Religiosos não entendem que Estado laico beneficia a todos

Entrevista da presidenta da LiHS – Liga Humanista Secular do Brasil, Asa Heuser.

“Religião não deveria ser a base da moral”

Paulopes: Você é a presidente da Liga Humanista Secular do Brasil, entidade que defende a separação entre Estado e Igreja. O que os movimentos humanistas têm feito ou podem fazer para deter o avanço dos religiosos sobre o Estado laico?

Åsa: Os movimentos humanistas têm tido um papel importante de educação da sociedade — muitos religiosos não entendem que o Estado Laico é benéfico para todos. Eles vêm com essa história de que queremos um Estado ateu, etc, mas defendemos o Estado Laico. Exceto para os mais fundamentalistas que vislumbram benefícios com a ascensão do seu Estado Teocrático, o Estado Laico é benéfico para todas as religiões e também para ateus, céticos, livres pensadores etc. Temos que tornar essa informação disponível. E já fomos até ao STF para passar essa mensagem representados pelo nosso diretor jurídico, Thiago Vianna. A LiHS se fez presente na audiência pública sobre ação contra ensino religioso obrigatório nas escolas públicas e além desta ação as que tratam de obrigatoriedade de Bíblias nas escolas e/ou bibliotecas.

​Os militantes humanistas são muito ativos no mundo virtual. Como você avalia essa militância? Ela não lhe parece superficial e fechada em si mesma, falando somente​ para uma audiência que já é humanista?

É mais fácil falar para nossos pares, então é natural que o primeiro alvo do ativismo humanista seja seus próprios membros. Mas acredito que é importante tornar o conteúdo disponível para outras audiências. Essa é uma das missões da LiHS, mostrar que muitos valores humanistas são benéficos não só para ateus humanistas, mas para deístas e teístas moderados também.

Os humanistas costumam ser mais propensos a tentar encontrar uma base comum com religiosos moderados — muitas coisas do humanismo em si vieram disso. Num ambiente virtual cada vez mais vitriólico, separatista e estimulador de rivalidades, essa postura faz toda a diferença. Devemos estar dispostos a botar as cartas na mesa do debate público. Uma vez que se nota que podemos todos concordar com direitos humanos (que não exigem que se aceite ideias implausíveis sobre a origem da moralidade), mas não com mandamentos divinos, já estamos dando um exemplo de concessão moderada e de racionalismo ao mesmo tempo.

A própria Constituição já pode ser vista como um código ético independente de premissas religiosas, apesar da menção a Deus no preâmbulo (que foi abandonada na constituição do estado do Acre).

Os ativistas humanistas diferem bastante entre si, por exemplo, quanto às prioridades: alguns se dedicam mais a ceticismo e crítica racionalista, outros mais a proposições em questões como direitos humanos. Às vezes discordam veementemente, estrondosamente até. Mas o que os une são os valores fundamentais do humanismo: de que podemos confiar em nós mesmos para encontrar conhecimento e ética, não dependendo de auxílio sobrenatural.

Você acha que a maioria dos brasileiros sabe quais são valores humanistas? A mesma pergunta com outra formulação: se disser ao porteiro de um prédio que você é humanista, ele vai entender?

Provavelmente não, mas ele não vai reagir mal como poderia reagir se você usasse “ateu”, que tem mais estigma (que deveria ser dissipado), e não reagiria com confusão, como reagiria se você dissesse “agnóstico”.

A palavra “humanismo” vai soar positiva para o porteiro, vai significar para ele algo como uma postura amena, de boa vontade para com as pessoas. Prova disso é que até membros da bancada teocrática já alegaram que são “humanistas”. Há aí um pequeno fundo de verdade, porque em muitas situações a postura civil será a melhor para um humanista, embora não todas.

Essa ideia popular de “humanista” não é algo definidor de “humanismo”, da forma como usamos na LiHS, seguindo a IHEU [International Humanist and Ethical Union]. A IHEU tem 64 anos enquanto o cristianismo tem milênios, não é de se admirar portanto que a definição de humanismo que usamos, que é não teísta, não seja ainda popular no país. Mas, a julgar por alguns líderes religiosos que já usam “humanismo” pejorativamente, parece que é algo prestes a mudar.

O Brasil tem séculos de influência religiosa e, diferentemente de outros países com tradições mais seculares, há uma mistura incestuosa entre igrejas e Estado. Não é de um dia para outro que se consegue mostrar para o porteiro do prédio que o humanismo é uma visão de mundo racionalista, cética, não teísta, e que religião não deveria (mais) ser a base da nossa moral, mas estamos tentando.

Nos últimos anos, muitos jovens se assumiram como ateus. Tendo em vista que neste ano haverá eleições, por que, entre os candidatos, ninguém se habilita para receber esses votos, com a apresentação de um programa fortemente humanista?

É uma boa pergunta, mas tem a ver com o fato de que humanistas ainda são uma pequena minoria no país. É muito mais fácil se eleger se você pertence a um grupo – por exemplo, uma denominação religiosa – com milhões de pessoas.

Não que não sejamos também milhões, mas são milhões pouco organizados, pouco afeitos à organização institucional (pois confundimos institucionalização do humanismo com transformá-lo em religião). No caso dos políticos religiosos, além do número de seguidores, eles ainda costumam ter à disposição bilhões de reais, canais de TV e estações de rádio. E, como houve com certa denominação que tem o apoio do Eduardo Cunha, conseguem lobby político até para perdoar dívidas de centenas de milhões com o Estado.

Há uma disputa pelas mentes dos brasileiros, e nós precisamos saber que muitos estão dispostos a usar a arte da propaganda para arrebanhar mentes. Nosso apelo, que é menos propagandístico e mais pautado em argumentos (e deve ser assim), requer mais esforço da mente individual para ser digerido e absorvido.

Podemos ser otimistas e esperar que, com o tempo, as pessoas se cansem de propaganda e exijam que seus candidatos tenham propostas programáticas claras. Teve candidato nas últimas eleições que esperou até o último minuto para publicar o que estava propondo, se fiando apenas em carisma e propaganda. Essa faceta negativa da publicidade é inimiga da abordagem racionalista do humanismo, que exige análise de ideias, propostas. Quando os cidadãos se importarem mais com análise de ideias, prevemos que o humanismo terá influência real na política.

A presidente Dilma tem se submetido à pauta conservadora da bancada evangélica, cujos parlamentares fazem parte de sua base de sustentação. Apesar disso, mesmo neste momento de grave crise político-econômica, representações humanistas e ateias têm se mantido neutras politicamente, para não magoar seus associados petistas. Esse seria o caso da LiHS?

A LiHS procura ser neutra politicamente — até porque possui membros de todos os partidos. Não é missão da LiHS ser uma organização de esquerda ou direita e muito menos ser um partido político.
A LiHS critica ou apoia ações de pessoas, instituições ou partidos mas não pretende ser um partido. E, é claro, existe para defender os valores do humanismo. Esperamos que nossos membros estejam dispostos a transcender o corporativismo ideológico e partidário na defesa dos valores humanistas, pois é isso que ser humanista exige deles. Mas errar é humano e é normal que algumas pessoas humanistas fiquem cegas na defesa deste ou daquele candidato, deste ou daquele partido. Criticando-se mutuamente, humanistas devem descobrir sozinhos como se posicionar, e não devem esperar que a LiHS produza respostas tão específicas.

A LiHS existe para as generalidades, pois nenhuma outra organização tem essa missão explícita no Brasil.

Para as próximas eleições presidenciais ou no caso do impeachment, qual seria, do ponto de vista humanista secular, o melhor ou o menos pior dos potenciais candidatos que se tem até agora?

De novo, a LiHS não é um partido político ou um órgão de aconselhamento específico de postura política. Muitos dos argumentos que se pode usar para desaprovar que igrejas e líderes religiosos exortem seus seguidores a votar em determinada pessoa também valem para instituições humanistas. Entendemos que cada membro deve escolher, dentro da sua concepção de o que é melhor para seu município, estado ou país, seus candidatos. Isso costuma ter relação com a pauta do candidato em relação à questões sociais mas também tem relação com suas visões macroeconômicas, estratégicas, etc.

Podemos apontar ações que violam a laicidade, os direitos humanos, etc — como temos feito independentemente — mas não imaginamos que dividir a LiHS em dois ou três novos subgrupos ideológicos distintos seria benéfico. É Liga Humanista, não Liga Humanista Socialista ou Liga Humanista Conservadora, ou qualquer outra coisa do tipo. Nossa mensagem é propositalmente genérica, estamos aqui para dizer que existe vida com sentido sem religião.

Para finalizar, fale um pouco da LiHS. De sua história, atividades e projetos, quanto associados tem, endereços de contato, etc.

A LiHS foi fundada em Porto Alegre em 2010 e tem cerca de 3.700 membros, espalhados por todos os estados do Brasil. Tem atuação tanto virtual quanto no dia a dia, com ações em defesa do Estado Laico, representações junto ao Ministério Público, organização e participação de eventos e também em audiências no Supremo Tribunal Federal.

 Creio que nosso projeto mais bem-sucedido em organização foi o primeiro Congresso Humanista brasileiro em 2012. Somos conhecidos também por manter o blog Bule Voador desde 2009. Nosso mais ambicioso projeto virá em 2017: trazer pela primeira vez o Congresso Humanista Mundial ao Brasil.


Leia mais em http://www.paulopes.com.br/2016/03/religiosos-nao-entendem-que-estado-laico-eh-benefico-a-todos.html

Conselho de Assuntos Femininos da LiHS agora é Conselho Feminista

Autoria: Vanessa Prates, presidente do CoFem (Conselho Feminista da LiHS)

Rosa Parks, uma de nossas inspirações
Quando esse Conselho nos foi oferecido,
há mais ou menos um ano, ainda sentíamos muita resistência ao feminismo
aqui pelas bandas da LiHS. Era notório como os participantes tinham um
pé atrás não só com as feministas, mas com a própria palavra feminismo
(talvez por desconhecer o próprio feminismo e também por não sacar que
todo humanista é obrigatoriamente feminista) . Backlash explica!
Só que como boas ocupadoras de espaços, não recusamos a oferta. Ou pegávamos ou pegávamos.
Acabamos aceitando sem
muito pensar no nome mais apropriado – e naquilo que de fato
desejávamos. E talvez pela falta de disposição de uma conversa mais
séria, finalizamos em Conselho para Assunto Femininos.
Obviamente que não se
tratava de dicas de maquiagem, receitas ou melhores posições para o sexo
(rs). O espaço buscava informar, conscientizar e debater a existência
do machismo na nossa sociedade, assim como maneiras de
intervenção/atuação direta e/ou indiretamente através do nosso Conselho.
Daí vocês podem me perguntar: Mas por que essa mudança agora? Qual a diferença entre Conselho para Assuntos Femininos e Conselho Feminista?
Na prática, nenhuma. A
diferença é mais na questão conceitual, já que o feminino não precisa,
necessariamente, estar atrelado à MULHER – e a figura mulher. A ideia de
feminino lembra automaticamente o masculino, e isso nos remete a um
binarismo. Sem dizer que comportamentos entendidos como autenticamente
femininos (normas de gênero) nos são reforçados a todo tempo através da
nossa cultura – verdadeiros agentes de opressão, já que é praticamente
inquestionável uma mulher não ser feminina ou mesmo um homem ser
feminino (com toda complexidade que o feminino representa).
E depois, nossa sociedade
é plural. Temos mulheres não femininas. Temos homens femininos. Temos
mulheres com pênis. Temos homens com vulva, etc.
Ademais, quando falamos
de feminismo, num sentido político/filosófico, falamos de um movimento
onde pessoas buscam um mundo socialmente igualitário para tod@s – homens
e mulheres. E como nosso Conselho representa pessoas feministas na sua
pluralidade (femininas, masculinas, andróginas, intersexuais), nada mais
pertinente que nomeá-lo enquanto tal.
 O debate deve ser amplo e pra tod@s!
 “Se não posso dançar, não é minha revolução” – Emma Goldman

Se você deseja participar do CoFem e receber novidades, entre no grupo do site oficial de membros da LiHS. Se ainda não é membro da LiHS, inscreva-se!

Dra. Tatiana Lionço sob ataque

O Caso Tatiana Lionço: 
Bolsonaro Deturpa e Fundamentalistas Multiplicam
John Stuart Mill
Um dos maiores pensadores sobre a liberdade humana, John Stuart Mill, filósofo inglês (1806-1873), continua atual e relevante, especialmente quando nos damos conta de quanto mal ainda faz o fundamentalismo de certos religiosos e o ranço conservador de certos políticos e/ou instituições. 
É sabido que fundamentalistas de qualquer espécie não gostam de discutir seriamente suas próprias ideias e nem aquelas ideias que despertam sua ira ou repugnância. Eles gostam de criar pânico e confusão para fazer calar os discordantes. Geralmente, isso acontece porque eles acreditam possuir uma verdade única e abrangente, e pensam que podem, infalivelmente, decidir pelos outros, seja impondo restrições ou mandamentos. 
Stuart Mill chama a atenção para o fato de que as pessoas que geralmente perseguem aqueles que lhes parecem transviados, desviados ou ímpios na atualidade são as mesmas que reprovam os que acusaram e mataram Sócrates ou os que julgaram e mataram Cristo. John Stuart Mill diz exatamente o seguinte: 
“Os cristãos ortodoxos que estejam tentados a pensar que aqueles que apedrejaram até a morte os primeiros mártires devem ter sido pessoas piores do que eles próprios deviam lembrar-se de que um desses perseguidores foi são Paulo.”
(Sobre a Liberdade, p. 54, Saraiva de Bolso, 2011) 
Isto quer dizer que se Paulo foi tão veemente em sua perseguição contra aqueles que ele considerava hereges, desviados, blasfemos, mas posteriormente repensou sua posição e tornou-se ele mesmo um deles, convertendo-se a Cristo, ninguém pode estar absolutamente certo de que suas ideias sejam verdadeiras e ninguém tem o direito de impor suas crenças sobre os demais. 
Na verdade, Stuart Mill defende que as pessoas tenham  liberdade para expressar suas opiniões, mesmo quando elas sejam diferentes daquelas consideradas verdadeiras pela maioria. Ele não esconde sua preocupação de que a perseguição contra ideias divergentes possa perpetuar falsidades não questionadas. Ele adverte que “o ditado de que a verdade triunfa sempre sobre a perseguição é uma daquelas falsidades agradáveis que as pessoas repetem entre si até chegarem ao estatuto de lugares-comuns, mas que toda a experiência refuta.” (idem, p. 57) Mill ilustra essa preocupação com diversos fatos históricos, entre eles, os casos em que povos, seitas, e pensadores foram destruídos pela perseguição dos que os anatematizavam. 
Com isso, Mill também indica que não devemos esperar passivamente que a verdade se estabeleça quando a liberdade do indivíduo é violentada pelo dogmatismo fundamentalista ou conservador. É lícito agir para proteger a individualidade e a liberdade de todos, especialmente – nesse caso – da pessoa ou grupo vulnerável.
John Stuart Mill deixa muito claro, porém, que as ações não desfrutam do mesmo nível de tolerância que as opiniões e até mesmo as opiniões efetivamente prejudiciais a outros não devem ser toleradas. Ambas tem como limite o prejuízo ao outro: 
“Ninguém está a dizer que as ações devam ser tão livres como as opiniões. Pelo contrário, até as opiniões perdem sua imunidade quando as circunstâncias em que são expressas são tais que a sua expressão constitui efetivamente uma instigação a um ato danoso. (…) Qualquer tipo de atos que causem dano injustificável a outros podem ser controlados – e nos casos mais importantes precisam absolutamente de o ser – pelos sentimentos desfavoráveis das pessoas e, quando necessário, pela intervenção ativa. A liberdade do indivíduo tem de ter essa limitação; não pode prejudicar outras pessoas.” (idem, p. 90) 
Para John Stuart Mill, a diversidade é salutar, justamente porque, no mais das vezes, não conseguimos reconhecer todos os lados da verdade: “…então as mesmas razões que mostram que a opinião deve ser livre provam também que lhe deve ser permitido agir com base nas suas opiniões a seu próprio custo sem ser importunado. Que a humanidade não é infalível; que as suas verdades, na maior parte dos casos, são apenas meias verdades; que a uniformidade de opinião, a não ser que resulte da mais plena e livre comparação de opiniões opostas, não é desejável, e que a diversidade não é um mal, mas sim um bem, são princípios aplicáveis tanto à conduta das pessoas como às suas opiniões, até a humanidade ter mais capacidade para reconhecer todos os lados da verdade do que hoje em dia” (idem, p. 91) 
O filósofo deixa claro que não há pretexto que possa justificar a supressão da individualidade: 
“… e tudo o que esmague a individualidade é despotismo, chame-se-lhe o que se lhe chamar, e quer afirme estar a fazer cumprir a vontade de Deus ou os preceitos das pessoas.” (idem, p. 100) 
E acrescenta que tentar suprimir a individualidade e impor a uniformidade prejudica a todos, inclusive o déspota: 
 “O poder de forçar os outros a segui-lo não só é inconsistente com a liberdade de desenvolvimento de todos os outros, como também corrompe a própria pessoa forte.” (idem, p. 104) 
Por causa desses vigiadores da vida alheia, a vida de uma pessoa que não se enquadre no que eles consideram o modo correto de viver geralmente sofre maledicência e perseguição: 
“Mas o homem, e ainda mais a mulher, que pode ser acusado de fazer ‘o que ninguém faz’, ou de não fazer ‘o que todos fazem’, é alvo de tantos comentários depreciativos como se tivesse cometido um grave delito moral.” (idem, p. 106) 
John Stuart Mill insta a que sejam tomadas providências imediatas contra o abuso daqueles que pretendem impor suas crenças sobre os demais e que rotulam tudo o que escapar dessa uniformidade como ímpio, imoral, monstruoso e antinatural. Ele diz o seguinte: 
“É apenas nos primeiros estágios que se pode tomar com sucesso qualquer posição contra o abuso. A exigência de que todas as outras pessoas se assemelhem a nós cresce através daquilo de que se alimenta. Se a resistência esperar até a vida estar quase reduzida a um tipo uniforme, todos os desvios em relação a esse tipo virão a ser considerados ímpios, imorais e até monstruosos e antinaturais. As pessoas tornam-se rapidamente incapazes de conhecer a diversidade quando perderam durante algum tempo o hábito de ver.” (idem, p. 113) 
Um dos sintomas da neurose fundamentalista é a ideia de que seus adeptos têm a missão de converter os demais custe o que custar, e que este não o fizer, será punido por Deus: 
 “A ideia de que uma pessoa tem o dever de que outra seja religiosa foi o fundamento de todas as perseguições religiosas alguma vez feitas e, se aceite, justifica-las-ia plenamente. (…) É a crença de que Deus não só detesta o ato do descrente, mas também não nos deixará isentos de culpa se o deixarmos sossegado.” (idem, p. 134) 
O mesmo desejo de uniformizar, aniquilar a individualidade, suprimir a liberdade humana em nome de um código moral ou de fé é típico de fundamentalistas religiosos e conservadores em geral. Recentemente, isso ficou muito claro no caso de Tatiana Lionço. 
Tatiana foi a moderadora do encontro no qual falei sobre “As Falácias da Rerversão Sexual” (18/08/12). 
O evento foi promovido pela Cia. Revolucionário do Triângulo Rosa.
Tatiana é Doutora em Psicologia, professora de graduação e mestrado em Psicologia do UniCEUB e membro-fundadora da Cia. Revolucionária Triângulo Rosa, e desempenhou papel importante como integrante da mesa formada durante o 9º Seminário LGBT (Sexualidade, papéis de gênero e educação na infância e adolescência), realizado no dia 15/05/12, na Câmara dos Deputados. O seminário foi organizado pelas Comissões de Direitos Humanos e Minorias e Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, e contou, pela primeira vez, com o apoio e organização de duas Frentes Parlamentares Mistas: pela Cidadania de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais e de Direitos Humanos da Criança e do Adolescente. 
A fala de Tatiana Lionço pode ser encontrada no minuto 2:38:20 no seguinte vídeo:

 Todas as falas da mesa realizada pela manhã encontram-se integralmente nesse vídeo. 
Recentemente, fundamentalistas e conservadores começaram a distorcer as falas de Tatiana durante o seminário e a espalhar calúnias contra ela em sites e blogs da internet. Um deles é blog ADHT: DefesaHetero.org. No dia em que essa nota foi escrita (26/08/12), o referido blog ainda exibia a seguinte manchete:
 “Tatiana ‘deixa os menores de 12 anos brincarem sexualmente em paz’. Lionço ameça DefesaHetero por divulgar trecho de vídeo do Deputado Federal Jair Bolsonaro.” (http://defesa-hetero.blogspot.com.br/). 
 A própria chamada já denuncia a autoria do vídeo deturpado: Jair Bolsonaro! Porém, o administrador do blog também contribuiu com sua cota de difamação reproduzindo as seguintes imagens (online em 26/08/12).
“É ela, 
TATIANA LIONÇO, 
nas imagens e falas abaixo:” 


Fonte: http://defesa-hetero.blogspot.com.br/2012/08/tatiana-os-menores-de-12-anos-brincarem.html (online em 26/08/12) 

O contato que o site apresenta é do  Rev. Dr. Alberto Thieme. O site literalmente diz o seguinte:
Escreva para nosso fundador e presidente, o Rev. Dr. ALBERTO TIHEME em defesa_hetero@yahoo.com.
Este é o Pr.Alberto Thieme. 
Fonte da Foto (online em 26/08/12): 

Jair Bolsonaro foi quem produziu o vídeo deturpado e difamatório, 
segundo o próprio Pr. Alberto Thieme.

Não existe justificativa para quaisquer ações criminosas por parte de um parlamentar. Jair Bolsonaro é deputado e o papel de um parlamentar é o de preservar a democracia e legislar em favor do cidadão e da sociedade, mas ao contrário disso, ele tem se envolvido em difamação, racismo, discurso homofóbico, desrespeito a colegas parlamentares, etc. Desta vez, ele atentou contra a dignidade e a honra de uma profissional altamente qualificada e respeitada em seu campo de atuação, pervertendo sua palavras durante um seminário que tratava de educação, com um viés psicológico e sociológico. 

Tatiana Lionço, como qualquer pessoa em sã consciência, sentiu-se ferida com toda essa cruzada difamatória. Sua resposta foi dada em forma de texto, ironizando a própria difamação para mostra-la ainda mais absurda.

Tatiana Lionço falando no 9º Seminário LGBT

Além dessa resposta em forma de texto, Tatiana escreveu uma carta aberta ao Rev. Alberto Thieme, a qual também foi enviada à direção da Igreja Presbiteriana, denominação à qual pertence o tal pastor. A carta pode ser lida aqui: 
A Dra. Tatiana Lionço sentiu-se obrigada a encerrar seu perfil no Facebook, pois fotos pessoais estavam sendo usadas para ridiculariza-la. Ela também temia por sua segurança. Porém, ela abriu um outro perfil com conteúdo menos pessoal. Tatiana também começou a esboçar um blog: http://gentetransviada.wordpress.com/
Todas essas são formas úteis e lícitas de esclarecimento, mas não atingem todas as pessoas que foram envenenadas pela difamação pelas calúnias dos textos/vídeos/imagens produzidos ou multiplicados por conservadores e fundamentalistas que, em nome de uma suposta moralidade, cometem atos que – mais do que imorais – são prejudiciais contra uma pessoa cuja conduta e trabalho têm contribuído tanto para a causa da liberdade, felicidade e do conhecimento humanos. 
Por isso, muitos internautas já começaram a se mobilizar para multiplicar o esclarecimento sobre o caso. 
Jean Wyllys no 9º Seminário LGBT na Câmara
Também, segundo Tatiana, a assessoria do Deputado Jean Wyllys tem se mobilizado solicitar as sanções jurídicas cabíveis contra os envolvidos. 
Toni Reis, presidente da ABGLT
Essa semana, Toni Reis, presidente da ABGLT, respondendo a Marina Reidel – que solidariamente solicitava apoio para Tatiana Lionço – também garantiu que as devidas providências estão sendo tomadas: “Estaremos processando com todas as leis que ele infringiu. Não nos calaremos.” – escreveu Reis. 
O Conselho LGBT da Liga Humanista Secular do Brasil coloca-se à disposição para apoiar Tatiana Lionço. É dever de todo humanista e secularista trabalhar para manter a liberdade de consciência, assim como para garantir que os indivíduos terão meios de se proteger contra o obscurantismo fundamentalista/conservador, o qual seria inofensivo aos outros se ficasse confinado ao campo das opiniões desses mesmos moralistas. Contudo, no momento em que esse fundamentalismo passa a perseguir os indivíduos que não se conformam aos seus ditames uniformizadores, ele viola o princípio da liberdade humana, incita a violência contra os indivíduos divergentes – ainda que no campo do simbólico -, devendo ser reprovado no âmbito da sociedade (todos nós) e coibido através do aparelho estatal, neste caso polícia e justiça.

Sergio Viula
Presidente do Conselho LGBT da Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS)

Declaração da Liga Humanista Secular do Brasil sobre o ensino religioso em escolas públicas

DECLARAÇÃO DA LIGA HUMANISTA SECULAR DO BRASIL
SOBRE ENSINO RELIGIOSO EM ESCOLAS PÚBLICAS[1]
Introdução

A questão do ensino religioso nas escolas públicas toma especial relevância, nesse momento, em razão do acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé – por meio do Decreto Legislativo 698 – que institui o ensino religioso católico e de outras confissões, de matrícula facultativa, nas escolas públicas brasileiras, em flagrante afronta ao princípio constitucional da liberdade religiosa/laicidade, disposto no art. 19, I, da Constituição Federal. É tão sério que a constitucionalidade desse decreto está sendo questionada, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4439/DF, proposta pela Procuradoria-Geral da República.
Coerente com seus objetivos, a LiHS não pode ficar alijada dessa discussão.
Os perigos do ensino religioso

Embora reconheçamos que abordagens não proselitistas como o Estudo Comparado de Religiões ou Estudo de História das Religiões poderiam ser úteis enquanto apanhados históricos e culturais, nos preocupa a enorme probabilidade de que uma disciplina de Ensino Religioso seja utilizada para proselitismo puro e simples.
Dada a absoluta predominância numérica de religiões cristãs no país e o histórico de intolerância destas religiões em relação a visões contrárias a seus dogmas, tememos que a disciplina seja utilizada para doutrinação religiosa de crianças e adolescentes, disseminação do preconceito contra homossexuais, ateus e outros grupos minoritários e propagação de dogmas criacionistas como o “desenho inteligente”, que atrapalham sobremaneira o ensino de geografia, biologia, física e demais ciências.
Somos A favor da liberdade de crença, mas somos CONTRÁRIOS ao ensino religioso em escolas públicas

O Brasil é um país laico! De acordo com a Constituição de 1988, Igreja e Estado devem ser separados e quaisquer iniciativas de promover proselitismo religioso em escolas públicas são uma afronta à nossa Carta Magna e uma ameaça às liberdades democráticas, tão duramente conquistadas nos últimos anos. Somos a favor da liberdade de crença, mas contrários ao proselitismo em escolas, principalmente em escolas públicas.
Não há dúvida de que religiões – assim como arte e outras expressões culturais – fazem parte da nossa identidade e podem ser estudadas em sala de aula, mas pensamos que isso deve ser feito de forma não tendenciosa e, de preferência, justamente em um contexto histórico – jamais como ferramenta de conversão e proselitismo!
Conclusão

Pelo exposto, a Liga Humanista Secular do Brasil se posiciona CONTRA o ensino de religião nas escolas públicas no Brasil e continuará lutando para que o Brasil não institucionalize o proselitismo religioso em espaços públicos nem em escolas.

[1] Esse texto foi produzido em função de uma votação entre os membros da LiHS na 3ª Assembleia Geral, ocorrida em 10 de março de 2012. Na Assembleia, a maioria absoluta (66,67%) decidiu que a LiHS deveria se posicionar “contra qualquer tipo de ensino religioso em escolas públicas”.
Sobre o Decreto 7.107, de 11 de fevereiro de 2010
 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7107.htm
O decreto 7.107 promulga o Acordo entre o Governo Brasileiro e a Igreja Católica.Entre outras coisas, determina que
“O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental” (Artigo 11º, §1º)