Estaria a boa moral ligada a Deus?

Autor: Jeronimo Freitas 09/05/2011

 

Enquanto seus pais rezam pedindo a Deus para que as poupe da morte, dezenas de milhões de crianças, menores de cinco anos morrem agonizantes, todos os anos, devido à fome ou à doenças infecciosas ligadas à extrema pobreza. O fato de essas preces nunca serem respondidas, leva a maioria dos cristãos a achar que isso faz parte do plano divino de Deus. Em minha opinião, um deus que permita que isso aconteça, ficando calado sem dar uma justificativa aos suplícios de seus filhos, só pode ser impotente ou mau. Mas o pior disso tudo é saber que, para inúmeros cristãos, a maior parte dessas crianças e pais sofredores, irá passar, ao morrer, a eternidade no inferno, pelo fato de cultuarem o deus errado. Pensem bem nisso!

 

Sem terem culpa alguma, essas crianças nasceram no “país errado”, onde lhes foi ensinada a “crença errada” e por isso elas perderam a oportunidade de ter ouvido a revelação do Deus da Aliança Cristã. Existem um bilhão e duzentos milhões de pessoas na Índia dos quais a grande maioria são hindus ou politeístas. Para a crença cristã, não importa o quão boas sejam essas pessoas, elas estão erradas e por isso irão ao inferno quando morrerem. Se elas estão rezando para o deus macaco Hanuman, elas estão equivocadas. Mas se nós analisarmos direito o que ocasionou isso, vemos que foi Deus quem criou o isolamento geográfico e cultural que separa os hindus das outras crenças, ao promover sua revelação numa região distante, numa língua diferente e numa época onde a troca de informações e o intercâmbio cultural era muito precário. Deus isolou os hindus da revelação  e depois os puniu por isso, mandando-os passar uma eternidade de tortura no inferno! Imaginem quantos bilhões de almas queimaram no inferno, segundo a ótica cristã, nesses dois mil anos de cristianismo, por desconhecerem a revelação de Deus.

 

Em contra partida, um serial killer, que tenha vivido num país cristão e passado seu tempo matando e estuprando, necessita apenas aceitar Jesus, renascendo para Cristo, que terá garantida a eternidade no paraíso. Pra mim, essa visão da vida, não tem nada a ver com responsabilidade moral. Notem a dupla linguagem que têm essas pessoas para exonerar Deus dessa responsabilidade. Elas dizem que Deus é a bondade, é eterno e onisciente. Quando acontece algo de bom na vida desses cristãos eles logo falam de como deus é bom e justo, mas quando dezenas de milhões de crianças inocentes morrem sofrendo nos braços de seus pais, eles dizem que Deus é misterioso. É através desse dualismo que grande parte dos cristãos norteia a sua moral. O tipo de gente que pensa dessa forma possui, no mais das vezes, uma moral, no mínimo, ingenuamente repreensível. Essa é a personificação do narcisismo: “Deus me ama”, “Deus quer que eu seja feliz”.  “Ele curou minha doença”, “Ele me deixa tão feliz, quando eu canto na igreja”.  Mas eu pergunto. E quanto a tudo que vai errado? Se pararmos pra olhar a enorme quantidade de sofrimento e injustiças que abatem crianças indefesas, nesse exato instante pelo mundo afora, logo vemos que esse tipo de fé chega a ser obsceno. Ele é um atentado ao pensamento racional e honesto e um desprezo ao sofrimento dos outros seres humanos.

 

De acordo com a visão cristã, Deus não deve se submeter a nenhuma moral. O que quer que ele diga é certo. Se Deus mandar fazer algo, aquilo passa a ser a coisa certa a ser feita. Isso, no meu ver, é uma visão psicótica e delirante. É psicótica, pois quer te fazer crer que nós vivemos num mundo controlado por um senhor invisível. Se Deus é bom e justo e quer nos guiar através de um livro, por que ele nos ditou um livro que apóia a escravidão? Porque ele nos deu um livro que nos incita a assassinar pessoas por causa de crimes imaginários?

 

Vejamos os mulçumanos que estão, nesse momento, se explodindo e achando que são soldados de Deus. Não há nada nisso que um cristão possa criticar, do ponto de vista moral, a não ser o fato de que, para os cristãos, os mulçumanos seguem o deus errado. Pois se nos basearmos na lógica irracional cristã, vemos que os mulçumanos apenas estão seguindo o que o deus deles, Alá, ditou e que encontra-se escrito no Corão. Pela moral cristã, se os mulçumanos estivessem seguindo o deus correto, tudo o que eles fizessem, de acordo com os textos sagrados, seria perfeitamente correto. Eu não quero dizer que todos os cristãos são psicopatas assim. O que eu quero mostrar é o horror da moral religiosa. Só ela pode impelir pessoas perfeitamente sãs e bem-intencionadas a acreditarem aos milhões em coisas que apenas lunáticos acreditariam individualmente. Se você acordar amanhã cedo, acreditando verdadeiramente que após dizer algumas palavras em latim para a sua torrada, ela vai se transformar no corpo de Michael Jackson, você será considerado um louco. Mas se você pensar que as mesmas palavras são capazes de transformar uma bolachinha no corpo de Jesus, você será apenas considerado um católico. A maneira de amar deus é muito estranha. Ela condiciona a salvação a amá-lo sem ter provas de sua existência. Se você vivesse no século I, ok. Naquela época havia muitas provas, Deus vivia fazendo milagres mas, ao que parece, cansou e agora o que restou foram apenas os relatos de seus feitos.

 

A Bíblia foi escrita por pessoas que costumavam sacrificar e enterrar seus filhos nas fundações das edificações que construíam, para protegê-las de serem destruídas pela fúria de um deus invisível. O cristianismo é baseado numa moral que celebra o sacrifício humano. Diferentemente dos povos daquela época, hoje podemos comparar o que está escrito na Bíblia com o conhecimento que temos adquirido ao longo dos séculos, sobre a natureza e o cosmos. A pergunta que as pessoas deveriam se fazer é se elas querem viver suas vidas seguindo a moral do século XXX antes de A.C., ou seja, o Velho Testamento, a moral vigente entre os séculos III a VII D.C., ou a do Novo Testamento, ou a moral vigente nas sociedades seculares atuais, onde as decisões são tomadas através da discussões apoiadas por fatos e oficializadas por votação democrática?

 

O discurso dos religiosos e teístas é que não há moral sem Deus. Se Deus não existisse não haveria razão para sermos bons. Então eu pergunto: Crer em Deus te faz ser uma pessoa melhor? Se sim, por quê? Se de repente ficasse provado, de maneira irrefutável, que Deus não existe, você se tornaria uma pessoa “menos boa”? Se não, então não é necessariamente a crença em Deus que te faz melhor. Faz sentido? Entretanto, se o desaparecimento de Deus te desviar do caminho da retidão, essa será uma constatação um tanto quanto perigosa. Seria como se você não roubasse o jornal na banca de revistas, apenas por medo de ser pego. Se a ausência de Deus te faz uma pessoa assim, você não precisa de deus e sim da polícia para ser “bom”.

Pode-se dizer que o principio básico de todas as religiões é a regra áurea: Não faças aos outros aquilo que não queiras que façam a ti. Por quê? Porque está escrito na Bíblia? Não creio. Esse tipo de comportamento é anterior à escrita. Simplesmente, as pessoas não querem correr perigo de vida. Essa regra é muito mais antiga que o cristianismo. Se o sistema desanda para uma anarquia inconseqüente a violência generaliza-se e põe a vida das pessoas em risco. Baseando-se apenas nessa lei, a regra de ouro, “não faças aos outros aquilo que não queiras que façam a ti”, o sistema se auto-regula e a sociedade torna-se sustentável. O problema é que as pessoas não funcionam sempre de maneira lógica. E sempre que um fator, por mais insignificante que seja, desequilibra o equilíbrio de forças, privilegiando uns em detrimento de outros e criando assim os mais fortes e os mais fracos, observa-se que um determinado número de indivíduos abandona a regra de ouro passando a dominar os mais fracos através do uso da força.

 

Não estou necessariamente afirmando que o ateísmo aumenta a moralidade, embora o humanismo — o sistema ético que freqüentemente acompanha o ateísmo — provavelmente o faça. Outra boa possibilidade é que o ateísmo esteja correlacionado com algum terceiro fator, como um nível maior de instrução, inteligência ou ponderação, que pode contrabalançar impulsos criminosos. As evidências existentes retiradas de pesquisas certamente não sustentam a idéia comum de que a religiosidade está diretamente relacionada à moralidade. Evidências correlacionais nunca são conclusivas, mas os dados seguintes, descritos por Sam Harris em seu Carta a uma nação cristã, são de qualquer forma impressionantes.

 

“Embora a filiação partidária nos Estados Unidos não seja um indicador perfeito da religiosidade, não é segredo que os “estados vermelhos [republicanos]” são vermelhos principalmente devido à enorme influência política dos cristãos conservadores. Se houvesse uma forte correlação entre o conservadorismo cristão e a saúde da sociedade, era de esperar que víssemos algum sinal dela nos estados vermelhos. Não vemos. Das 55 cidades com as taxas mais baixas de crimes violentos, 62% estão nos estados “azuis” [democratas] e 38% estão nos estados “vermelhos” [republicanos]. Das 25 cidades mais perigosas, 76% ficam nos estados vermelhos, e 24% nos estados azuis. Aliás, três das cinco cidades mais perigosas dos Estados Unidos ficam no devoto estado do Texas. Os doze estados com taxas mais elevadas de arrombamentos são vermelhos. Vinte e quatro dos 29 estados com as mais elevadas taxas de assalto são vermelhos. Dos 22 estados com as maiores taxas de assassinato, dezessete são vermelhos.” Sam Harris[1]

 

Como bem disse Scott Hurst[2]: Se todos os ateus deixassem os EUA, o país iria perder 93% da Academia Nacional de Ciência e menos de 1% da população carcerária.”

 

Esses dados, claro, não significam que alguém ateu é necessariamente bom e que alguém cristão é necessariamente ruim. Existem pessoas boas e ruins em ambos os lados. Eles apenas evidenciam que nós não precisamos de Deus para ser bons. Uma recente pesquisa até mostrou que a religião tende a desaparecer em 9 países[3] que contam com os melhores índices de desenvolvimento humano. Ou seja, países que, entre outras características, contam com altos níveis educacionais e baixos índices de violência.

 

Esse texto foi baseado num debate[4] entre Sam Harris e William L. Craig[5] e num trecho do livro Deus um Delírio[6] de Richard Dawkins[7].

 

 

 

 

 

 

[1] Sam Harris é um jornalista e neuro-cientista americano que escreveu vários livros sobre a moral e o ateísmo. http://www.samharris.org/

 

[2] Scott Hurst é um conhecido ateísta americano. http://www.thinkatheist.com/profile/ScottHurst

 

[3] Austrália, Áustria, Canadá, República Checa, Finlândia, Irlanda, Holanda, Nova Zelândia e Suíça.: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/03/110322_religioes_extincao_bg.shtml

 

[4] Sam Harris vs William Lane Craig – Debate: Does Good Come From God – 7 April 2011

http://www.youtube.com/watch?v=ljXCHgPaZO4&feature=related

 

[5] William L. Craig  http://fr.wikipedia.org/wiki/William_Lane_Craig

 

[6] Deus um Delírio: http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?sid=81243023713510269966301546&nitem=9018277

 

[7] Richard Dawkins: http://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Dawkins

 

 

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