Criado Conselho LGBT da LiHS

No dia 31 de março de 2012, através de uma videoconferência, da qual participaram Eli Vieira e Asa Heuser, presidente e vice-presidente da LiHS, respectivamente, bem como Luiz Henrique Colleto, Marcos Oliveira e Sergio Viula, foi constituído um Conselho LGBT como parte integrante do organograma da Liga. A finalidade é promover reflexões, divulgar informações e empreender ações que fortaleçam a laicidade do Estado e os direitos humanos contemplando a diversidade sexual e identidades de gênero, no caso.


Uma das ações que decidimos colocar imediatamente em prática foi a de publicar neste blog de notas, periodicamente, notas sobre assuntos relacionados à população LGBT e/ou às ações do Conselho. Os textos serão escritos pelos membros do próprio Conselho em sistema de revezamento. O objetivo é manter a comunidade de membros e simpatizantes da LiHS informados, bem como provocar reflexões construtivas para a expansão do secularismo humanista.


Para esse primeiro post, vamos focar sobre os conceitos norteadores da LiHS, também ilustrados no logotipo da mesma, porém com ênfase na temática LGBT. O objetivo é ampliar a noção de que, conquanto a LiHS não seja uma organização LGBT, suas concepções e posturas se coadunam com esta luta e com outras que a sociedade civil vem travando em busca de igualdade, tais como o movimento feminista, o movimento contra o racismo, os direitos da criança e do adolescente, etc.


De que maneira isso se dá, então?


1. A LiHS é humanista

O humanismo nasce de posições filosóficas, especialmente o estoicismo e o epicurismo, que buscavam nos próprios seres humanos – e não em deuses – as soluções para os problemas da humanidade.
Nesse sentido, o humanismo abraçado pela LiHS insere a organização naturalmente no embate que vemos hoje em torno dos direitos humanos, dos quais os cidadãos LGBT também são destinatários. A perseguição por parte de setores evangélicos e católicos, bem como de conservadores (não necessariamente vinculados a igrejas ou religiões) que levantam a bandeira da falsa moralidade contra os direitos civis aplicados ao cidadão LGBT, como o casamento igualitário com todos os direitos implícitos, é fruto do obscurantismo herdeiro da Idade das Trevas – época em que a igreja, utilizando-se do poder político, conseguiu manter os humanistas sob controle através do exílio, da tortura e da execução.
Foi durante o Renascimento (entre os séculos XIV e XVII) que o uso da razão desvinculada do dogma começou a prevalecer. E é incrível a semelhança que nosso tempo ainda mantém com aquele período histórico, uma vez que as artes e a filosofia continuam sendo grandes aliadas na promoção da liberdade humana. Todavia, de vez em quando, vemos algum pregador do ódio satanizando a cultura, porque esta questiona – mesmo quando não pretende questionar, apenas pela liberdade que lhe é intrínseca – a segregação e a discriminação que o fundamentalismo e o conservadorismo procuram perpetuar.
Felizmente, com o ‘Livre Pensamento’ no século XVIII, a ciência re-naturalizou o homem e o mundo no qual ele está inserido, apresentando o humanismo como alternativa às tradicionais perspectivas baseadas na fé.
O “Humanismo Secular” que caracteriza a LiHS nasce dessa mesma rejeição ao sobrenaturalismo, e descreve uma postura de vida que não se baseia na crença em uma divindade ou em qualquer espécie de transcendentalismo pós-mundano. A criação de um Conselho LGBT pela LiHS só reafirma as posturas humanistas que ela já vinha mantendo desde seu início. É a reafirmação de que os afetos, a ética, e a conduta social e legal no que diz respeito à diversidade sexual não pertencem ao domínio da religião que lida com o sobrenatural, o místico e transcendente, mas ao mundo da vida, sob a perspectiva da realização do potencial humano para a liberdade, para a felicidade, e para o desenvolvimento de uma sociedade igualitária e justa.
2. A LiHS é secularista
O conceito de secularismo (ou secularidade) surge como reação às ideias teocráticas. Pode ser literalmente compreendido como ‘as coisas desse mundo’ – o que denota os binômios religiosos de profano e sagrado, mundano e celestial que têm povoado a mentalidade ocidental. Governo secular é, portanto, o governo desse mundo executado por leigos, não por clérigos ou ungidos de Deus. Pode ser visto como o contrário de teocracia.
O secularismo não é necessariamente inimigo da religião. Pelo contrário: em última análise, a liberdade religiosa depende do secularismo. É simples entender por quê.
Quando uma religião majoritária impõe seu poder sobre as outras usando o aparato do Estado, todas as demais caem na clandestinidade ou enfrentam sérias sanções. Todavia, se o Estado é norteado por princípios secularistas, os religiosos de vários matizes não têm o que temer quanto à liberdade de crer e de agir conforme essa crença, a menos que isso implique ameaça às liberdades civis e aos direitos fundamentais dos demais.
Por isso, ao mesmo tempo em que o secularismo protege o Estado de fundamentalismos, protege o direito dos indivíduos quanto à crença ou não crença religiosa.
Ao que parece, na Europa o secularismo é visto como um movimento em direção à modernização, longe dos valores religiosos tradicionais – processo chamado de ‘secularização’. O foco parece recair mais em manter o Estado livre da influência da religião.
Já nos EUA, o caso parece ser diferente. O modo como o secularismo é vivenciado lá parece mais proteger a religião da interferência estatal do que o contrário, e esse parece ser o modelo que alguns segmentos sociais e políticos estão procurando promover aqui no Brasil. Isso é terrível, porque usa o aparato do Estado para proteger seus próprios sabotadores, deixando grupos minoritários sujeitos ao vilipêndio por parte dos dominantes, que recorrem ao pretexto da liberdade religiosa para acusar o Estado de violar essa liberdade sempre que o poder público procura proteger os socialmente vulneráveis.
Vemos um exemplo disso na questão do ensino religioso confessional nas escolas públicas. O Estado não pode taxar as igrejas, sob o pretexto de separação entre as esferas estatal e religiosa, mas os parlamentares eleitos por essas mesmas igrejas criam leis para que nossos impostos, recolhidos pelo Estado para fins seculares, financiem um programa que é literalmente proselitista.
As posturas e ações inclusivas da LiHS promovem o fortalecimento do Estado laico contra a ambição teocrática de segmentos que só usam a democracia para forçar o retorno a uma ditadura – a deles.
3. A LiHS é laica
Laicismo ou Laicidade são termos derivados da expressão grega clássica “laos” (adj. “laikos”), que designava povo em sentido lato, tão abrangente e tão universal quanto possível – o povo todo, toda gente, sem exceção.
Vale lembrar que a palavra “ethos” (adj. “ethnikos”) também significava povo, mas em sentido identitário, comunitarista, de onde vem a palavra portuguesa etnia.
Laicismo é, portanto, um princípio, uma ideologia humanista que, ao valorizar as dimensões mais universais do ser humano, entendido em sua individualidade plural, tem um sentido contrário ao etnicismo, sejam regionalismos, nacionalismos, etc. A laicidade, por sua vez, se refere aos diferentes modos concretos de levar esse princípio à prática.
Um Estado laico, por definição, deve buscar garantir as condições para a construção de uma sociedade em que nenhum grupo social de aspiração dominante possa se impor autoritária e totalitariamente aos demais elementos que a integram. Um Estado laico é aquele que garante a todos os indivíduos, sem exceção, uma convivência isenta de constrangimentos autoritários de tipo identitário. Isso significa: uma sociedade livre, aberta e inclusiva.
Notemos que é justamente contra esse Estado laico que segmentos fundamentalistas e conservadores de aspiração dominante têm se arvorado. Esses inimigos da igualdade na diversidade estão enfraquecendo o caráter laico do Estado e colocando em perigo a própria paz social.
Vale lembrar que esses mesmos sabotadores do Estado laico que perseguem a população LGBT são os que se opõem à eutanásia (mesmo quando solicitada pelo paciente terminal), protegem práticas hediondas de mutilação sexual ritual em crianças, demonizam o aborto (inclusive de fetos acéfalos), embargam e até criminalizam pesquisas com células-tronco que podem salvar vidas, mas não admitem criminalizar a homofobia que mata um homossexual a cada dois dias no Brasil.
Além do que eles impedem, existem aquelas práticas que eles desejam impor. Por exemplo, a imposição de ensino religioso confessional nas escolas públicas, a colocação ou manutenção de símbolos religiosos em ambientes do poder público, financiamento de eventos de ordem religiosa com impostos da sociedade civil, etc.
Quando a LiHS se coloca contra esse tipo de vilipêndio da dignidade humana e das liberdades civis, bem como do mau uso do aparato do Estado, ela está praticando laicidade, ou seja, agindo de acordo com o laicismo. É por isso que, mesmo representando ateus e agnósticos, a LiHS pode defender o direito dos umbandistas contra a perversidade dos fundamentalistas evangélicos que os perseguem sem comprometer seus conteúdos valorativos. Pelo contrário, reafirmando-os.
E é assim que o recém-formado Conselho LGBT da Liga Humanista e Secular do Brasil insere-se no leque de objetivos humanistas, secularistas e laicos da mesma, e pode contribuir para o fortalecimento de uma sociedade plural, bem integrada, produtiva e pacífica – não é preciso muito mais para a realização da felicidade humana. Nada disso, porém, terá êxito sem a cooperação e apoio de todos os que participam dessa comunidade de livres pensadores.
Sergio Viula
Presidente do Conselho LGBT da LiHS

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