Crentes, Ateus e a Ciência…

Não penso ser lícito dizer que se um cientista é ateu, necessariamente ele fará ciência a partir do pressuposto ateísta. A prática científica é laica e é por isso que ela tende a atrair mais ateus que teístas, ao que me parece.

 

É preciso que, metodologicamente, um neurologista postule a mente como origem física, mesmo que ele não saiba explicar ainda a questão dos QUALE (ou seja, como se dá a experiência dita consciente qualitativa a partir das sinapses neuronais). Sendo ele ateu ou teísta, metodologicamente, ele não poderá partir de outra hipótese. O teísta tentará, por sua vez, refutá-la. O ateísta tentará, por sua vez, confirmá-la e oferecer meios pelos quais falseá-la. Mas nenhum poderá afirmar uma coisa ou outra, embora não haja razão alguma (que não seja um salto de fé anticientífico), para afirmar categoricamente algo sem que o método científico seja cumprido.

 

A idéia de Chalmers de considerar a mente humana como uma característica fundamental do mundo, como massa, carga eletromagnética ou o binômio espaço-tempo apenas desvia o problema. Embora não seja uma má idéia em si e possamos com ela descobrir muitas coisas, ainda o necessário e derradeiro enfrentamento sobre a origem da mente ficará escamoteada, dando chance a todo tipo de especulação. Portanto o posicionamento de Dennet, parece-me, é muito mais virtuoso epistemicamente.

 

Há muito resquício ideológico de uma ciência totalizante que se valia da descoberta de leis fixas e imutáveis que regeriam o Universo observável em seus mais recônditos segredos. É esse resquício que faz com que os criacionistas lancem dúvidas sobre as questões teóricas científicas alegando que não seriam “Leis” e sim “meras” teorias. Leis são enunciados de uma determinada classe de fatos observáveis, ao passo que uma Teoria estrutura e relaciona Leis fornecendo um sistema de descrição ou mecanismo que explica a ocorrência de um fato. Confundir esses conceitos com intuito obscurantista é expediente recorrente dos criacionistas.

 

(Para saber mais:

http://evolucionismo.org/profiles/blogs/teoria-evolucao-fato-e e

http://evolucionismo.org/profiles/blogs/teoria-evolucao-fato-e-1)

 

A ciência começa e sempre começará a partir do reconhecimento da ignorância. É isso o que difere, substancialmente, a postura criacionista da científica. O religioso sempre começará com uma certeza a ser confirmada, ao passo que o cientista sempre começará com uma dúvida a ser refutada. Sobretudo os que assumem o pensamento evolucionário legítimo, simplesmente suspendem o juízo quanto ao “por que” ou quanto ao “de onde” teriam surgido as coisas; assumindo uma ignorância intimamente ligada a atual impossibilidade de dizer algo sem oferecer testes refutativos ao que for dito.

 

É possível concordar, porém, que muitos pensadores (não os cientistas em geral), partem de uma petição de princípio ateísta. E, particularmente, posso até concordar com alguns protestos religiosos que alegam que o mesmo direito que os ateístas teriam de partir de uma petição de princípio para postular algo, os teístas também têm. Só que isso é um erro básico, meio como algum assassino reivindicando o direito de matar porque outro também mata. Se a ciência busca a virtude epistêmica de uma heurística de suspensão de juízo a partir do que não sabe e quer descobrir (e com isso pretende para chegar às causas, se elas existirem) dentro dos processos a que tem acesso, verificar um grupo de pensadores que se recusa a fazer isso não nos autoriza a fazer o mesmo.

 

A confusão pode estar no ponto em que aqueles que fazem petição de princípio ao ateísmo se valerem do conhecimento científico como argumento de suas posições anti-religiosas. É preciso que fiquemos alertas a isso, pois vendo isso os criacionistas generalizam e tacham a ciência como ateísta. O caminho a meu ver seria outro. O caminho epistemicamente virtuoso, e que precisamos fornecer e orientar a turba crente, seria que eles demonstrassem cientificamente que suas idéias são válidas. Ao contrário, eles partem para uma cruzada patética, misturando os que usam a ciência para o ateísmo com a própria ciência, achando que têm direito de cometer o mesmo equívoco já que não conseguem (ou não querem?) usar o método científico para valer suas opiniões.

 

Cientista sério (crente ou ateu) não especula sobre Deus no exercício de sua atividade. Se ele o fizer, seja para negar ou afirmar, estará exprimindo sua opinião, sabendo que não está falando cientificamente, mas especulativamente, por mais motivos que ele tenha para afirmar o que diz. Não existe nenhum paper científico publicado em veículo indexado que postule a inexistência de Deus. O máximo que encontramos são postulações plausíveis de que, até então, não foi possível buscar medidas refutativas que nos dessem respaldo para afirmarmos categoricamente a necessidade de uma intervenção sobrenatural nos processos naturais. Até porque, historicamente, muito do que foi tomado como sobrenatural se revelou natural quando se pesquisou mais a fundo. É, portanto, uma extrapolação lógica.

 

 

O que os crentes em geral precisam entender e, a meu ver, nós secularistas também, é:

1 – A Ciência não é ateísmo;

2 – A Ciência nunca comprovou ou ofereceu falseabilidade para corroborar o ateísmo;

3 – A Ciência não postula existência ou inexistência de coisas que ela não pode corroborar com fenômenos observáveis;

4 – Por fim, a Ciência é laica.

 

Enquanto os crentes não entenderem isso (e nós não deixarmos bem claro para eles) continuará havendo uma cruzada contra a Ciência, deturpação do método e reivindicações de direitos na ridícula idéia “se tem alguém que erra também podemos errar, logo, o criacionismo também é ciência”. Isso é patético. Mas assistimos impassíveis essas sandices vendo cada vez mais o criacionismo se infiltrando apesar de Dover.

 

Por que não definem contra o que querem lutar? Contra a ciência ou contra o ateísmo? E, na verdade, como esperar alguma definição se, fenomenologicamente, religiosos adoram o obscurantismo para se expressar para passarem de certos? Se a guerra for contra o ateísmo, podem continuar ignorantes como são, deturpando, enganando, dissimulando e inventando as mais toscas analogias e histórias fantasiosas, pois no frigir dos ovos ateu nenhum no mundo conseguirá comprovar ou corroborar uma negação de existência. E sabemos que é impossível. São posições cosmovisionárias, ideológicas e pessoais. Que fiquem no terreno em que são legítimas.

 

Ciência é um estatuto social, coletivo. Ela só pode postular algo que todos, dentro de uma simbólica vigente, possam chegar se cumprirem um determinado método. Fé, sentimentos, sensações, percepções subjetivas, esperanças e conforto emocional jamais farão parte do escopo da ciência natural (que estuda regularidades observáveis).

 

Esses elementos sempre farão parte do que já foi chamado de Ciências do Espírito, pelo seu conteúdo histórico, contextual e contingente, cujo desenvolvimento conta com o entrelaçamento íntimo do próprio pesquisador. E mesmo assim, a crença ou não crença serão tratados como fenômenos históricos e/ou antropológicos, jamais como fenômenos causais necessários ou suficientes para explicar uma realidade fora da história.

 

Bem, achei que poderia ser interessante compartilhar com vocês essas reflexões… Por favor, comentem…

 

Gilberto Miranda Junior

Filosofando na Penumbra

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