Imagem eurocêntrica, mídia e representação do negro nas telenovelas brasileiras

É preciso compreender as construções dos estereótipos modernos para além do senso comum habitual, onde não há a emersão da problemática inicial. Há a necessidade de entender os fundamentos do eurocentrismo como alguns dos pilares justificadores dos abusos colonialistas europeus. Tais abusos, que contribuíram para a solidificação dos discursos em torno da imagem do negro e negra, se pautam na negação do outro, pela diferença, como justificativa para a auto-afirmação da superioridade européia.

Dessa forma, temos alguns discursos que conceituam o racismo como prática possível, partindo do pressuposto da necessidade de civilização de povos não brancos, sem cultura e desprovidos de inteligência. Essa prática parte do princípio exatamente contrário de superioridade dos povos europeus.

Nas várias definições para racismo, a que melhor se relaciona com o tema desse trabalho, está em: o racismo constitui um sistema hierárquico complexo, um conjunto estruturado de práticas e discursos sociais e institucionais…

A sedimentação de conceitos, fundamentais para a formação de pré-conceitos, em um contexto de longa duração, se dá com a gradativa repetição de situações em que o homem e a mulher negra são representados sempre em condições de desvantagens com relação aos brancos. A subalternidade está presente na grande maioria das peças publicitárias e telenovelas brasileiras, onde com raras exceções, os afro-descendentes conseguem romper as barreiras de submissão que lhes são impostas através do velado racismo brasileiro (muitas vezes nem tão velado assim).

A idéia de super dotação física, sensualidade, inerentes aos africanos e afro-descendentes vem sempre acompanhada com a construção imagética de sua bestialidade e incapacidade mental. A construção desses esteriótipos tem por principio os discursos fundadores como os iniciados a partir da Vênus de Hotentote, que colocam todas as mulheres negras com os mesmos atributos físicos.

No filme A Negação do Brasil, a representação do negro e negra nas telenovelas mostradas, além de apresentar alguns exemplos clássicos, como os que demonstram a sensualidade e a beleza da mulata, apresentam e reafirmam mais casos de subalternidade e bestialidade. A estratégias discursivas, segundo Borges, veiculadas através dos meios de comunicação, podem contribuir para a superação desses estereótipos tão enraizados nas práticas dos produtores de peças publicitárias e de telenovelas.

Se faz necessário apresentar os afro-descendentes, que são 50% da população brasileira, de forma a valorizar a diferença e as contribuições dessa etnia, de forma a diminuir paulatinamente a rotulação feita pelos meios de comunicação, que ainda obedecem à significação racista, imposta pelos valores advindos do eurocentrismo. Porém, a mídia perpetua a repetição dos padrões “exigidos” para atingir a maioria do público.

Assim, os modelos e estilos de vida a serem seguidos são apresentados à população como possíveis de se atingir. O ideal de vida que jamais vai ser alcançado, mas que é escancarado como objetivo a ser atingido.

As novelas brasileiras, em especial as da rede globo, contribuem para a perpetuação da condição de subalternidade dos afro-descendentes brasileiros.  No documentário fica claro a influência eurocêntrica na construção da imagens cânones dos afro-brasileiros. São sempre representados por empregadas domésticas, jagunços, mulatas “gostosonas”, bons de samba e capoeira, bandidos, submissos, favelados, mães pretas, moleques e etc. Com essas representações, segundo Sodré, constrói-se as imagens desejadas e consequentemente a decisão sobre quem pode frequentar determinados lugares e possuir determinados objetos, e, segundo Borges, “instalam linhas divisórias que constituem o estatuto do Outro, o fora de padrão”. Ou ainda, as prisões de imagens, segundo Alice Walker.

A necessidade de desconstrução desse pernicioso sistema de representação é premente e passa obrigatoriamente pela revisão de alguns conceitos por parte dos meios de comunicação. Há algumas iniciativas nesse sentido, mas é publico o saber de que ainda estamos muito aquém do ideal. Iniciativas isoladas podem ser exemplificadas, mas ainda constituem um esforço solitário.

As telenovelas brasileiras, pela grande visibilidade que tem, poderiam dar uma contribuição maior nesse sentido. Mas percebe-se que ainda estamos longe de ver o afro-descendente ser representado de forma igualitária nas telenovelas. Em doses homeopáticas, os meios de comunicação atribuem ao negro e negra seu verdadeiro papel. Na grande maioria das vezes, a televisão brasileira e especificamente as telenovelas contribuem incisivamente para dicotomia entre a supremacia branca e a inferioridade dos povos afro-descendentes, numa invariável repetição da lógica eurocêntrica. Nesse contexto, ainda há a problemática do sentimento de não pertencimento que os papéis dos negros e negras nas telenovelas, provocam na grande população afro-descendente brasileira.

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