A imprensa brasileira e a negação do racismo

Paula Borges

Fiquei sabendo do caso através de um amigo estrangeiro. Assustado, desnorteado com a realidade que fez com que todas as suas crenças sobre o Brasil caíssem por terra, ele me mandou um link da imprensa angolana que noticiava o assassinato de Zulmira de Souza Borges Cardoso, uma estudante de 26 anos que foi morta em São Paulo simplesmente por ser africana. Um Golf parou na frente de um bar, na região do Brás, e atirou contra um grupo de estudantes angolanos, ferindo três amigos de Zulmira, uma delas grávida. Uma série de veículos africanos e portugueses publicaram notas sobre o caso. Todos eles mencionavam a motivação racista do crime, e o fato que as testemunhas afirmavam terem presenciado agressões verbais de cunho racista por parte do atirador.

Ainda não querendo acreditar que era verdade, fiz uma busca pelas notícias locais. Nada encontrei de início, o que me deixou muito intrigada. O fato é que eu havia incluído o termo “racismo” na minha busca, e nenhum veículo da imprensa brasileira tinha esta palavra em seu texto. Mais de meia hora procurando, toda a grande mídia pesquisada, e nenhuma menção ao racismo em nenhuma das notícias. Embora as testemunhas e a imprensa internacional fizessem questão de explicitar a motivação do crime, a nossa imprensa preferiu se referir ao caso como uma “discussão de bar que terminou em morte”.

A notícia foi tratada pelas autoridades e todas as outras publicações estrangeiras em língua portuguesa com a devida seriedade. Todo o trâmite diplomático foi acompanhado de perto. Aqui, não vimos esta notícia em sequer uma capa de jornal. Para nossa mídia, o motivo é “desconhecido”, o atirador “foragido” e o caso todo, já esquecido.

Os veículos estrangeiros noticiam também a falta de assistência médica e psicológica às outras vítimas, o descaso da polícia nas investigações, e utilizam termos como “tentativa de massacre” e “xenofobia”. Nas páginas brasileiras, no entanto, o caso não passa de um mero desentendimento entre estudantes.

O que poderia explicar esta omissão daqueles que têm o dever de nos informar? Como entender a relutância – e por que não? – censura da palavra “racismo”? Por que a imprensa brasileira está tão engajada na construção de uma imagem positiva, iludida e equivocada da sociedade? Será que o racismo destas instituições e da sociedade brasileira está tão enraizado que pode causar tamanha negligência e conivência? Enquanto as manifestações racistas e xenófobas crescem em ritmo alarmante, a população permanece desinformada por uma imprensa irresponsável e antiética.

Ao passo que os países mais desenvolvidos tratam as manifestações de racismo com toda a seriedade, e nós aqui, enchendo as contas bancárias de “comediantes” que, tristemente, fazem exatamente o mesmo comentário que o assassino fez antes de atirar e chamam de “piada inofensiva”.

Para evoluir de verdade, precisamos de uma imprensa que reflita a sociedade brasileira como um espelho, sem photoshop.

Para comparar as diferenças:

Veículo angolano: http://angola24horas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=6283:quem-viu-ai-o-caso-da-jovem-zulmira-morta-no-brasil&catid=14:opiniao&Itemid=24

Veículo português: http://asemana.sapo.cv/spip.php?article76630&ak=1

Veículo brasileiro: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/05/universitaria-angolana-e-morta-em-bar-na-regiao-central-de-sp.html

 

 

 

 

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