Pontos Cosmogônicos e o Humanismo

1º Ponto: Tudo o que o homem narra, ou seja, os discursos humanos sobre o mundo, sobre si mesmo e seu gênero (o Logos) partem fundamentalmente do aspecto fenomênico do mundo e o do outro em relação à sua percepção, por sua vez, condicionada por suas necessidades (a qual chamamos de intencionalidade). Portanto é a forma como o mundo afeta o homem frente às suas necessidades e Vontade de Potência que fundamenta seus discursos e narrativas. Cada narrativa humana sobre o mundo é a tentativa de uma resolução prática para as suas necessidades e potência.

 

Embora haja um preconceito histórico contra os sofistas, uma das frases mais sábias da Filosofia foi proferida por um Sofista, o maior deles, Protágoras: “O Homem é a medida de todas as coisas, daquelas que são enquanto são e das que não são enquanto não são”.

Jamais teremos acesso a algo considerado em si mesmo. Temos e teremos acesso apenas às coisas em sua relação conosco e é assim que passamos da indistinção para a distinção, ou seja, do Kaos para o Cosmos. No entanto, tomando a si próprio como medida, o homem extrapola essa condição e atribui o que é dele e para ele para as coisas que estão em relação com ele. Eis porque não há como considerar o mundo ou qualquer estudo sobre ele sem passar pela Fenomenologia, pois primeiro precisamos entender como percebemos as coisas para tentar intuir como elas poderiam ser sem nossa percepção.

 

2º Ponto: Há dois tipos básicos de cosmogonia/cosmologia historicamente. Uma é típica dos gregos, em que há a percepção de uma indistinção que foi “cosmizada” por alguma ordem que trouxe distinção e propósito a tudo. Dentro dela ainda existem várias interpretações. A outra, parte de uma Unidade perfeita (também indistinta) onde a multiplicidade se origina da degenerescência da mesma, em um eterno ciclo de União e Dispersão, típica dos orientais e que chegou à Grécia via pitagorismo e orfismo (Platão assumiu essa visão subvertendo a cosmogonia homérica e hesiódica).

 

Aqui existem duas cosmovisões distintas: a da imanência e da transcendência. A da Imanência o universo é feito pela ação do Espírito (para os Sofistas, espírito humano e para os místicos, o Espírito Absoluto). A da Transcendência o universo é feito pelo movimento do Absoluto, gerando o tempo e a multiplicidade. A primeira entende o Universo como histórico e leva em conta a percepção humana em sua constituição. A segunda pressupõe um realismo total(e ingênuo), onde o homem é passivo e sofre os efeitos de acordo com sua adequação ou não a uma teleologia que rege o universo para um fim específico.

 

Ainda… a primeira fala de um Universo cultural que explica muito mais como vemos o mundo a despeito de como o mundo é, inclusive questionando se temos condições de saber exatamente como ele é. A segunda fala de um realismo independente de nós cujos efeitos nós sentimos e temos condições de saber via racionalidade. Racionalidade entendida como parte dessa teleologia. Curiosamente religião e ciência assumiram a mesma visão realista com pretensões um tanto megalômanas centradas no HUMANISMO.

 

3º Ponto: O que sustenta tais idéias? Simplesmente a necessidade de explicação e tentativa de previsibilidade para o que oprime o ser humano em suas necessidades. Chamo a “queda” (narrada miticamente por muitas civilizações) essa perda da inocência, de simbiose entre homem e meio. O início teria se dado na migração humana para regiões onde o a cultura coletora, o nomadismo e o clima não favoreciam mais a sobrevivência; o que fez o homem fixar-se à terra e adquirir necessidade de possuí-la, controlá-la e dominá-la para continuar existindo. É onde nasce a separação entre Sujeito e Objeto e a coisificação do mundo e do outro, desembocando nas duas narrativas básicas cosmogônicas.

 

Talvez por isso que eu questione o Humanismo como Ethos para se enxergar o mundo. O homem como referência ou tomado como fim, instrumentaliza o conhecimento e sua racionalidade. Não sei até que ponto isso é bom.

 

Gilberto M. Jr.

Carta a uma escola não confessional

Publicado originalmente no meu blog DNA Cético.

 

Estamos vivendo um momento de extrema importância. Um momento que deverá ficar marcado na história. Um momento em que estamos aprendendo a respeitar a diversidade. Não apenas a diversidade biológica, que teve seu momento culminante na comemoração do ano de 2010 como o Ano Internacional da Biodiversidade, mas também na diversidade de pensamento. A época em que pensamentos divergentes eram podados sumariamente está cada vez mais distante.

Especialmente no Brasil, o amadurecimento da democracia está nos propiciando no mínimo a possibilidade de manifestação do direito das minorias. O direito das minorias é algo a ser perseguido e esclarecido em um sistema democrático, no sentido de proteger a diversidade. Com este amadurecimento, aprendemos que não é porque a maioria pensa de uma forma, que os demais, que pensam de forma diferente, precisam ser obrigados a seguí-los.  O respeito pelo diferente, pela diversidade, é um alvo que deve ser buscado por todos. Neste sentido, a escola é um ambiente extremamente favorável para que as novas gerações cresçam com a idéia do respeito pela diversidade, o que irá facilitar sua convivência com outras pessoas no futuro.

Uma das questões bastante em evidência atualmente é o respeito à diversidade de opção sexual. Manifestações de homofobia, por exemplo, têm sido discutidas e combatidas por cada vez maior porção da população, e não apenas do grupo oprimido como também de outras parcelas da população. As pessoas estão aos poucos aprendendo a conviver com esta diversidade, mesmo que às vezes seja necessário recorrer à justiça nos casos de discriminação.

No entanto, outra minoria não tem recebido o mesmo apoio. É o caso da minoria dos não religiosos (ateus, agnósticos, ou simplesmente os que não frequentam religiões). A cada crime cometido aparece um comentarista de televisão acusando-o de ser ateu, ou “não ter Deus no coração”. Pode parecer algo irrisório, mas não é. Trata-se de uma acusação ou, no mínimo, uma generalização que não tem absolutamente nenhum respaldo em evidências. Por outro lado, há pequenas outras atitudes da maioria religiosa que são igualmente desrespeitosas (quando não discriminatórias ou preconceituosas).

Quando atitudes assim são realizadas em escolas, o berço onde esperamos que haja ensinamentos sobre respeito e aceitação da diversidade, acredito que estamos diante de problemas maiores. É o caso, por exemplo, do ensino religioso em escolas públicas. O poder público deve zelar pelo direito da minoria e a luta tem sido grande para evitar proselitismo nas escolas. É aceitável que haja aulas de ensino sobre religiões (explicar que o homem cultua milhares de deuses, por exemplo), mas é inaceitável qualquer tipo de imposição de crença. Este papel é dado a escolas confessionais, onde os pais espontaneamente matriculam seus filhos sabendo que terão ensino religioso de acordo com a religião da escola.

Em outras ocasiões, escolas comuns (públicas ou mesmo privadas) promovem determinada religião através de seus professores fazendo orações na sala de aula ou até mesmo recebendo imagens para adoração dos fiéis. É compreensível que os professores e a direção da escola tenham sua fé, mas é inadmissível que usem o poder de educador para impor aos alunos, em geral crianças que estão iniciando seu conhecimento sobre a vida, um determinado procedimento religioso. Em escolas não confessionais, não se espera receber catequese. Mais uma vez, dizer que a maioria dos brasileiros é desta ou daquela religião não pode ser desculpa para impô-la para todos. É o direito da minoria. Se a escola não é confessional, ou seja, se eu não estou levando minha filha de livre espontânea vontade para uma escola de freiras ou adventista, ou seja lá qual for, não espero que ela tenha que aprender rezas, orações ou admirar imagens de santas. Respeito que os professores, pais de outros alunos e demais pessoas façam isso em suas casas e nas suas igrejas, mas reforço que na escola isto não pode acontecer. Se os pais religiosos querem que seus filhos tenham ensino religioso, eles são livres para levá-los a escolas dominicais, catequeses, etc. Também não é direito separar a turma entre os que são adeptos e os não adeptos para ir admirar e rezar aos pés de uma imagem de santa, pois assim se ensina exclusão e não o respeito pela diversidade.

A escola é, sim, um local sagrado. Mas é um local sagrado para a difusão do conhecimento, não para professar uma religião. Esta carta aberta é um apelo às escolas não confessionais que se mantenham íntegras, sem obrigar os alunos a professarem algo que eles não optaram “a priori”. Vamos aprender a lidar com a diversidade! Vamos aproveitar este momento histórico!