer, além do pós-modernismo e do pós-estruturalismo, são todos dependentes dessa loucura. Não é útil tratar os sintomas de uma doença intelectual sem atacar suas causas. Rir de estudantes raivosos não resolverá o problema.

Palavras não são violência. Chegamos à civilização ocidental através de uma fusão escaldante de batalhas ideológicas, estabelecendo normas para diferenciar palavras de ações físicas danosas. Agora, alguns operadores das humanidades querem nos arrastar para trás. Absolutamente nada há de correto acerca do entendimento que Baer e os “flocos de neve” têm sobre a liberdade de expressão.

 


* Malhar Mali escreve sobre secularismo, direitos humanos, política e cultura. É o editor da Areo. Pode ser contactado pelo @MalharMali ou por email em malhar@areomagazine.com

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