Política identitária: uma receita explosiva para questões raciais?

Trecho do livro “Enlightenment 2.0” [Iluminismo 2.0, em tradução livre], de Joseph Heath.

O que importa não é tanto a diferença entre indivíduos, mas quais diferenças escolhemos para investir significado. Essa é a boa notícia sobre as raças. Sugere que a melhor forma de superar a raça pode ser simplesmente distrair as pessoas de pensar nela. Se não há nada mais para atrair a atenção das pessoas, o conjunto de características físicas que distinguem raças será considerado importante, mas isso pode ser superado pela redução da saliência dessas características.

Provavelmente não há nada que possamos fazer para evitar que as pessoas classifiquem os outros em grupos e desenvolvam animosidade contra aqueles que consideram como pertencentes a um grupo externo. No entanto, mesmo que não possamos mudar essa característica básica da psicologia humana, podemos desenvolver uma solução alternativa, que é manipular o ambiente para que as pessoas classifiquem umas às outras de formas que sejam menos socialmente perniciosas.

Por exemplo, em vez de deixar que as pessoas fiquem fixadas nas características herdadas dos indivíduos — tais como cor da pele — poderíamos encorajá-las a se focarem em características arbitrárias ou simbólicas — como o estilo capilar. A vantagem do estilo capilar é que ele pode ser facilmente mudado, e dessa forma não se traduz em desvantagem permanente para qualquer classe de indivíduos. Isso pode explicar por que as forças armadas e os times esportivos tiveram muito mais sucesso em criar a integração racial que muitas outras instituições na vida americana. O que torna ambos distintos é que cultivam lealdades muito intensas e particularistas. Há boas razões para pensar que essas formas de identificação de grupo simplesmente ocupam o espaço das outras baseadas em raça.

Isso pode ser muito mais efetivo que pedir às pessoas que se subscrevam a algum ideal universalista, que as force a superar ou suprimir seus instintos “grupais”.* Dessa perspectiva, o verdadeiro problema nos Estados Unidos não é tanto o racismo quanto a consciência racial. (De fato, para muitos não-americanos, a faceta mais opressiva das relações interculturais nos Estados Unidos não é que as pessoas sejam racistas, mas que falem e pensem incessantemente sobre raça, pior do que a forma como os ingleses falam e pensam sem parar sobre classe.)

Ainda assim, essa característica da cultura americana parece ser uma características que todos, brancos e negros, conservadores e liberais, estão envolvidos numa grande conspiração para sustentar e reforçar. Isso é porque a maioria dos americanos progressistas nesse assunto acreditam que o racismo deve ser superado diretamente, e que isso só pode ser feito através do aumento da sensibilidade e consciência da diferença racial. Muito da política progressista negra fez a mesma coisa, rejeitando o ideal antigo da sociedade que diz que “não vê cor” e insistindo no reconhecimento e afirmação de uma identidade positiva negra. Isso acaba sendo uma receita inadvertida para a reprodução do racismo. Mesmo que a intenç’ao seja criar uma identidade positiva de grupo, seu efeito dominante é fazer a raça saliente como uma base de identidade de grupo, o que significa que ela também se tornará, inevitavelmente, um alvo de valoração negativa para alguns.

Heath, Joseph. Enlightenment 2.0 (Kindle Locations 5217-5239). HarperCollins Canada. Kindle Edition. 2014.

Notas do autor:

* Gat, War in Human Civilization, p. 135.

** Roy Baumeister escreve que “Na história do mundo, o reconhecimento crescente das diferenças entre os grupos levou mais frequentemente ao conflito e à violência que à cooperação pacífica e ao compartilhamento. Os Estados Unidos estão agora jogando perigosamente no resultado oposto” (Evil, p. 79).

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