O que acontece com a vida das mulheres que tiveram um aborto negado?

** Texto retirado do blog Amazonas e Icamiabas

Aborto é um procedimento médico
amplamente discutido e pouco estudado. Existem alguns estudos de
validade duvidosa que conectam aborto a doenças mentais e uso de drogas.
Os políticos têm usado esses estudos para justificar maiores limitações
para mulheres que pensam em fazer aborto nos Estados Unidos e no Brasil
a questão também é polêmica. Não havia esforço algum para estudar o que
acontece com as mulheres que querem abortar, mas não podem devido às
regras restritivas. Pelo menos até agora. Um novo estudo longitudinal
revela o que acontece com a sua posição econômica, saúde e
relacionamento depois de tentar fazer um aborto e ele ser negado.

Pesquisadores de saúde pública junto com o grupo Advancing New Standards in Public Health (ANSIRH) da
Universidade de São Francisco usaram dados de 956 mulheres que
procuraram uma das 30 clínicas de aborto dos Estados Unidos que fizeram
parte do estudo. 182 dessas mulheres tiveram o aborto negado.
Os pesquisadores, liderados por Diana
Foster Greene, procuraram essas mulheres e fizeram intensas entrevistas
com elas. Algumas conseguiram abortar com facilidade, algumas precisaram
lutar para consegui-los, e outras tiveram o aborto negado porque a
gestação havia passado alguns dias além do limite aceito pelas clínicas
locais. Há duas semanas o grupo de pesquisa apresentou o que elas
aprenderam, depois de quatro dos cinco anos planejados para o seu
estudo, na conferência da Associação de Saúde Pública Americana em São
Francisco.
Eis aqui um resumo do que eles descobriram, retirado de um post que eles fizeram na página do Facebook da pesquisa:

Nós descobrimos que não há
consequências na saúde mental de uma mulher que fez o aborto comparadas
àquelas que mantiveram uma gravidez indesejada até o fim. Existem outras
descobertas interessantes: mesmo um aborto tardio é mais seguro do que
dar à luz. Além disso, mulheres que aguentaram até o fim da gravidez
indesejada são três vezes mais propensas a estarem abaixo da linha da
pobreza dois anos depois, quando comparadas as que fizeram um aborto.

Abaixo, você encontrará a versão mais
longa e complexa da história. Eu conversei com Greene sobre as
descobertas preliminares do grupo.

Pobreza

As mulheres no estudo estavam em
posições econômicas comparáveis entre si no momento que procuraram as
clínicas de aborto. No grupo que teve o aborto negado, 45% estavam
recebendo ajuda do governo e dois terços tinham renda inferior à linha
de pobreza dos Estados Unidos. Um dos maiores motivos que as mulheres
citam para fazer aborto é a falta de dinheiro e, baseado na renda das
que foram rejeitadas, parece que elas estão certas.
Entre a maioria das mulheres que tiveram
abortos rejeitados, 86% estavam vivendo com seus bebês um ano depois.
Apenas 11% tinham colocado os bebês para adoção. Também um ano depois,
elas estavam muito mais propensas a depender de ajuda do governo – 76%
das que tiveram o aborto rejeitado estavam recebendo uma espécie de
seguro desemprego, enquanto só 44% das que conseguiram abortar estavam
na mesma situação. 67% do grupo das que tiveram o aborto negado estavam
abaixo da linha da pobreza (contra 56% das mulheres que fizeram abortos)
e apenas 48% tinham um emprego de período integral (contra 58% das
mulheres que fizeram abortos).
Quando uma mulher não pode receber o
aborto que deseja, ela tem maior probabilidade de acabar desempregada,
dependendo de ajuda do governo e abaixo da linha da pobreza. Outra
conclusão que podemos chegar é que negar aborto às mulheres coloca um
fardo maior para o estado porque estas novas mães aumentam a dependência
em programas de assistência pública.

Violência e uso de drogas

No estudo, os pesquisadores não
encontraram diferenças estatisticamente significativas no uso de drogas
comparando as mulheres que fizeram o aborto e as que não fizeram.
Aparentemente não há uma correlação entre aborto e o aumento no uso de
drogas. Um dado interessante que elas encontraram foi o que mostrou que
usuárias de drogas que não conseguiram fazer abortos eram mais propensas
a doar seus filhos para adoção.
Infelizmente, quando se trata de
violência doméstica, ter um aborto negado faz uma grande diferença.
Mulheres que tiveram o aborto negado eram mais propensas a ficar em um
relacionamento com um parceiro abusivo do que mulheres que fizeram
abortos. Um ano depois de ter o aborto negado, 7% relataram um caso de
violência doméstica nos últimos seis meses. 3% das mulheres que
abortaram relataram violência doméstica no mesmo período. Green
enfatizou que o motivo das mulheres se envolverem em relacionamentos
abusivos não era ter o aborto rejeitado. O aborto simplesmente
permitiria que as mulheres saíssem desse tipo de relacionamento com mais
facilidade. Então é provável que esses números realmente reflitam uma
queda na violência doméstica para mulheres que abortam, no lugar de um
aumento entre as que não conseguiram abortar.
Este padrão de violência também é parte
de um padrão de comportamento mais amplo, que mostra que mulheres que
têm abortos negados são mais propensas a permanecer em um relacionamento
com os pais de seus filhos. Obviamente, isso não é sempre algo bom,
como as estatísticas de violência mostram. Mas mesmo na vasta maioria
dos casos onde não há violência envolvida, Greene notou que estes homens
não estavam morando com as mães de seus filhos.
Os pesquisadores perguntaram às mulheres
sobre morar com seus parceiros e descobriram que os homens não estariam
mais propensos a morar com uma mulher que deu a luz à seu filho, do que
eles estariam a morar com uma mulher que fez um aborto. “O cara não
continua por perto só porque você teve o bebê – essa é a maneira mais
simples de dizer isso,” Green disse.

Emoções

Uma das maiores preocupações sobre o
aborto é que ele causaria problemas emocionais que levariam à depressão
clínica. O estudo abordou a questão sob dois pontos de vista: como as
mulheres que fizeram abortos e as que não fizeram se sentiam; e se elas
desenvolveram depressão clínica. “É importante lembrar que como você se
sente é uma questão separada da questão ‘você tem ou não um problema de
saúde mental’”, Greene disse. Nós iremos entrar na questão das emoções
aqui, e discutir a saúde mental na próxima seção.
Os pesquisadores disseram no encontro da
Associação de Saúde Pública Americana que “uma semana depois do aborto,
97% das mulheres que conseguiram abortar sentiram que o aborto foi a
decisão certa; 65% das que tiveram o aborto recusado ainda desejavam ter
conseguido abortar”. Também uma semana depois do aborto negado, estas
mulheres tinham maior sensação de ansiedade do que as mulheres que
tinham abortado. As mulheres que fizeram abortos, em sua maioria (90%),
disseram se sentir aliviadas, apesar de algumas também se sentirem
tristes e culpadas depois. Todavia, esses sentimentos naturalmente
desapareceram em ambos os grupos. Um ano depois, não havia diferença na
ansiedade ou depressão entre os grupos.
Em outras palavras, o estudo não
encontrou indícios que havia emoções negativas prejudiciais e duradouras
associadas em fazer um aborto. A única diferença emocional entre os
dois grupos um ano depois foi que as mulheres que tiveram o aborto
negado estavam mais estressadas. Elas estavam mais propensas a dizer que
sentiam como se tivessem mais coisas para fazer do que realmente
conseguiam.
Nada disso resultava em depressão
clínica. “Aborto e depressão não parecem diretamente ligados”, disse
Greene. “Apesar disso, nós iremos continuar a acompanhar essas mulheres
por cinco anos. Então podemos encontrar algo mais para frente”.

Saúde física e mental

O estudo examinou a questão da saúde
mental das mulheres a partir de vários pontos de vista e não encontrou
evidências de que o aborto poderia ser ligado ao aumento de distúrbios
mentais. Eles descobriram que o grupo de mulheres que teve o aborto
negado tinha mais riscos de saúde ao dar à luz. Mesmo abortos em
estágios avançados da gravidez eram mais seguros que dar à luz. Os
pesquisadores disseram no encontro da APHA:


Nós descobrimos que
complicações na saúde física são mais comuns e graves depois do parto
(38% passaram por limitações nas atividades, por 10 dias em média)
comparadas com o aborto (24% tiveram limitações nas atividades, por 2.7
dias em média). Não houve nenhuma complicação grave após o aborto; já as
complicações pós-parto incluíram convulsões, fratura na pélvis,
infecção e hemorragia. Nós não encontramos diferenças  em condições
crônicas de saúde depois de uma semana ou um ano depois do aborto.

Se você olhar para todos esses dados
juntos, surge uma nova visão do aborto e como os governos querem lidar
com isso. Para economizar dinheiro em projetos de assistência pública,
deve-se facilitar o acesso ao aborto. Além disso, existem evidências
fortes de que facilitar o aborto irá permitir que as mulheres fiquem
mais saudáveis e com situação financeira melhor. Ao negar aborto às
mulheres, nós arriscamos manter tanto as mulheres quanto seus filhos em
situação de pobreza – e, possivelmente, no caminho da violência
doméstica.

Leia mais sobre esses estudos no resumo da American Public Health Association aqui e aqui.
Este estudo foi custeado totalmente
através de doações. Se você quiser apoiar mais pesquisas sobre a vida de
mulheres que tiveram o aborto negado ao redor do mundo, por favor
considere doar para o Global Turnaway Study no Indie GoGo.

In http://jezebel.uol.com.br/o-que-acontece-com-a-vida-das-mulheres-que-tiveram-um-aborto-negado/

Grupo do Facebook

Já solicitei o ingresso no grupo do Facebook faz dias, mas ainda não fui autorizado. O moderador não deve estar atento aos pedidos.

Abraços.

Tecendo redes ativistas na América Latina: IV Congreso Nacional de Ateísmo, Mar del Plata, Argentina

Por Eli Vieira, diretor de Relações Internacionais da LiHS.
Relato sobre a participação da LiHS – Liga Humanista Secular do Brasil no IV Congreso Nacional de Ateísmo, por Ateos Mar del Plata, na província de Buenos Aires, Argentina.
A primeira coisa que gostei sobre o evento foi que ele foi uma homenagem ao artista recém-falecido León Ferrari, ateu, que eu já conhecia de uma exposição no Museu Iberê Camargo de Porto Alegre.
Representei a LiHS numa mesa redonda para “tecer redes de ativismo latinoamericano” nas questões secularistas e humanistas. Falamos eu em nome da LiHS, Fernando Lozada em nome da organização argentina anfitriã, e Ramón Badillo em nome da Sociedad Atea Chile.
Informei aos presentes sobre o crescimento do evangelicalismo dito neopentecostal no Brasil, sobre o voto de cajado, e como preocupa às minorias de crença, incluindo o ateísmo, a intromissão teocrata no poder público brasileiro. Para dar também uma visão otimista, apontei que também cresceu o número de evangélicos sem denominação, que se comportam de forma similar a muitos “católicos não praticantes”, em minha opinião de forma mais benigna que setores fundamentalistas. Mostrei algumas petições com dezenas de milhares de assinaturas que a LiHS coletou contra projetos teocráticos como a PEC99 de João Campos, e que esta última petição eu nomeei “hermanos en la discordia”, coisa que agradou a seguidores de religiões de matriz africana que assinaram a petição.
Peguei uma nota de peso argentino e disse que eu invejava os argentinos por não terem frase religiosa privilegiando uma crença em detrimentos das outras em seu dinheiro. Contei a história do promotor brasileiro que sofreu ameaça de morte por propor a retirada da frase “Deus seja louvado” das cédulas de real, e que o responsável pela frase estar ali foi José Sarney, numa decisão autoritária sem base em lei alguma.
Dei os números da LiHS e alguns exemplos de ações de sucesso defendidas ou realizadas por nós, e do que está por vir, como nossa participação junto ao STF no julgamento do ensino religioso, que será arguida por nosso advogado Túlio Vianna. Disse também que o lema do evento, “tecendo redes ativistas”, bem poderia ser o lema da LiHS, que define o humanismo como “racionalismo a serviço da compaixão”. A LiHS busca teces redes ativistas em diversos assuntos, como direitos LGBT, feminismo, combate a racismo, conscientização sobre direitos animais, e sobretudo, quando se fala de ateísmo, laicidade e tolerância entre crenças diferentes. Também disse que a LiHS, com base em pesquisa empírica de sua membro emérita Debora Diniz, adotou por assembleia geral a posição de ser contrária ao ensino religioso nas escolas públicas, por estar sendo usado para doutrinação.
A seguir, falou Ramón Badillo sobre a experiência chilena. Ramón informou detalhadamente sobre o crescimento do secularismo no Chile, e dissecou estatísticas sobre sua organização e o estado do ateísmo no Chile. O que mais me impressionou na intervenção de Ramón foi os diversos movimentos sociais aos quais estão conectados: por exemplo, movimentos de nativos indígenas. Eu disse que gostaria que a LiHS imitasse o exemplo chileno e se aproximasse dos movimento indígenas, especialmente no contexto atual, com o genocídio dos Guarani-Kaiowá acontecendo neste momento no Brasil. 
Fernando Lozada falou do ateísmo como identidade e da importância de os ateus conscientizarem-se de que são uma minoria e também por isso devem se comiserar do que passam outras minorias. Defendeu que dentro do livre-pensamento não pode haver espaço para machismo, homofobia, transfobia, racismo e outros preconceitos. O evento organizado por Lozada e os outros membros da Ateos Mar del Plata teve sucesso em seu propósito, pois ali nos sentimos em irmandade não apenas por nossos compromissos com valores epistêmicos e éticos seculares, mas também pelo compartilhamento da cultura latinoamericana – e nós brasileiros precisamos fazer um esforço maior para esta aproximação e enxergar a riqueza que nos cerca no continente!
Minha inveja dos argentinos durou pouco, no entanto: depois, quando fomos celebrar e confraternizar, Athenais Trindade, membro da Ateos e organizadora da Marcha das Vadias (aqui chamada de “Marcha de las Putas”, nome que gostei por congregar movimentos de mulheres prostitutas e não-prostitutas), informou-me que uma província planeja botar a imagem do Papa Francisco numa moeda.
Mafalda nos livre!