O Dilúvio revisitado
O Dilúvio revisitado.
São tempos de tormentas, a carne reina sobre a alma,
As feridas do pecado, antes ocultas agora são expostas,
A febre da inflamação encobre os olhos da raça superior proposta,
Claridade ante a palavra original está claramente oposta,
Mas não passarão em vão, o julgamento é processado em nuvens de calma.
Sonharia o homem deturpar régua e compasso do grande arquiteto?
Não foi o manual de uso do mundo recém-criado justo? Reto?
Nuvens negras indicam que comportas do céu estarão se abrindo,
Unitariamente, sem precedentes, a falsa moralidade estará ruindo,
Nem a imaginação fértil para transgressões pode antecipar o que está vindo.
O antes refúgio de olhar o céu, agora soa como um alarme,
O antes azul, talvez esperança, é agora negro, concentrado de ira,
Uma breve culpa aos que ousaram em vão corromper a carne,
E fitando a imensidão é notório que tudo que está abaixo, está na mira,
O colorido céu, agora é uma ilustração em apenas uma tira.
Se neste tempo houve algum alquimista, ele certamente descobriu,
Sabendo que a transformação do justo em vago ocorre em sentido unilateral,
Que a reação irreversível era uma premeditação do destino final,
O mal antes livre, agora estava associado e fazia parte ao corpo em que se uniu,
E a irremediável dissolução, só poderia ser feita através do solvente universal.
O que antes era como trombeta, suave, lúcida, agora é canhão,
Uma sinfonia de apenas uma nota, de luz, raio e trovão,
O paralelo não poderia ser mais claro, não trata-se mais de um aviso,
O julgamento é findo, e não cabe recurso, vindo do ser conciso,
O antes indistinguível rabisco no céu é agora claro, com estrofe e refrão.
Mas nem todos são os culpados, de fato que ainda há uma seda de esperança,
O homem que manteve retos os seus 600 anos, agora terá a vida como herança,
A semente novamente será cultivada, através de seus herdeiros,
Um pacto com o juiz, mas não literal, poético, uma devoção, uma aliança,
E estarão cobertos quando a janela se abrir nos momentos derradeiros.
Um segundo de silêncio entre o último trovão e a primeira gota,
Uma oração silenciosa dentro da embarcação, já a deriva, mareando a popa,
O código inteligente está agora gravado numa equação familiar, unitário,
Em pares estão os demais, desde o inseto até o grande mamífero lendário,
A mistura é inimaginável, condensada, até certo ponto louca.
O que está externo à embarcação é exterminado, em quarentena,
Como um vírus, com a diferença de não entender a mente que o condena,
As mãos do arquiteto pesam sobre a criação, com a água que a desintegra,
Inseparável, está a embarcação, com apenas uma janela, alheia a cena,
Aos escolhidos, privados da visão obscena, a promessa que a ação não será regra.
Eis que um entre os escolhidos ousa vislumbrar a mente do projetista,
Lembrando das mãos batendo no casco da embarcação, excluídos da lista,
O grito soa ainda mais alto que os anteriores trovões, incansável,
Pensamentos turvos o guia, a pergunta é sombria, mas prevista,
Não seria no criador a bondade uma medida infatigável?
Talvez fosse neste momento que o homem tenha encontrado a ciência,
A ausência de resposta, o senso de culpa por levar o pensamento adiante,
As causalidades do fato, a implicação moral, agora são um vislumbre distante,
É na falta de sentido que as perguntas entram em forma de recorrência,
Não seria o arrependimento incompatível com a onisciência?
Thiago Tonello – 06/07/2012