O Mal, o Sofrimento e a Dor…

Uma vez me disseram: “O maior problema de quem não acredita em Deus, pelo que tenho visto, é sua falta de justificativa mental para o mal, o sofrimento e a dor

 

Ocasião em que fui obrigado a concordar. De fato é um problema. Mas nem de longe isso significa que a resposta seja automaticamente ou necessariamente uma crendice. Não é porque não há respostas para algo, é que aquilo que nos conforta deva ser a verdade sobre esse algo. Eis a grande diferença de postura entre o crédulo e o cético. Ambos, quando às voltas com um problema respondem-no de maneira diversa: um se apega ao que lhe é útil, outro se apega ao que lhe é coerente. Para o crédulo (e não posso generalizar) o que lhe é útil e lhe traz conforto mental o é por ser coerente. Isso é uma falácia sem tamanho. Por outro lado os critérios de coerência do cético são outros.

 

O pensamento filosófico-científico (que os céticos em geral adota) suporta a dúvida, a incerteza e a falta de respostas quando nenhuma delas satisfaz os critérios pelos quais se constitui um saber. Ao passo que a religião e a crendice em geral precisa de certezas e respostas a qualquer custo: qualquer falta de resposta torna automaticamente verdade qualquer coisa que satisfaça as necessidades utilitárias do crente.

 

Isso me faz refletir. Ser secular é diferente de negar a existência de alguma força superior qualquer. Ao negarmos ou ao afirmarmos assumimos uma petição de princípio e qualquer pensamento que parte de pressupostos tende a ser parcial, o que foge do escopo investigativo isento e que chamamos de “epistemicamente virtuoso”. Ou seja, parece-me incoerente.

 

Não penso que haja qualquer problema na afirmação individual da não existência de Deus vinda de um ateu. Porém quando essa afirmação é política eu tendo a ficar ressabiado. Uma afirmação política precisa ser consciente de suas conseqüências e de como o sistema de valores vigente poderá usá-la, podendo inclusive subverter completamente os propósitos existentes no momento em que foi dita. É perdoável a incoerência em um crente (pelos critérios que os norteia e já mencionei), mas não é para um cético que, por definição epistêmica procura a coerência a partir da dúvida metódica e a suspensão de juízos.

 

É óbvio que a falta de objetividade para certas respostas pelas quais o homem anseia não justifica a existência de Deus. Isso é preciso postular politicamente de forma exaustiva. Porém isso é diferente de retirar o conforto psicológico de pessoas que não estão preparadas para se bastarem minimamente e não oferecermos algo imediato pelo qual ela possa se desenvolver. A contraposição à idéia de Deus não é a Ciência e sim a possibilidade política e ética de nos mantermos minimamente civilizados sem a necessidade de uma autoridade transcendente que dita regras de conduta ameaçando com o inferno ou prometendo vidas inefáveis no futuro.

 

O mal, o sofrimento e a dor são frutos diretos de nossa maneira de ser, e que pode ser modificada a partir da consciência de que o outro mereça respeito tanto quanto nós mesmos queremos respeito. É uma máxima prática, inclusive cristã, e que não tem nada a ver com sobrenaturalismo. É lógico e não metafísico.

 

Poderíamos refletir sobre isso?

 

Abraços

 

Gilberto Miranda Jr.

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Diferenças e Estereótipos: Notas sobre Epistemologia e Feminismo

Diferenças

Eu postulo que existam diferenças biológicas tanto em níveis fenotípicos quanto em níveis químicos. Essas diferenças desembocam em diferentes posturas, comportamentos e, conseqüentemente, formas de ver o mundo. A partir dessas diferenças o ser humano constrói representações que passam a determinar as relações sociais entre os seres. É nessa segunda parte que o problema do estereótipo acontece. O estereótipo é a essencialização de uma representação histórica, contingencial e completamente imersa em jogos de interesses para certas hegemonias e poderes. E isso acontece mesmo que na origem exista de fato uma diferença biológica.

Acabar com os estereótipos não é acabar com as diferenças. A própria igualdade é um estereótipo também. Valorizar as diferenças além dos estereótipos é garantir a pluralidade e a diversidade como arcabouço germinativo de relações sociais renovadas, onde a diferença não seja representada como oportunidade para hierarquizar essas relações.

Quando tive a oportunidade de pesquisar o movimento feminista me deparei com uma característica que jamais vi em grupamentos dominados pelo controle masculino. Se isso faz com que esse fato se torne histórico é porque por trás dele há uma origem biológica que o determina em certa medida. Achados arqueológicos anteriores ao neolítico (o neolítico é predominantemente patriarcal) dão conta de grupamentos matrilineares onde a maioria das mortes era por causas naturais, ao passo que nas civilizações patriarcais a maioria das mortes trazia como causa atos violentos.

Não muito longe de nós, com 98% de proximidade genética, assistimos duas sociedades primatas diametralmente opostas que nos mostram bases relacionais distintas: a dos Bonobos e a dos Chimpanzés. Os Bonobos, matrilineares, são uma sociedade mais cooperativa, menos violenta e que abriga a diversidade expressiva de seus integrantes para gerir as tensões sociais. Os Chimpanzés, patrilineares, são uma sociedade extremamente competitiva, violenta, de rigidez hierárquica onde a unidade de comando do macho alfa abafa e suprime as tensões sociais pelo controle e o medo.

Se isso não for bastante para postular diferenças possíveis entre os gêneros, recorramos à própria história. Partidos, facções, movimentos de cunho masculino, historicamente, sempre foram excludentes e discriminatórios. O movimento feminista em seu início teve o grande desafio de seguir esse modelo masculino de agremiação que historicamente sempre deu certo ou procurar seu próprio caminho. Contingencialmente a resposta feminina foi diametralmente oposta. As mulheres socialistas abrigaram as burguesas na reivindicação do sufrágio universal (direito ao voto), abrigaram os gays e lésbicas, abrigaram atéias e religiosas, e conviveram desde o início com uma diversidade desconcertante que desnortearia qualquer machinho (estereotipado ou não)…

Minha tese é que essas características, longe de ser uma “essência” da mulher, é a forma como elas se expressaram contingencialmente, e que é nessa forma que reside grande parte da solução (ou ao menos um encaminhamento plausível) para a maioria dos problemas que a civilização enfrenta hoje.

  

Conhecimento e Feminismo

 

Eu, particularmente, estou absolutamente enamorado pela perspectiva de uma filosofia feminista, de uma epistemologia feminista e até de um projeto feminista para a ciência; seja na busca de uma nova linguagem ou mesmo na produção de contradiscursos, o que começa a dinamizar e a horizontalizar toda forma de conhecimento direcionado, vertical, hierárquico e teleológico.

 

Pensando aqui com meus botões, mesmo sendo homem, vejo clara a discriminação contra minha forma independente de pensar muitas vezes. E olha que não me furto do jogo dos machinhos estereotipados para me fazer entender. Fico imaginando, com isso, todo tido de (im)possibilidades a que a mulher é submetida quando tenta construir uma voz própria a partir de sua perspectiva dentro desse sistema falocêntrico opressivo e autoritário.

 

Antes de pensarmos numa construção conjunta de uma epistemologia feminista (leia-se plural, diversificada, perspectiva e ampla), há de nos unirmos na desconstrução e na crítica profunda dos meandros dessa sociedade que desde a rua até aos meios acadêmicos e científicos ainda preserva feudos “intelectualóides” voltados ao domínio e competitividade machista.

 

A denúncia de uma racionalidade que opera a partir de uma lógica de identidade que não reconhece a diferença, mas hierarquiza-a de acordo com os interesses do poder, é o passo fundamental para a mudança do paradigma vigente.

 

Mas a questão não é só mudar. Não é preciso criar um novo mundo, mas sim nos apropriarmos dele e proporcionar a possibilidade de múltiplos significados, quebrando a resistência daqueles que verticalizam todas as relações, inclusive as epistemologicas.

 

Penso nesse dia como o momento derradeiro do início de nossa verdadeira emancipação como seres universais e da primeira ruptura entre os gêneros que um dia, talvez, chega à ruptura entre as espécies, tão arbitrária e somente útil para estudos.

 

Gilberto Miranda Jr.

http://blog.gilbertomirandajr.com.br

 

Pontos Cosmogônicos e o Humanismo

1º Ponto: Tudo o que o homem narra, ou seja, os discursos humanos sobre o mundo, sobre si mesmo e seu gênero (o Logos) partem fundamentalmente do aspecto fenomênico do mundo e o do outro em relação à sua percepção, por sua vez, condicionada por suas necessidades (a qual chamamos de intencionalidade). Portanto é a forma como o mundo afeta o homem frente às suas necessidades e Vontade de Potência que fundamenta seus discursos e narrativas. Cada narrativa humana sobre o mundo é a tentativa de uma resolução prática para as suas necessidades e potência.

 

Embora haja um preconceito histórico contra os sofistas, uma das frases mais sábias da Filosofia foi proferida por um Sofista, o maior deles, Protágoras: “O Homem é a medida de todas as coisas, daquelas que são enquanto são e das que não são enquanto não são”.

Jamais teremos acesso a algo considerado em si mesmo. Temos e teremos acesso apenas às coisas em sua relação conosco e é assim que passamos da indistinção para a distinção, ou seja, do Kaos para o Cosmos. No entanto, tomando a si próprio como medida, o homem extrapola essa condição e atribui o que é dele e para ele para as coisas que estão em relação com ele. Eis porque não há como considerar o mundo ou qualquer estudo sobre ele sem passar pela Fenomenologia, pois primeiro precisamos entender como percebemos as coisas para tentar intuir como elas poderiam ser sem nossa percepção.

 

2º Ponto: Há dois tipos básicos de cosmogonia/cosmologia historicamente. Uma é típica dos gregos, em que há a percepção de uma indistinção que foi “cosmizada” por alguma ordem que trouxe distinção e propósito a tudo. Dentro dela ainda existem várias interpretações. A outra, parte de uma Unidade perfeita (também indistinta) onde a multiplicidade se origina da degenerescência da mesma, em um eterno ciclo de União e Dispersão, típica dos orientais e que chegou à Grécia via pitagorismo e orfismo (Platão assumiu essa visão subvertendo a cosmogonia homérica e hesiódica).

 

Aqui existem duas cosmovisões distintas: a da imanência e da transcendência. A da Imanência o universo é feito pela ação do Espírito (para os Sofistas, espírito humano e para os místicos, o Espírito Absoluto). A da Transcendência o universo é feito pelo movimento do Absoluto, gerando o tempo e a multiplicidade. A primeira entende o Universo como histórico e leva em conta a percepção humana em sua constituição. A segunda pressupõe um realismo total(e ingênuo), onde o homem é passivo e sofre os efeitos de acordo com sua adequação ou não a uma teleologia que rege o universo para um fim específico.

 

Ainda… a primeira fala de um Universo cultural que explica muito mais como vemos o mundo a despeito de como o mundo é, inclusive questionando se temos condições de saber exatamente como ele é. A segunda fala de um realismo independente de nós cujos efeitos nós sentimos e temos condições de saber via racionalidade. Racionalidade entendida como parte dessa teleologia. Curiosamente religião e ciência assumiram a mesma visão realista com pretensões um tanto megalômanas centradas no HUMANISMO.

 

3º Ponto: O que sustenta tais idéias? Simplesmente a necessidade de explicação e tentativa de previsibilidade para o que oprime o ser humano em suas necessidades. Chamo a “queda” (narrada miticamente por muitas civilizações) essa perda da inocência, de simbiose entre homem e meio. O início teria se dado na migração humana para regiões onde o a cultura coletora, o nomadismo e o clima não favoreciam mais a sobrevivência; o que fez o homem fixar-se à terra e adquirir necessidade de possuí-la, controlá-la e dominá-la para continuar existindo. É onde nasce a separação entre Sujeito e Objeto e a coisificação do mundo e do outro, desembocando nas duas narrativas básicas cosmogônicas.

 

Talvez por isso que eu questione o Humanismo como Ethos para se enxergar o mundo. O homem como referência ou tomado como fim, instrumentaliza o conhecimento e sua racionalidade. Não sei até que ponto isso é bom.

 

Gilberto M. Jr.