SERÁ QUE DEUS É CULPADO?

Autor: Jeronimo Freitas 04/maio/2011

 

 

Faz alguns anos que circula na internet a transcrição de parte de uma entrevista televisiva americana, onde a filha de Billy Graham[1], famoso evangelista americano, explica o que, segundo ela, causou o ataque às torres gêmeas do World Trade Center. Fica difícil separar o que foi dito por ela, do proselitismo religioso de quem o traduziu e divulgou o e-mail, mas o que realmente importa é o “conjunto da obra”. Textos como esse são excelentes para mostrar o quão a moral da Idade do Bronze, ainda seguida por uma quantidade enorme de cristãos, destoa da moral secular do século XXI.

 

 

A causa da morte de centenas de pessoas pelos atentados terroristas, de acordo com a enorme quantidade de cristãos que aprova esse texto, não é o fanatismo religioso e sim o fato das pessoas passarem a tomar decisões político-sociais baseadas num processo democrático,  sustentado por fatos e argumentação racional.

 

Vamos analisar o texto.  Segue abaixo em itálico o e-mail que circula e, logo em seguida, meu comentário.

 

                                                                                     ***

SERÁ QUE DEUS É CULPADO?

 

Finalmente a verdade é dita na TV Americana. A filha de Billy Graham estava sendo entrevistada no Early Show e Jane Clayson perguntou a ela: 

 

‘Como é que Deus teria permitido algo horroroso assim acontecer no dia 11 de setembro?’ 

Anne Graham deu uma resposta profunda e sábia: 

 

‘Eu creio que Deus ficou profundamente triste com o que aconteceu, tanto quanto nós. Por muitos anos temos dito para Deus não interferir em nossas escolhas, sair do nosso governo e sair de nossas vidas.  Sendo um cavalheiro como Deus é, eu creio que Ele calmamente nos deixou. Como poderemos esperar que Deus nos dê a sua benção e a sua proteção se nós exigimos que Ele não se envolva mais conosco?’ 

 

À vista de tantos acontecimentos recentes; ataque dos terroristas, tiroteio nas escolas, etc… Eu creio que tudo começou desde que Madeline Murray O’hare[2] (que foi assassinada), se queixou de que era impróprio se fazer oração nas escolas Americanas como se fazia tradicionalmente, e nós concordamos com a sua opinião. Depois disso, alguém disse que seria melhor também não ler mais a Bíblia nas escolas… A Bíblia que nos ensina que não devemos matar, roubar e devemos amar o nosso próximo como a nós mesmos. E nós concordamos com esse alguém.

 

Logo depois o Dr. Benjamin Spock disse que não deveríamos bater em nossos filhos quando eles se comportassem mal, porque suas personalidades em formação ficariam distorcidas e poderíamos prejudicar sua auto-estima (o filho dele se suicidou) e nós dissemos: ‘Um perito nesse assunto deve saber o que está falando’. E então concordamos com ele. 

 

Depois alguém disse que os professores e diretores das escolas não deveriam disciplinar nossos filhos quando se comportassem mal. Então foi decidido que nenhum professor poderia disciplinar os alunos… (há diferença entre disciplinar e tocar). Aí, alguém sugeriu que deveríamos deixar que nossas filhas fizessem aborto, se elas assim o quisessem. E nós aceitamos sem ao menos questionar. 

 

Então foi dito que deveríamos dar aos nossos filhos tantas camisinhas, quantas eles quisessem para que eles pudessem se divertir à vontade. E nós dissemos: ‘Está bem!’ Então alguém sugeriu que imprimíssemos revistas com fotografias de mulheres nuas, e disséssemos que isto é uma coisa sadia e uma apreciação natural do corpo feminino. 

 

E nós dissemos: ‘Está bem, isto é democracia, e eles tem o direito de ter liberdade de se expressar e fazer isso’. Depois uma outra pessoa levou isso um passo mais adiante e publicou fotos de Crianças nuas e foi mais além ainda, colocando-as à disposição da internet. 

 

Agora nós estamos nos perguntando porque nossos filhos não têm consciência e porque não sabem distinguir o bem e o mal, o certo e o errado; porque não lhes incomoda matar pessoas estranhas ou seus próprios colegas de classe ou a si próprios… 

Provavelmente, se nós analisarmos seriamente, iremos facilmente compreender: nós colhemos só aquilo que semeamos!!! 

 

Uma menina escreveu um bilhetinho para Deus: ‘Senhor, porque não salvaste aquela criança na escola?’ A resposta dele: ‘Querida criança, não me deixam entrar nas escolas!!!’ 

 

É triste como as pessoas simplesmente culpam a Deus e não entendem porque o mundo está indo a passos largos para o inferno. É triste como cremos em tudo que os Jornais e a TV dizem, mas duvidamos do que a Bíblia, ou do que a sua religião, que você diz que segue ensina. 

 

É triste como alguém diz: ‘Eu creio em Deus’. Mas ainda assim segue a satanás, que, por sinal, também ”Crê” em Deus. É engraçado como somos rápidos para julgar, mas não queremos ser julgados! 

 

Como podemos enviar centenas de piadas pelo e-mail, e elas se espalham como fogo, mas, quando tentamos enviar algum e-mail falando de Deus, as pessoas têm medo de compartilhar e reenviá-los a outros! 

É triste ver como o material imoral, obsceno e vulgar corre livremente na internet, mas uma discussão pública a respeito de Deus é suprimida rapidamente na escola e no trabalho. 

 

Você mesmo pode não querer reenviar esta mensagem a muitos de sua lista de endereços porque você não tem certeza a respeito de como a receberão, ou do que pensarão a seu respeito, por lhes ter enviado. 

Não é verdade? Gozado que nós nos preocupamos mais com o que as outras pessoas pensam a nosso respeito do que com o que Deus pensa…’Garanto que Ele que enxerga tudo em nosso coração está torcendo para que você, no seu livre arbítrio, envie estas palavras a outras pessoas’. 

Passe essa mensagem adiante, se acha que ela tem algum mérito.  Se não, ignore-a… e delete-a…

 

                                                                                 ***

Daria pra escrever um livro sobre a moral desse texto, mas já existem livros excelentes sobre isso no mercado.[3] Salta aos olhos, desde o início do texto, o proselitismo, a falta de honestidade intelectual[4] e um delírio insano onde o crente alucinado reporta um diálogo que ele acredita ter tido com Deus.

 

Eu acho que uma pessoa que costuma pedir coisas a Deus ainda pode ser considerada sã. O problema, no meu ponto de vista, está é na cabeça daqueles que dizem ouvir a resposta…

 

Como uma pessoa que pretende descrever o caráter de deus, sua maneira de agir e suas conversas com Ele, pode ser levada a sério? Pare agora um pouco pra pensar nisso. As pessoas que aceitam isso como verdade, sem se questionarem, e que se emocionam, achando isso moralmente recomendável, estão fora da realidade, desligadas de seu senso critico e impedidas de racionalizar corretamente, dopadas pelo virus da fé. Esse comportamento não está muito distante do de alguém aceito como mentalmente insano. Como eu disse noutro texto:

 

Só a religião pode impelir pessoas perfeitamente sãs e bem-intencionadas a acreditarem, aos milhões, em coisas que apenas lunáticos acreditariam individualmente. Se você acordar amanhã cedo, acreditando verdadeiramente que após dizer algumas palavras em latim para a sua torrada, ela vai se transformar no corpo de Michael Jackson, você será considerado um louco. Mas se você pensar que as mesmas palavras são capazes de transformar uma bolachinha no corpo de Jesus, você será apenas considerado um católico. (San Harris)

 

Sinceramente: onde mais, além da religião as pessoas costumam abandonar a razão?

Vejam se essas frases não denotam um delírio:

 

[texto] “Finalmente a verdade é dita na TV Americana .”

 [comentário] Verdade? Como estipular que isso é a verdade?

 

[texto] “Uma menina escreveu um bilhetinho para Deus: ‘Senhor, porque não salvaste aquela criança na escola?’ A resposta dele: ‘Querida criança, não me deixam entrar nas escolas!!!”

 [comentário] Isso não foi escrito assim para ser metafórico. Esse tipo de texto manipula mentes desprovidas de informação, alienadas da ciência e repletas de aflição.

 

[texto] ‘Garanto que Ele que enxerga tudo em nosso coração está torcendo para que você, no seu livre arbítrio, envie estas palavras a outras pessoas’.  

[comentário] É interessante ver como o crente manipula o conceito de livre arbítrio: Ou você crê em Deus e vai pro céu ou não crê e vai pro inferno. Esse, segundo os crentes, é o livre arbítrio proposto por Deus.

 

[texto]  É engraçado como somos rápidos para julgar, mas não queremos ser julgados!

[comentário] Entre outras tantas incoerências, grande parte dos crentes tem a incrível capacidade de julgar o mundo através de suas ótica obtusa ao mesmo tempo em que condena quem julga sua moral.

 

O texto é repleto de propostas intolerantes contra as pessoas que não compartilham dos mesmos sentimentos, a mesma visão do mundo, a mesma moral, a mesma crença. Notadamente os ateus. Vejam que visão deturpada da realidade é compartilhada por todos que propagaram esse e-mail com a intenção de promover essas propostas.

 

A causa da morte de centenas de pessoas pelos atentados terroristas, de acordo com a enorme quantidade de cristãos que aprova esse texto, não é o fanatismo religioso e sim o fato das pessoas passarem a tomar decisões político-sociais baseadas num processo democrático,  sustentado por fatos e argumentação racional.

 

Em resumo, o texto recomenda a Bíblia como um guia moral (sobre isso eu gostaria que vocês lessem meu artigo, A Moral da Bíblia[5]) e recrimina as pessoas que se recusam a serem conduzidas como incapazes intelectuais. Fica claramente explícita, uma tristeza imensa pelo fato de haverem pessoas que questionam o mundo em que vivem ao invés de engolirem tudo o que lhes é dito, sem resmungar, de olhos fechados, como um débil mental. (sobre isso eu escrevi um artigo, Como você toma decisões sobre a sua vida e a saúde da sua família[6]).

 

 

 

 

[texto]  É triste como cremos em tudo que os Jornais e a TV dizem, mas duvidamos do que a Bíblia, ou do que a sua religião, que você diz que segue ensina. 

 [comentário] Ora, foi justamente por a humanidade ter se comportado dessa maneira por tantos séculos que houve tanta injustiça. As cruzadas, os genocídios e a maior parte das guerras e conflitos no mundo, foram fruto da intolerância religiosa. Quanta gente foi escravizada ou forçada a fazer o que não queria, foi torturada, banida ou assassinada por causa da crença em Deus? O texto tem a coragem de condenar o preservativo, enquanto milhões de pessoas morrem de AIDS no mundo. Por outro lado ele enaltece as virtudes de castigos físicos na formação moral das crianças. São os ateus os ruins na estória?

 

Como bem disse Scott Hurst:  “Se todos os ateus deixassem os EUA, o país iria perder 93% da Academia Nacional de Ciência e menos de 1% da população carcerária.” 

 

Vejamos o que mais diz o texto

 

 

[texto] Depois uma outra pessoa levou isso um passo mais adiante e publicou fotos de Crianças nuas e foi mais além ainda, colocando-as à disposição da internet.

[comentário] O texto quer nos levar a crer que por termos nos afastado de Deus adotamos uma contuta moralmente criminosa. O que me dizer então da elevadíssima quantidade de casos de pedofilia na igreja católica ao redor do mundo? Casos esses que foram acobertados durantes décadas.

 

Está na hora de nos mobilizarmos contra esse tipo de discurso insano, baseado na fé, que nada mais é do que uma licença que as pessoas se dão para acreditar em algo sobre o qual não se tem nenhuma prova. Não é porque alguém tem um sentimento profundo de que algo seja verdadeiro, que isso se torne realmente verdade. Em nenhum momento no texto o fanatismo religioso foi apontado como a causa dos atentados.

 

Em nenhum momento no texto foi criticada a doutrinação de crianças, levadas a seguir idéias absurdas e a matar ou morrer por um ser imaginário.

 

Foi isso que provocou o ataque ao Word Trade Center e matou 2819 pessoas. O texto se ateve a responsabilizar o pensamento crítico pelas desgraças do mundo.  Pessoas que pensam dessa forma não deveriam ter o direito, entre outras coisas, de educar crianças.

 

Está na hora de nos mobilizarmos para que as religiões passem a ser enquadradas como mitologia.

Para isso deixo mais dois textos meus:

 

Para acabar com as religiões: http://bardoateu.blogspot.com/2011/05/pra-acabar-com-as-religioes.html

Religião não! Mitologia: http://bulevoador.haaan.com/2011/04/13/religiao-nao-mitologia/

 

[1] Billy Graham: http://en.wikipedia.org/wiki/Billy_Graham

 

[2] Madeline Murray O’hare: http://en.wikipedia.org/wiki/Madalyn_Murray_O%27Hair

 

[3] Carta a uma nação cristã, Sam Harris: http://www.americanas.com.br/produto/6561520/livros/religiao/outrasreligioes/livro-carta-a-uma-nacao-crista

The Moral Landscape, Sam Harris: http://www.amazon.com/Moral-Landscape-Science-Determine-Values/dp/1439171211/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1304502215&sr=8-1

Deus um delírio, Richard Dawkins: http://www.amazon.com/DEUS-UM-DELIRIO-RICHARDD-DAWKINS/dp/8535910700

Quebrando o encanto: Daniel Dennett: http://www.amazon.com/s/ref=nb_sb_noss?url=search-alias%3Dstripbooks&field-keywords=quebrando+o+encanto&x=0&y=0

 

[4] Leiam esse texto que escrevi sobre a Honestidade Intelectual: http://bardoateu.blogspot.com/2011/04/honestidade-intelectual.html

 

[5] A Moral da Bíblia : http://bardoateu.blogspot.com/2011/02/moral-da-biblia_25.html

 

[6] Como você toma decisões  sobre a sua vida e a saúde da sua família : http://bardoateu.blogspot.com/2011/04/como-voce-toma-as-decisoes-sobre-sua.html

 

Pandora, Eva e as outras mulheres

Pandora foi a primeira mulher criada por Zeus, assim como Eva foi a primeira mulher criada por Deus, em ambas as mitologias, o mundo onde elas viviam era completamente desprovido dos pecados, de qualquer coisa que fosse nociva ao ser humano. No caso de Adão e Eva, esse era o paraíso.

E foi a curiosidade do proibido que condenou Adão e Eva, provocando sua expulsão do Jardim do Éden por terem provado do “fruto proibido” (apesar de muita gente insistir na maçã, em nenhum lugar da bíblia existe referência a esta fruta e a nenhuma outra, abrindo margem a inúmeras interpretações) enquanto que no caso de Pandora, ao abrir a caixa para ver o que tinha dentro (e tinha sido orientada a não fazê-lo), ela espalhou toda sorte de problemas, doenças, pecados sobre a terra.

Foi Eva quem seduziu Adão para comerem desse fruto. E na mitologia grega, Pandora seduz Epimeteu, guardião da caixa, e após uma noite de amor, ela rouba a chave para abrir a caixa.

Embora sejamos herdeiros da tradição judaico-cristã e o mito de Adão e Eva tenha sido consagrado como verdade literal e absoluta pelos teólogos fundamentalistas judeus e cristãos, estas histórias fantásticas serviram de pretexto para a legitimação do machismo, da opressão e demonização do sexo feminino. Ao longo da história as mulheres sempre foram condicionadas a categoria de ser inferior, devendo ser submissa aos homens, sendo considerada culpada por todas as desgraças que afligissem a sociedade. No Antigo Testamento existem inúmeras passagens em que as mulheres são relegadas a um segundo plano, tratadas muitas vezes como animais. Claro que existem muitas passagens que a beleza da mulher é exaltada, suas virtudes e sua maternidade posta em evidência (principalmente Maria mãe de Jesus), estas, porém são mínimas se comparadas as que exaltam o preconceito.

No Novo Testamento, Paulo afirma que as mulheres devem ser submissas aos seus maridos, o que eu não concordo, o referido apóstolo dos gentios faz muitas restrições às mulheres em suas epístolas, talvez devido ao fato de ser solteiro… creio que numa família o casal tem que andar juntos e não um subjugar o outro.

Ao longo da história, trechos bíblicos foram distorcidos para promover perseguições e atrocidades contra as mulheres, especialmente na Idade Média, onde muitas foram acusadas de bruxaria e foram massacradas pela Santa Inquisição.

As referidas mitologias demonizam a busca do ser humano ao conhecimento, a sabedoria, atribuições estas conferidas somente aos deuses em questão e a aquisição da mesma é considerada uma afronta às divindades, sendo a mulher condenada e castigada pelo seu atrevimento de desobedecer aos deuses e consequentemente apontada como responsável por todos os males que afligem a humanidade. Devido a isto, por séculos a humanidade viveu nas trevas da ignorância, quem questionava, ou buscava a sabedoria era eliminado, o conhecimento era atributo exclusivo de sacerdotes e de teocracias (reis que se diziam representantes de Deus na terra), principalmente na Antiguidade e na Idade Média.

A mulher devido a estas mitologias machistas sempre foi relegada ao sofrimento, desprezo, submissas, sem vez e voz, somente com o advento do século XX, as coisas começaram a mudar, as mulheres estão assumindo seu espaço e sendo respeitadas, tanto que teremos pela primeira vez em nosso país teremos uma mulher na presidência da república.

Sei que o dia dedicado às mulheres é o dia 8 de março, mas a bravura e a capacidade das mesmas deve ser exaltada sempre, é cada vez maior o número de mulheres que são chefes de família, criam os filhos sozinhas, trabalham fora e são exemplos de liderança e personalidade.

Fiz um breve comparativo das duas mitologias para mostrar o quão enraizado está o machismo em nossa cultura, nossa sociedade ainda desrespeita as mulheres e não lhes dá o devido valor, muitas delas são violentadas, mortas por seus parceiros, recentemente foi criada a Lei Maria da Penha para punir os agressores, felizmente as coisas estão mudando.
Muitas mulheres trabalham nas mesmas funções que os homens e seus salários são mais baixos, o que é um absurdo! E ainda existem muitas outras situações dentre as quais as mulheres são desrespeitadas.

Mulheres são guerreiras, batalhadoras, nem de longe são o protótipo de sexo frágil! Isto é rotulação machista, resquício de uma mentalidade arcaica e conservadora. É hora de revermos os nossos mitos e o quanto eles podem interferir em nossas vidas, devemos quebrar os paradigmas e proclamar a igualdade de direitos! Chega de intolerância e fanatismo provindo de mitos descabidos e ainda fartamente alardeados em cercanias fundamentalistas.

 

Adriano Couto

Dicionário Teísta

O que teístas realmente querem dizer quando falam…
“Ver a luz” – Começar a viver num mundo de sonhos.
“Se afastando de Deus” – Começar a viver no mundo real.Continua…

Medicina Complementar: Atual, futuro e filosofia.

– Este texto será publicado na revista XIX PET Farmácia UNESP. É de minha autoria e não deve ser divulgado sem avisar –

Medicina Complementar: Atual, futuro e filosofia.

 

O que leva as pessoas a usarem a medicina alternativa (ou complementar, de acordo com a definição mais contemporânea)?

Antes de responder a qualquer pergunta, precisamos definir a medicina complementar:

“Complementary medicine is diagnosis, treatment and/or prevention which complements mainstream medicine by contributing to a common whole, by satisfying a demand not met by orthodoxy or by diversifying the conceptual frameworks of medicine.” (Ernest. E., et al., British Journal of General Practice, 1995 September; 45(398): 506.)

Diversas pesquisas (ERNEST & WHITE, 2000; EISENBERG et al., 1993; FISHER & WARD, 1994; MACLENNAN et al., 1996) definiram a prevalência e os custos da medicina complementar em várias regiões do mundo. Pode-se notar nestes estudos que há um aumento na procura por estes tratamentos não ortodoxos.

O que motivaria este aumento? Podemos levantar hipóteses.

  1. Queda na qualidade da medicina ortodoxa.
  2. Maior divulgação da medicina complementar.
  3. Aumento do número de pessoas que possuem o perfil que busca terapias alternativas.

Uma pesquisa conduzida por ASTIN (1998) separou a primeira hipótese em outras duas hipóteses: Insatisfação com a medicina tradicional e maior controle sobre o tratamento.

A insatisfação poderia ser oriunda da ineficiência, efeitos colaterais e por ser impessoal e/ou demasiado científico (Uma livre tradução de “… too technologically oriented…”) e/ou muito caro.

Logo, qual seria o motivo? Esta mesma pesquisa levantou dados e encontrou como resposta algo revelador.

A pesquisa revelou que o principal fator que leva as pessoas a buscarem a medicina complementar é o fato de estarem alinhadas às crenças e ideologias pessoais. Estas mesmas pessoas tem maior nível de educação.

Um pensamento direto poderia inferir que pessoas com maior nível de educação procurariam por fatos para confirmar a validade do tratamento complementar que vai usar, visto que muitos carecem de evidências científicas (Como Reiki, por exemplo), ou já obtiveram resultados de que são placebos, como por exemplo, acupuntura (KLEINHENZ et al., 1999;  LEE et al., 2010; SCHARF et al., 2004;  SIM et al., 2011), homeopatia (ALTUNÇ et al., 2007; COOPER & RELTON, 2010; ERNEST, 2002; HALBERSTEIN et al., 2010; LINDE et al., 1997; SHANG et al., 2005) e florais de Bach (HALBERSTEIN et al., 2010).

Entretanto, os resultados demonstrados por ASTIN colocam um possível motivo para esta contradição. Como colocado por diversos filósofos, como Bertrand Russell, quando um pensamento ou uma posição em relação a algo é definido por estar alinhado com a posição filosófica, ideológica e/ou religiosa, há um grande apego, sendo para a pessoa algo indiscutível e imune a fatos contrários, não importando o quão absurdas são as proposições.

Claro que rapidamente poderíamos estender este fato para religião, ainda mais pelo fato de que muitas práticas da medicina complementar são ligadas ou compartilhadas com algumas religiões, mas este é outro ponto.

Logo, sabendo que grande parte das pessoas usa de terapias alternativas por causa de visão filosófica, e que graças à importância pessoal dada a esta filosofia não a questionam, podemos pensar o que explica os estudos que demonstram o aumento na busca por medicina alternativa.

Hipoteticamente, podemos imaginar que devido a ligação filosófica, pessoas que começam a frequentar terapias complementares, não a deixam (Os que deixariam seriam por troca de terapia, terem nascido em uma família adepta e em determinada idade ter notado o não alinhamento filosófico ou morte). Os números teriam naturalmente uma tendência a aumentar. Porém, há uma grande influência pessoal no circulo social, o que fariam uma fração das pessoas começarem a buscar estas terapias.

O efeito da experiência pessoal tem grande efeito influenciador, visto que gera ofensa caso alguém aja com ceticismo em relação a essa experiência, e que gera confiabilidade em pessoas menos céticas. Somando isso ao alinhamento filosófico da terapia propagandeada ao locutor, temos uma pessoa com real possibilidade de começar a usar da medicina alternativa.

Vemos que o poder da propaganda (pessoal e, hoje na mídia) pode ser um dos sistemas que explicam o aumento da busca.

Mas, isto não poderia demonstrar um incentivo em buscar formas alternativas de explicar o universo em detrimento à busca científica da mesma explicação? Um mundo que considera de modo filosófico, a ciência como menos importante que o misticismo, teria que rumo? Um extremo em que o desenvolvimento da “Cold Science” seria menos incentivada; Um meio termo, não menos desesperador, em que a medicina baseada em evidencias seria procurada em ultima ocasião; ou o aumento na busca pela medicina complementar cessaria, havendo um equilíbrio entre ambas as práticas? Ou outra possibilidade?

Uma situação extrema ou intermediária como possível futuro levanta questionamentos como: Tal crescimento é válido e seguro? Tal crescimento é inválido e danoso?

Os futuros profissionais e estudantes tem um futuro incerto pela frente que precisa ser discutido e estudado de modo livre de conflito de interesses.

 

Lucas Ercolin 

 

REFERÊNCIAS

 

ALTUNÇ U., et al., Homeopathy for Childhood and Adolescente Ailments: Systematic Review of Randomized Clinical Trials, Mayo Clinic Proceedings, v. 82, i.1, p. 69-75, 2007 January.

ASTIN J. A., Why Patients Use Alternative Medicine, Journal of the American Medical Association, v. 279, no. 19, 1998 May.

CASTRO A. O Assunto não é você.  http://www.interney.net/blogs/lll/2011/01/23/o_assunto_nao_e_voce/>; acessado em 29 de abril de 2011.

COOPER K. L., RELTON C., Homeopathy of insomnia: A systematic review of research evidence, Sleep Medicine Reviews, v. 14, i. 5, p. 329-337, 2010 October.

EISENBERG D. M., et al., Unconventional Medicine in the United States: Prevalence, costs, and patterns of use, The New England Journal of Medicine, v.328, i.4, p. 246-252, 1993 January.

ERNEST E., A systematic review of systematic reviews of homeopathy, British Journal of Clinical Pharmacology, v. 56, i. 6, p. 577-582, 2002 December.

ERNEST. E., WHITE A., The BBC survey of complementary medicine use in the          UK, Complementary Therapies in Medicine, v.8, i.1,  p. 32-36, 2000 March.

ERNEST. E., et al., Complementary medicine – a definition, British Journal of General Practice, 45(398): 506, 1995 September.

FISHER P., WARD A., Complementary Medicine in Europe, British Medical Journal, v. 309, p. 107-111, 1994 January.

HALBERSTEIN R. A., et al., When Less is Better: A Comparison of Bach® Flower Remedies and Homeopathy, Annals of Epidemiology, p. 20, i.4, p. 298-307, 2010 April.

KLEINHENZ J., et al., Randomised clinical trial comparing the effects of acupuncture and a newly designed placebo needle in rotator cuff tendinitis, PAIN, v. 83, p. 235-241, 1999 May.

LEE S., et al., Acupuncture and heart rate variability: A systematic review, Autonomic Neuroscience: Basic and Clinical, v. 155, p. 5-13, 2010 June.

LINDE K., et al., Are the clinical effects of homoeopathy placebo effects? A meta-analysis of placebo-controlled trials, The Lancet, v. 350, i. 9081, p. 834-843, 1997 September.

MACLENNAN A. H., et al., Prevalence and cost of alternative medicine in Australia, The Lancet, v. 347, i. 9001, Pages 569-573, 1996 March.

RUSSELL R., Ensaios Céticos. Porto Alegre, 2010. 240p.

SCHARF. HP., et al., Acupuncture and Knee Osteoarthritis: A Three-Armed Randomized Trial, Annals of Internal Medicine, Philadelphia, v. 145, no. 1, p. 12-20, 2004 July.

SHANG A., et al., Are the clinical effects of homoeopathy placebo effects? Comparative study of placebo-controlled trials of homoeopathy and allopathy, The Lancet, v. 366, i. 9487, p. 726-732, 2005 August.

SIM H., et al., Acupuncture for Carpal Tunnel Syndrome: A Systematic Review of Randomized Controlled Trials, The Journal of Pain, v. 12, no. 3, p. 307-314, 2011 March.