Um caso de corporativismo policial

No dia 18/08/2017 o Tribunal de Justiça Militar (TJM) do estado de São Paulo determinou, através da Resolução 54/2017, que policiais militares apreendam objetos relacionados à apuração de crimes dolosos contra civis. Com acesso livre para potencialmente alterar a cena do crime, esta resolução corporativista desautoriza uma investigação independente — normalmente realizada pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) da Polícia Civil — e dificulta a transparência das investigações internas da Polícia Militar, implicando em possibilidade de aumento da impunidade.

Após recolhidos os objetos, a Polícia Militar requisitaria os serviços laboratoriais da Polícia Civil, mas a investigação do ocorrido permaneceria sob a tutela da Polícia Militar. A violência policial no Brasil é bastante elevada. No primeiro semestre de 2017 a Polícia Civil paulista atendeu mais cenas de letalidade policial (189) do que civil (147), totalizando 459 óbitos envolvendo a atuação de policiais em serviço ou à paisana — um aumento de 13,8% em relação ao primeiro semestre de 2016.

O Sindicato dos Delegados acionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) requisitando a imediata suspensão desta resolução. O Conselho da Polícia Civil emitiu ofício à Secretaria de Segurança Pública, também pedindo pela imediata reversão da resolução 54/2017. A Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP entende que tal resolução é um retrocesso e que, ao permitir que policiais militares sejam tratados com condescendência pelos tribunais militares, pode servir como uma “licença para matar”.

Abaixo um excerto da Resolução 54/2017, emitida pelo presidente do TJM, Silvio Hiroshi Oyama:

Art. 1º Em obediência ao disposto no artigo 12, alínea “b”, do Código de Processo Penal Militar, a autoridade policial militar a que se refere o § 2º do artigo 10 do mesmo Código, deverá apreender os instrumentos e todos os objetos que tenham relação com a apuração dos crimes militares definidos em lei, quando dolosos contra a vida de civil.
Art. 2º Em observância ao previsto nos artigos 8º, alínea “g”, e 321 do Código de Processo Penal Militar, a autoridade de polícia judiciária militar deverá requisitar das repartições técnicas civis as pesquisas e exames necessários ao complemento da apuração dos crimes militares definidos em lei, quando dolosos contra a vida de civil.
Art. 3º Nos casos em que o órgão responsável pelo exame pericial proceder a liberação imediata, o objeto ou instrumento deverá ser apensado aos autos quando da remessa à Justiça Militar, nos termos do artigo 23 do Código de Processo Penal Militar.
Art. 4º Nas hipóteses em que o objeto ou instrumento permaneça no órgão responsável pelo exame pericial e somente posteriormente venha a ser encaminhado à autoridade de polícia judiciária militar, esta deverá também prontamente, quando do recebimento, efetuar o envio desse material à Justiça Militar, referenciando o procedimento ao qual se relaciona. Parágrafo único – O mesmo procedimento deverá ser adotado pela autoridade de polícia judiciária militar quando do recebimento do laudo ou exame pericial.
Art. 5º Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
REGISTRE-SE. PUBLIQUE-SE. CUMPRA-SE.
SILVIO HIROSHI OYAMA
Presidente
GABINETE DA CORREGEDORIA
A LiHS entende que é necessário promover o Estado de Direito e as seguridades fundamentais aos indivíduos, entre elas a presunção de inocência, a proporcionalidade penal e o direito à vida, além de isonomia legal dos cidadãos. Pelo enorme potencial corporativista desta resolução, possibilitando um aumento da impunidade aos policiais militares envolvidos em homicídio doloso de civis, ela é um retrocesso dos direitos civis paulistas e um afronta aos Direitos Humanos, principalmente num contexto de crescente número de óbitos oriundos de operações policiais.