Associação de pós-graduações em filosofia não publica textos contrários à ideologia dominante

Uma associação de programas de pós-graduação em filosofia deveria ser exemplo de pluralidade de pensamento, e deveria se focar sempre na qualidade dos argumentos, não na identidade de quem os formula. A julgar pelo relato de Bruna Frascolla sobre a não publicação de seu texto crítico (que reproduzimos exclusivamente abaixo), este não está sendo o caso da ANPOF.

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A Associação Nacional da Pós-Graduação em Filosofia, ANPOF, começou na gestão passada a manter uma coluna, à qual podiam enviar textos qualquer professor ou pós-graduando em filosofia. A gestão mudou, e notei haver na coluna uma intenso interesse por crítica ao machismo, capitalismo, racismo etc e pela defesa de “filosofias” novas com viés identitário. No que concernia à discussão do machismo, notei que todos sempre se baseavam num dogma ao tecer críticas. Por isso, resolvi enviar meu próprio texto, a fim de extirpá-lo e sanear a discussão. No entanto, ao questionar sobre o envio, foi-me dito que “presentemente a Coluna Anpof tem publicado textos de autores convidados, de acordo com o planejamento do editor. Textos de autores não convidados podem ser enviados para […] e poderão ser publicados ou não, segundo juízo do editor.” Enviei meu texto, e nunca foi publicado.

Removamos um dogma da discussão sobre mulheres na filosofia

Por Bruna Frascolla Bloise

Doutoranda em filosofia da UFBa

            Uma preocupação atual na filosofia é discutir gênero e criticar a pouca presença feminina na filosofia. É inegável que na história humanidade as mulheres foram oprimidas pelo simples fato de serem mulheres: fisicamente mais fracas, estavam sujeitas à dominação masculina pelo uso da força bruta; sem avanços sociais, eram compulsoriamente lançadas ao papel exclusivo de mães e donas de casa; sem avanços culturais, qualquer desvio desse comportamento de mãe recatada seria imoral. A  hipotética irmã de Shakespeare, pensada por Woolf, tem sua materialização em Marianne Mozart, irmã de Amadeus. Uma mulher tão talentosa quanto Shakespeare, para começo de conversa, sequer seria alfabetizada – e, se alfabetizada, não conviria a uma mocinha meter-se em ambiente devasso como o do palco. O que é inegável, e acerca do que temos de estar todos de acordo, é que as mulheres, ao longo da história da humanidade, não tiveram chances de se desenvolver intelectualmente. Parideiras e rainhas do lar não precisam saber ler, e não devem viver na rua.

            No entanto, dessa desigualdade advinda da falta de oportunidade e da repressão, uma consequência vem sendo tirada precipitadamente: a de que, se houvesse tal igualdade, os resultados seriam todos iguais entre os sexos. Se em filosofia há poucas mulheres (trans ou não) e muitos homens, então isso só poderia significar que estamos fazendo algo de errado, pois deveria haver algo em torno de cinquenta por cento de homens e de mulheres.

            Ora, asserir que igualdade de oportunidade implica igualdade de resultado é asserir um fato. Fatos precisam de comprovação. Comprovação de fatos se dá através da experiência. Assim, antes de dizer que há um problema na comunidade filosófica ou que ela seja machista, é preciso ver o que podemos aprender com os fatos.

            Em primeiro lugar, é de estranhar que a preocupação com o alto percentual de homens na filosofia seja desacompanhada de considerações sobre o alto percentual de mulheres em psicologia. Os psicólogos homens serão oprimidos por alguma espécie de matriarcado? Quem quiser defender que sim, sou toda ouvidos; até lá, considerarei que não. Será que colocar mulheres como psicólogas e homens como filósofos é de alguma forma bom para a sujeição feminina? Duvido muito: ambos podemos seguir carreira universitária (que é a mais prestigiada e remunerada entre nós de filosofia); só eles podem ser psicólogos, e só nós professores de ensino médio – mas psicólogas têm maiores perspectivas de ascensão financeira do que professores de escola. Logo, o que se pode concluir é que há motivos por nós desconhecidos que levam gente de diferentes sexos a escolher diferentes cursos.

            Nisto, a experiência mais uma vez nos ajuda. Peço a quem de fato se interessar pelo tema que pesquise o paradoxo norueguês: no país de maior igualdade entre os sexos, com mulheres galgando altas posições e tendo todas as oportunidades, os engenheiros são em geral homens e os enfermeiros são em geral mulheres. A rede pública da Noruega fez um documentário que se encontra legendado em inglês e disponível aqui.

            Não à toa, a querela se dá entre pesquisadores dos gender studies e cientistas. De um lado, o jeito que fomos tratados em nossos berços determinaria toda a nossa vida futura, inclusive o curso que faremos (mas não sei como, admitindo esse determinismo cultural, explicam a existência de transexuais…); de outro, há diferenças nos cérebros que ajudam a explicar por que certos cursos são preferidos por homens. É estranho supor que sejamos um animal tão único que seu cérebro não se deixe afetar pelo vagalhão de hormônios que recebe. Se as pessoas tiverem tendências inatas, e não estiverem em apuros para ganhar dinheiro, escolherão simplesmente a profissão de que mais gostam. Indianas com problemas financeiros fariam programação; norueguesas, à vontade, seriam psicólogas. É apenas hipótese, naturalmente, como tudo em ciência. Verdades absolutas e imunes à refutação quem tem são os dogmáticos. E é de notar que, do lado dos gender studies, haja a condenação explícita às pesquisas feitas sobre diferenças cerebrais entre homens e mulheres. Posição tão avessa ao Sapere aude deveria disparar alarmes na comunidade filosófica.

            Longe de mim dar a questão por resolvida. Contento-me em deixá-la aberta, uma vez que admitamos que ela existe, a saber: igualdade de oportunidade implica igualdade de resultado? Dizer que implica sem embasar a resposta em fatos é dogmatismo.

            Por fim, como tais assuntos sempre suscitam mal-entendidos, quero deixar claro que, ainda que admitamos que no ambiente da filosofia tenda a haver mais homens, disso não se segue nenhuma inferiorização da mulher que faça filosofia, nem mesmo que não haja machismo no meio acadêmico. Segue-se apenas que não é de admirar que existam mais homens do que mulheres na filosofia, e que tal discrepância não é uma consequência necessária de machismo.

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