Mulheres abalam Médio Oriente – Via Diário Liberdade

Publicado no Diário Liberdade em 17/06/2011

 

Esquerda – [José Lopes] O futuro político dos povos que corajosamente ousaram enfrentar ditaduras politicas, religiosas ou militares, parece ainda muito frágil. Mas o papel das mulheres nas revoluções árabes é a mais marcante e promissora conquista das transformações sociais.

Para além da importante conquista que já representou a luta dos movimentos pró-democracia no Médio Oriente como o derrube do ditador egípcio Hosni Mubarak. O futuro político dos povos que corajosamente ousaram enfrentar ditaduras politicas, religiosas ou militares, parece ainda muito frágil e numa encruzilhada de interesses geoestratégicos das grandes potências. Mas o papel das mulheres nas revoluções árabes é a mais marcante e promissora conquista das transformações sociais, em países com regimes patriarcais e capitalistas da região, que lhes têm negado direitos fundamentais.

“Nas ruas, nas barricadas e online, as mulheres têm estado no centro das revoltas que abalam o Médio Oriente” escreve Kat Banyard (exclusivo The Times) que a Noticias Magazine (12/06/2011) trouxe até aos seus leitores. Um texto com o titulo “Nova ordem no feminino” que fala das lutas femininas no Egipto e da luta pela liberdade, em que «As mulheres são activistas fundamentais nesta revolução. As mulheres criam slogans, as mulheres estão à frente e a defender os manifestantes… Elas não estão à espera de que o Ocidente ou os homens as libertem.»

Sendo uma característica de todos os movimentos pró-democracia que varrem o Médio Oriente, a presença das mulheres e raparigas nas ruas marchando lado a lado com os homens, o que tem levado as feministas da região a afirmarem “que estas revoltas poderão vir a significar uma mudança radical para as mulheres, com a democracia em jogo não apenas nas instituições parlamentares, mas também em casa”. Um movimento de esperança na transformação social em que as mulheres árabes que na Praça Tahrir transportaram cartazes proclamando «Nós somos raparigas da revolução», estão de forma empenhada e militantemente a certificar-se de que estas revoluções políticas são também revoluções pessoais.

Como escreve Kat Banyard, “não foram apenas mulheres da classe média educada que tomaram conta das ruas. Uma página do Facebook intitulada «Mulheres do Egipto» criada para coligir fotos de mulheres rebeldes tomando parte nas revoltas mostra avós, meninas de escola, mulheres que usam o niqab e outras com a cabeça completamente descoberta…” reflecte bem que a participação das mulheres supera as expectativas.

Apesar dos exemplos de luta dados ao mundo pelas «raparigas da revolução», no caso do Egipto em que «as mulheres são obrigadas a usar véu, forçadas a não completar a educação e são espancadas pelos maridos», enfrentam um desafio gigantesco, com o seu país no 125.º lugar dos rankings globais das desigualdades entre os sexos do Fórum Económico Mundial, que classifica os países de acordo com critérios económicos, políticos, de saúde e das disparidades de educação baseadas no sexo. Rankings em que o Iémen é o último da lista, a Islândia está no topo, enquanto o Reino Unido é o 15.º).

As mulheres que dão a cara nas ruas do Cairo, Tunis e Argel estão, como é afirmado no texto, “a tentar estabelecer a sua própria agenda – reivindicam o direito a uma ordem nova”. As organizações de activistas de direitos das mulheres, estão atarefadas na elaboração de uma lista de exigências fulcrais na agenda da democracia pós-Mubarak. A este propósito, Anne-Marie Goetz, conselheira-chefe do Fundo de Desenvolvimento para a Mulher das Nações Unidas, diz «É bem possível que possa haver um salto qualitativo na promoção dos direitos das mulheres. Mas para que isso aconteça, é muito importante que esta oportunidade seja vista sob essa perspectiva». Neste sentido as atenções centram-se no «processo da reforma eleitoral e constitucional que seguem a um levantamento revolucionário democrático» os quais, acrescenta ainda a conselheira, «devem estabelecer disposições especiais para garantir a participação plena das mulheres…».

O tema da mutilação sexual feminina que afecta mais de noventa por cento das mulheres egípcias, é também tratado neste trabalho jornalístico que não podia ficar indiferente ao verdadeiro drama que tem sido silenciado pelo ocidente, mas que a revolta árabe escancarou ao mundo pela voz das próprias principais vítimas de “tradições”, incluindo de cariz religioso, que segundo o Centro Egípcio para os Direitos das Mulheres, «estas são violentadas na família» incluindo «a mutilação genital feminina» que afecta entre noventa a 97 por cento das mulheres. Práticas suportadas pelas próprias autoridades policiais e governamentais.

Uma nova ordem no feminino se impõe e a luta das mulheres no país mais populoso do Mediterrâneo Oriental em que 31 por cento da população têm menos de 15 anos e um quarto tem entre os 18 e os 29 anos, exige que o cinismo do ocidente não volte a esquecer e a silenciar a sua realidade social, tal como o fez nos últimos anos, ainda que este país do vale do Nilo tenha acolhido em 1994 a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, em que foram delineadas estratégias e iniciativas para a promoção da igualdade entre homens e mulheres, que não passaram de boas intenções e por isso deram origem ao exemplar empenho das mulheres ao lado dos homens na ocupação da Praça Tahrir entre 25 de Janeiro e 11 de Fevereiro. Uma luta que derrubou Mubarak e ainda tem muitas barreiras a ultrapassar e muitos direitos a conquistar pela liberdade e pela igualdade.

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