Medicina Complementar: Atual, futuro e filosofia.

– Este texto será publicado na revista XIX PET Farmácia UNESP. É de minha autoria e não deve ser divulgado sem avisar –

Medicina Complementar: Atual, futuro e filosofia.

 

O que leva as pessoas a usarem a medicina alternativa (ou complementar, de acordo com a definição mais contemporânea)?

Antes de responder a qualquer pergunta, precisamos definir a medicina complementar:

“Complementary medicine is diagnosis, treatment and/or prevention which complements mainstream medicine by contributing to a common whole, by satisfying a demand not met by orthodoxy or by diversifying the conceptual frameworks of medicine.” (Ernest. E., et al., British Journal of General Practice, 1995 September; 45(398): 506.)

Diversas pesquisas (ERNEST & WHITE, 2000; EISENBERG et al., 1993; FISHER & WARD, 1994; MACLENNAN et al., 1996) definiram a prevalência e os custos da medicina complementar em várias regiões do mundo. Pode-se notar nestes estudos que há um aumento na procura por estes tratamentos não ortodoxos.

O que motivaria este aumento? Podemos levantar hipóteses.

  1. Queda na qualidade da medicina ortodoxa.
  2. Maior divulgação da medicina complementar.
  3. Aumento do número de pessoas que possuem o perfil que busca terapias alternativas.

Uma pesquisa conduzida por ASTIN (1998) separou a primeira hipótese em outras duas hipóteses: Insatisfação com a medicina tradicional e maior controle sobre o tratamento.

A insatisfação poderia ser oriunda da ineficiência, efeitos colaterais e por ser impessoal e/ou demasiado científico (Uma livre tradução de “… too technologically oriented…”) e/ou muito caro.

Logo, qual seria o motivo? Esta mesma pesquisa levantou dados e encontrou como resposta algo revelador.

A pesquisa revelou que o principal fator que leva as pessoas a buscarem a medicina complementar é o fato de estarem alinhadas às crenças e ideologias pessoais. Estas mesmas pessoas tem maior nível de educação.

Um pensamento direto poderia inferir que pessoas com maior nível de educação procurariam por fatos para confirmar a validade do tratamento complementar que vai usar, visto que muitos carecem de evidências científicas (Como Reiki, por exemplo), ou já obtiveram resultados de que são placebos, como por exemplo, acupuntura (KLEINHENZ et al., 1999;  LEE et al., 2010; SCHARF et al., 2004;  SIM et al., 2011), homeopatia (ALTUNÇ et al., 2007; COOPER & RELTON, 2010; ERNEST, 2002; HALBERSTEIN et al., 2010; LINDE et al., 1997; SHANG et al., 2005) e florais de Bach (HALBERSTEIN et al., 2010).

Entretanto, os resultados demonstrados por ASTIN colocam um possível motivo para esta contradição. Como colocado por diversos filósofos, como Bertrand Russell, quando um pensamento ou uma posição em relação a algo é definido por estar alinhado com a posição filosófica, ideológica e/ou religiosa, há um grande apego, sendo para a pessoa algo indiscutível e imune a fatos contrários, não importando o quão absurdas são as proposições.

Claro que rapidamente poderíamos estender este fato para religião, ainda mais pelo fato de que muitas práticas da medicina complementar são ligadas ou compartilhadas com algumas religiões, mas este é outro ponto.

Logo, sabendo que grande parte das pessoas usa de terapias alternativas por causa de visão filosófica, e que graças à importância pessoal dada a esta filosofia não a questionam, podemos pensar o que explica os estudos que demonstram o aumento na busca por medicina alternativa.

Hipoteticamente, podemos imaginar que devido a ligação filosófica, pessoas que começam a frequentar terapias complementares, não a deixam (Os que deixariam seriam por troca de terapia, terem nascido em uma família adepta e em determinada idade ter notado o não alinhamento filosófico ou morte). Os números teriam naturalmente uma tendência a aumentar. Porém, há uma grande influência pessoal no circulo social, o que fariam uma fração das pessoas começarem a buscar estas terapias.

O efeito da experiência pessoal tem grande efeito influenciador, visto que gera ofensa caso alguém aja com ceticismo em relação a essa experiência, e que gera confiabilidade em pessoas menos céticas. Somando isso ao alinhamento filosófico da terapia propagandeada ao locutor, temos uma pessoa com real possibilidade de começar a usar da medicina alternativa.

Vemos que o poder da propaganda (pessoal e, hoje na mídia) pode ser um dos sistemas que explicam o aumento da busca.

Mas, isto não poderia demonstrar um incentivo em buscar formas alternativas de explicar o universo em detrimento à busca científica da mesma explicação? Um mundo que considera de modo filosófico, a ciência como menos importante que o misticismo, teria que rumo? Um extremo em que o desenvolvimento da “Cold Science” seria menos incentivada; Um meio termo, não menos desesperador, em que a medicina baseada em evidencias seria procurada em ultima ocasião; ou o aumento na busca pela medicina complementar cessaria, havendo um equilíbrio entre ambas as práticas? Ou outra possibilidade?

Uma situação extrema ou intermediária como possível futuro levanta questionamentos como: Tal crescimento é válido e seguro? Tal crescimento é inválido e danoso?

Os futuros profissionais e estudantes tem um futuro incerto pela frente que precisa ser discutido e estudado de modo livre de conflito de interesses.

 

Lucas Ercolin 

 

REFERÊNCIAS

 

ALTUNÇ U., et al., Homeopathy for Childhood and Adolescente Ailments: Systematic Review of Randomized Clinical Trials, Mayo Clinic Proceedings, v. 82, i.1, p. 69-75, 2007 January.

ASTIN J. A., Why Patients Use Alternative Medicine, Journal of the American Medical Association, v. 279, no. 19, 1998 May.

CASTRO A. O Assunto não é você.  http://www.interney.net/blogs/lll/2011/01/23/o_assunto_nao_e_voce/>; acessado em 29 de abril de 2011.

COOPER K. L., RELTON C., Homeopathy of insomnia: A systematic review of research evidence, Sleep Medicine Reviews, v. 14, i. 5, p. 329-337, 2010 October.

EISENBERG D. M., et al., Unconventional Medicine in the United States: Prevalence, costs, and patterns of use, The New England Journal of Medicine, v.328, i.4, p. 246-252, 1993 January.

ERNEST E., A systematic review of systematic reviews of homeopathy, British Journal of Clinical Pharmacology, v. 56, i. 6, p. 577-582, 2002 December.

ERNEST. E., WHITE A., The BBC survey of complementary medicine use in the          UK, Complementary Therapies in Medicine, v.8, i.1,  p. 32-36, 2000 March.

ERNEST. E., et al., Complementary medicine – a definition, British Journal of General Practice, 45(398): 506, 1995 September.

FISHER P., WARD A., Complementary Medicine in Europe, British Medical Journal, v. 309, p. 107-111, 1994 January.

HALBERSTEIN R. A., et al., When Less is Better: A Comparison of Bach® Flower Remedies and Homeopathy, Annals of Epidemiology, p. 20, i.4, p. 298-307, 2010 April.

KLEINHENZ J., et al., Randomised clinical trial comparing the effects of acupuncture and a newly designed placebo needle in rotator cuff tendinitis, PAIN, v. 83, p. 235-241, 1999 May.

LEE S., et al., Acupuncture and heart rate variability: A systematic review, Autonomic Neuroscience: Basic and Clinical, v. 155, p. 5-13, 2010 June.

LINDE K., et al., Are the clinical effects of homoeopathy placebo effects? A meta-analysis of placebo-controlled trials, The Lancet, v. 350, i. 9081, p. 834-843, 1997 September.

MACLENNAN A. H., et al., Prevalence and cost of alternative medicine in Australia, The Lancet, v. 347, i. 9001, Pages 569-573, 1996 March.

RUSSELL R., Ensaios Céticos. Porto Alegre, 2010. 240p.

SCHARF. HP., et al., Acupuncture and Knee Osteoarthritis: A Three-Armed Randomized Trial, Annals of Internal Medicine, Philadelphia, v. 145, no. 1, p. 12-20, 2004 July.

SHANG A., et al., Are the clinical effects of homoeopathy placebo effects? Comparative study of placebo-controlled trials of homoeopathy and allopathy, The Lancet, v. 366, i. 9487, p. 726-732, 2005 August.

SIM H., et al., Acupuncture for Carpal Tunnel Syndrome: A Systematic Review of Randomized Controlled Trials, The Journal of Pain, v. 12, no. 3, p. 307-314, 2011 March.

 

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