O mundo não é um jardim das delícias, mas também não é inferno dantesco

Capa de “O Casamento de Céu e Inferno”, William Blake, 1794.
Muitos poderes vivem majoritariamente do que desperta nossa atenção de formas negativas.
Como diz António Damásio, temos todo um arco-íris de tons cinzentos de emoções negativas. Cada uma dessas dores diferentes é um ponto vulnerável, uma oportunidade para quem luta por nossa atenção, um botão fácil de ser apertado para ligar nossa preocupação com seja lá que produto que querem nos vender, de apólices de seguros a políticas de Estado. Adam Curtis mostra, no documentário “The Power of Nightmares” (“O poder dos pesadelos”), como no começo do século XXI democracias inteiras foram sequestradas para interesses políticos apenas pela alimentação do medo, inclusive com mentiras, por parte de representantes eleitos.
Em contraste, as emoções positivas são um grupo mais uniforme. Damos vários nomes: alegria, júbilo, felicidade, êxtase, mas são todas variações de intensidade e duração de uma mesma coisa. Emoções positivas também podem ser vulnerabilidades para a exploração alheia, mas, imagino, de formas muito mais limitadas que o apelo ao medo, ao nojo, ao ódio, aos ciúmes, à inveja…
A tela da sua televisão, especialmente durante as notícias, é uma lente com uma aberração cromática de desvio para o cinza. É verdade que o mundo não é todo azul nem todo cor-de-rosa, mas é igualmente falso mostrá-lo como totalmente cinzento, um lugar desprovido de beleza, com perigos sempre à espreita e bichos-papões querendo nos consumir.
No mundo intelectual, a visão alarmista do mundo também foi vendida repetidamente, por pensadores tão diversos quanto Platão, Heráclito e John Gray. Curiosamente, Heráclito, por exemplo, poderia ter esta visão pessimista da ordem social pelo simples motivo de ter pertencido à família real de Éfeso, que perdeu poder e prestígio em seu tempo com o advento da democracia grega às custas da aristocracia.
Motivações diversas, tão “nobres” como a de Heráclito, existem no campo intelectual, político e midiático para propagandear a ideia de que tudo está piorando e vivemos numa sociedade em franca decadência, o que certamente causa apreensão manobrável no cidadão comum.
Diante de propagandas tão influentes e tão perenes nos últimos milênios, é preciso coragem para intelectuais como Steven Pinker afirmarem que, na verdade, o mundo tem melhorado nos últimos milênios, quando o assunto é violência. Não apenas coragem, mas dados objetivos e argumentos convincentes, o que Pinker tem, felizmente, em abundância.
À parte a tendência geral do caminhar da história, o fato é que, se todos os dias acontecem coisas que açulam nossos desesperos mais primitivos, nossos medos mais paralisantes, nossos nojos mais convulsivos, também há coisas acontecendo que excitam nossas esperanças mais lacrimosas, nossas alegrias mais sorridentes, nossas satisfações mais inquietas.
Neste sentido, o modo como nos sentimos em relação ao estado atual do mundo, junto aos fatos objetivos de como ele esteve antes e como poderá estar no futuro se certas atitudes forem tomadas, é quase, ouso dizer, uma questão de escolha.
Quem opta por se deixar tomar completamente pelo medo, pela dor e pela derrota, pode estar com um problema de masoquismo. Quem opta por ignorar os problemas do mundo para ser feliz vive no que chamamos de doce ilusão.
A hiena Hardy, do desenho de Hanna e Barbera, dizia “Oh céus, oh vida, oh azar. Isso não vai dar certo”. O doutor Pancrácio, do filme “Candinho” (1954), estrelado por Mazzaropi e baseado em obra de Voltaire, dizia que tudo existe para nosso bem e que este é o melhor de todos os mundos possíveis.
Num mundo com um excesso de hienas Hardy, não penso que a melhor solução seja uma epidemia de doutores Pancrácios, mas simplesmente manter a investigação racional do estado das coisas, não deixar que usem nossas emoções negativas contra nós.
Devemos investigar se os que estão no poder midiático e político estão realmente sendo honestos quanto aos motivos para despertar nossas apreensões, procurar saber se eles mesmos estão dominados por medos e ódios ou apenas tentando instilar emoções manobráveis em nós, e se de fato se comiseram daqueles que sofrem em vez de tentarem parasitar a empatia alheia.
Quanto ao pequeno mas delicioso kit de emoções positivas, usemos para a motivação, não para o comodismo. E não esqueçamos que há, sim, motivos para sorrir neste mundo. Esta, me parece, é a atitude desejável racionalmente diante das nossas emoções sobre o estado das coisas: uma atitude independente, em vez de subserviente, justa e proporcional, em vez de exagerada ou desfocada. Em resumo, uma saúde emocional que se articula com um julgamento baseado em evidências e argumentos.
Aplaudo esta iniciativa da Coca-Cola, documentando flagrantes positivos de câmeras de segurança:
E convido os leitores para assistir à palestra de Marcos Rolim no I Congresso Humanista Secular do Brasil: “Desvio para o Cinza: Violência, Medo e Mídia“.

Eli Vieira
presidente da LiHS

Dia dos Namorados e das Namoradas

 
Santo Antônio anda ocupado. O que tem de gente choramingando atrás do santo, não é brincadeira. E o motivo é o mesmo: arrumar marido. As mulheres são campeãs nisso – a maioria, heterossexual. Deve haver alguma parcela de homens heterossexuais que também fazem suas mandingas com o santo para arrumar mulher, mas são bem mais raros. Acredito que alguns homossexuais também façam suas rezas e simpatias em torno de Toninho, mas não são a maioria, provavelmente. Tem gente que jura que sua receita funciona. 
 
No meu caso, a única simpatia que sempre funcionou foi a minha – a do sorriso, do papo legal, da estratégia. 🙂 Foi assim que comecei a namorar Emanuel cinco anos atrás. Porém, não posso dizer que eu fui o único responsável pelo encontro e desenrolar do namoro. Não. Emanuel também tinha lá sua simpatia nada ‘supersticiosa’ – apenas aquela do sorriso, do jeito agradável de manter uma prosa. Ah, minha gente… perfume! Na medida certa, alguma fragrância é fundamental. E foi o pretexto de sentir o perfume mais perto que desencadeou a aproximação dos corpos e o primeiro ‘cheiro’ no pescoço. Estratégia. 😉
 
Deixando o romance um pouco de lado, decidi escrever esse post no dia dos namorados pensando em algumas coisas.
 
Primeiro, celebrada no domingo passado (3 dias atrás), a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo deve ter promovido muitos encontros. Fico pensando em quantos desses encontros acabaram sendo marcados de novo, telefones compartilhados, um novo relacionamento iniciado. Seria interessante saber, mas talvez seja impossível. Quem sabe um dia o pessoal da Parada faça uma enquete no site oficial e as pessoas comecem a contar suas histórias de amor. 
 
Muita gente reflete pouco e critica muito. Isso também acontece com a Parada do Orgulho LGBT. A maioria das pessoas não percebe o poder da alegria, da afirmação positiva, da celebração do orgulho de ser quem se é. Nem só de discursos e gritos de ordem se faz política. E a Parada do Orgulho LGBT, com sua descontração e quebra de paradigmas, está aí para demonstrar isso. Nada irrita mais os fundamentalistas do que a alegria dos ‘pecadores’. hehehe Mas, nossa alegria não é para eles, nem mesmo para apenas irrita-los. Nossa alegria é pela vida! É alegria de viver, de ser, de gozar o que a vida oferece e conquistar o que ela nega.
 
Eu e Emanuel, por exemplo, quando trocamos alianças no estilo ‘noivado’, fizemos isso durante a Parada do Orgulho LGBT do Rio (Copacabana). Um pequeno grupo de amigos participou do momento, inclusive jantando conosco num restaurante na orla de Copa, pouco antes do final da Parada. Isso aconteceu há quatro anos. Foi um dia muito especial.
 
Temos ainda mais motivos para celebrar, porque há pouco mais de um ano o STF aprovou a isonomia das uniões estáveis, independentemente do sexo dos contratantes. Isso foi uma vitória para a cidadania, especialmente para os LGBT, pois reconheceu igualdade onde a diversidade anteriormente era motivo para a exclusão. Muitos casais homoafetivos, porém, têm enfrentado dificuldades para converter a união civil em casamento civil. Isso precisa ser resolvido urgentemente. Felizmente, alguns casais têm obtido o reconhecimento de seus casamentos, com tudo o que isso significa do ponto de vista legal.
 
Uma das coisas, porém, que mais me irritam quando se fala de casamento igualitário é que tem muita gente – novamente por falar muito e pensar pouco – que acha que casamento igualitário significa que o casal homoafetivo poderá obrigar o pastor ou o padre a casa-los em suas respectivas igrejas. Isso é de uma ignorância ou má-fé injustificáveis. Explico por quê:
 
1. Casamento igualitário é civil, essencialmente jurídico. Nada tem a ver com casamento religioso.
 
2. A igreja católica e muitas de suas filhas protestantes gostam de arrogar a si o direito de casar apenas as pessoas que elas consideram dignas. O Estado ignora isso. O Estado reconhece o direito de todos – o que não significa que essas igrejas farão a mesma coisa, mas isso não faz a mínima diferença juridicamente. O casamento religioso tem a força de um ritual, e ponto. Por isso mesmo, só tem valor para os que acreditam no que aquela comunidade de fé prega, porque o que vale de fato é o casamento civil. Até hoje a igreja católica não faz segundo casamento. Já o Estado reconhece quantos casamentos o indivíduo realizar nos moldes da lei. A mesma coisa vale para os casais homoafetivos. Quando o Estado reconhecer plenamente o casamento homoafetivo, o direito civil estará garantido, mas as cerimônias religiosas continuarão sendo realizadas e acordo com as crenças das agremiações religiosas. Algumas farão, outras não – conforme decisão de cada uma.
 
3. Da mesma maneira que uma sinagoga só casa judeus, a igreja católica só casa católicos, as igrejas evangélicas só casam evangélicos (algumas nem fazem o casamento de um membro da comunidade com um membro do Candomblé, por exemplo), as agremiações religiosas poderão continuar não celebrando cerimônias matrimoniais para casais homoafetivos, a menos que o desejem. Isso não tem nada a ver com casamento civil igualitário. 
 
4. Além disso, já existem terreiros inclusivos, igrejas inclusivas, etc., que celebram todas as sexualidades e fazem cerimônias de casamento, antes mesmo do Estado reconhecer esse direito. Casais homoafetivos já têm celebrado seus casamentos – sem valor legal, exatamente como os de qualquer agremiação religiosa, uma vez que o único casamento que tem valor jurídico é o civil, ou seja, o do cartório. As pessoas podem assinar o contrato de casamento onde for, mas ele tem que proceder de um cartório. Portanto, cerimônia religiosa de matrimônio e casamento civil são duas coisas distintas e que não precisam se misturar.
 
5. Casais homoafetivos que não são religiosos ou que são ateus (como é o meu caso) não dão a mínima para sacramentos, ordenanças e preceitos religiosos. Nem passa pela nossa cabeça ficar diante de um altar e cumprir este ou aquele ritual. A única coisa que nos interessa é o reconhecimento jurídico de uma direito que é nosso como seres humanos. Se não houvesse um templo no mundo, ainda haveria casamento, porque é da natureza do ser humano querer viver em sociedade. O casamento é uma sociedade na qual as relações sexuais desempenham um papel importante, mas não exclusivo. Há muito mais envolvido nisso do que apenas sexo. Aliás, para transar, ninguém precisa casar. 😉
 
Portanto, quando você ouvir alguém dizer “sou a favor da união civil, mas não do casamento igualitário”, lembre-se que essa pessoa nunca pensou nessas coisas ou está simplesmente agindo com má-fé para criar cismas onde não existem conflitos de fato. E se você é uma pessoa sensata que entende tudo isso e até muito mais do que isso, não vai se deixar levar pela intriga da oposição. 
 
Agora, uma coisa é certa: só case quem quiser! Quem não quiser casar, não case! E se quiser montar um harém em casa, monte – seja de machos, de fêmeas ou dos dois. Ninguém tem nada a ver com isso. Além disso, não é de uniformização de costumes que estamos falando, mas de direitos civis. Quem quiser viver de modo totalmente diferente, pode! A única condição é que não se faça nada que viole o direito do outro e que as partes envolvidas sejam legalmente responsáveis por si mesmas e estejam de acordo por livre e espontânea vontade. Se as pessoas não envolvidas concordam ou discordam, só tenho um imperativo para elas: F-dam-se! 😉
 
Abaixo a carolice!
 
Viva o casamento igualitário!
 
Viva o sexo livre!
 
Viva a fidelidade conjugal!


Viva a relação aberta!
 
Viva a monogamia!
 
Viva a poligamia!
 
Viva a heterossexualidade!
 
Viva a homossexualidade!
 
Viva a bissexualidade!
 
E um viva especial para todas as identidades de gênero!
 
Tudo isso é valido. E a base é uma só: Você decide o que faz com seu corpo e com seus afetos. O único limite: Não violar o direito dos outros. 
 
E quem quiser viver no estilo papai, mamãe e prole, que viva. Isso não afeta o meu direito, assim como a minha vivência da afetividade não afeta o deles. Basta que cada um cuide de sua própria vida… isso já elimina um bocado de problemas.


Sergio Viula – post primeiro publica no blog Fora do Armário


 
Presenteie seu namorado ou namorada. Veja como AQUI.

PERSEGUIÇÃO

Caros amigos 

 

Estou escrevendo este texto para contar-lhes um pouco do que está acontecendo comigo depois que assumi o agnosticismo.

Uma pessoa encontrou um depoimento meu e outros textos que escrevi a respeito do assunto num site ateu e foi o suficiente para que se espalhasse rapidamente por toda a cidade onde morei antes de vir para Assis.  Jaguapitã Pr.

Como eu era bem conhecido na cidade, um jornal local publicou uma matéria transcrevendo todo meu depoimento. Na capa há uma grande foto minha com a seguinte manchete: “Depois de destruir igreja presbiteriana, ex-pastor renega a fé”. Como se não bastasse, confeccionaram panfletos com o mesmo conteúdo e espalharam pela cidade, até mesmo no colégio que minha esposa lecionava.

Recebi manifestação de repúdio de pessoas que sempre nutri muito carinho e consideração. É difícil ouvir de pessoas que amamos que preferiam ter tido a notícia de que morremos do que a notícia que viramos ateu. Mais difícil é, quando nos dizem que não querem mais nos ver nem falar conosco.

Agora estou só esperando que este tsunami chegue até Assis, onde moro atualmente. Perderei muitos clientes da minha revista que são extremamente religiosos.

Hoje me senti melhor, pois algumas pessoas que se converteram ao protestantismo através das minhas pregações me ligaram para manifestar apoio e dizer que gostariam de ouvir minha história. Também recebi apoio de um amigo pastor e presidente de um Presbitério do norte do Paraná.   

Como é certo que a notícia chegará a Assis, tomei a decisão de procurar algumas pessoas que me consideram muito e que ainda mantenho um bom relacionamento, para contar sobre minha decisão pelo agnosticismo.  

Está dando certo. Elas estão me surpreendendo com suas reações.

Esta situação humilhante que promoveram contra mim não foi tão ruim assim. Estou me sentindo cada vez mais livre e, consequentemente, mais feliz. Como diz o velho provérbio: “Há males que vêm para o bem”.  

Abraço a todos