Carlos Orsi: Meu problema com a blasfêmia

http://carlosorsi.blogspot.com/2011/04/meu-problema-com-blasfemia.html

 

Antes que o título desta postagem cause algum mal-entendido: sou totalmente a favor da blasfêmia. Um dos itens que mais valorizo em minha biblioteca é a clássica edição da revista Free Inquiry que publicou todas — todas — as caricaturas dinamarquesas de Maomé que tanto furor causaram alguns anos atrás.

Amaldiçoar, sacanear e ridicularizar divindades é um passatempo antigo e honrado, que deveria ser declarado patrimônio da humanidade pela Unesco. Em linhas mais gerais, eu diria que uma ideia que não é capaz de sobreviver a uma sátira não era uma boa ideia, para começo de conversa.

Meu problema com a blasfêmia, que volta a incomodar por causa da recente onda de violência em reação a uma queima do Alcorão, é outro: por que uma divindade tão maravilhosa, fantástica, onipotente e fodesdástica como supostamente são os deuses que o povo gosta de adorar por aí haveria de se incomodar com sacanagens feitas por merdinhas como nós?


Digo, eu tenho poder de vida e morte sobre as formigas que frequentam a cozinha de meu apartamento. O que elas pensam de mim, no entanto, é totalmente irrelevante: eu as mato quanto elas se tornam um incômodo, mas se elas, por exemplo, leem este blog e detonam tudo o que eu escrevo, isso simplesmente não me interessa. O que me interessa é o fato de elas aparecem dentro do açucareiro!

Então, por que um ser todo-poderoso haveria de se incomodar com o que dizem ou pensam criaturas tão insignificantes como nós? Este é o meu problema com a blasfêmia: a própria noção milita contra a causa das pessoas que acham que blasfêmia é uma coisa grave.

O problema, curiosamente, desaparece se adotamos uma hipótese memética para explicar a religião: de acordo com essa hipótese, ideias como divindade, oração, culto, etc., não têm uma origem sobrenatural, mas são padrões de pensamento e comportamento que se propagam de cérebro em cérebro, de geração em geração, de forma análoga à transmissão biológica dos genes.

Se — trata-se apenas de um se — a divindade não é uma Coisa Real, mas apenas um meme, a reação violenta à blasfêmia, de certa forma, se justifica: o ridículo produzido por seres humanos certamente não significa nada para uma entidade todo-poderosa, mas é uma ameaça bem concreta para uma ideia de origem humana.

Seriam, então, as reações violentas à blasfêmia um sinal do reconhecimento da fragilidade da ideia atacada? Eis uma reflexão para o fim de semana.

(Na imagem, o Deus do Trovão, que nunca deu marteladas em blasfemadores)

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