Ateísmo, liberdade sexual e outras ‘guloseimas’…

Confira o belo trabalho feito por Felipe Dias. Uma entrevista que ele fez comigo e que me deu prazer de ler, apesar de conhecer o conteúdo melhor do que ninguém. 😉

 Leia abaixo.

LEMBRETE: FELIPE, MEU ENTREVISTADOR, NÃO É ATEU. NO ENTANTO, REPRODUZIU MEU PENSAMENTO FIELMENTE. EM SUA FALA, PORÉM, ELE FAZ MENÇÕES A DEUS E SANTOS, MAS AS PERGUNTAS SÃO BASTANTE OUSADAS. LEIA E COMENTE. 😉

ACEITAÇÃO, NÃO. RESPEITO, SIM – COM SERGIO VIULA

2011-10-10 23:52

 

(Sergio Viula)

Há 14 anos, no mês de junho, durante a marcha do Dia do Orgulho Gay em Copacabana, um movimento homofóbico começou a dar o ar da graça durante o evento. A ação de cunho religioso distribuiu entre os participantes da marcha milhares de panfletos com mensagens que visavam “reverter” os gays para a heterossexualidade através das palavras de Deus.

 

O Movimento pela Sexualidade Sadia (MOSES) ia muito bem até Sergio Viula, um de seus três fundadores, dar um basta no grande teatro que se revelou o movimento e “sair do armário”. A partir daí o MOSES entrou em declínio, revelando assim o grande equívoco que é supor ser possível “consertar” alguém de algo que não deve ser encarado como defeito. Até porque, caso seja “defeito”, é de fábrica. Então, que reclamem com o dono da fábrica (neste caso, Deus). E aí, vai encarar?

 

 

Viula, que é professor de inglês e estudante de Filosofia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), teve a coragem de dar a cara à tapa e assumir sua homossexualidade, enganjou-se à sua maneira no movimento LGBT, escreveu o livroEm busca de mim mesmo e mantém o blog Fora do armário. Sinceramente não me recordo de como tomei conhecimento de Viula, mas desde que fiquei sabendo de sua história passei a ter interesse em entrevistá-lo, ainda mais nesse momento em que alguns religiosos-políticos (ou políticos-religiosos?) passaram a agir como missionários do MOSES (que, diga-se de passagem, não existe mais… Pelo menos oficialmente).

 


(Blog Fora do armário: http://www.foradoarmario.net)

 

Mais do que atacar qualquer espécie de movimento que vise “reverter” gays, o diálogo de Viula mais serve para esclarecer aqueles que encaram suas sexualidades como algo errado, pecaminoso e, por isso mesmo, passível de uma punição divina. Como uma vez li numa tirinha genial do Ryot IRAS, “tolices inventadas por homens tolos para homens tolos”!

 

(Clique na imagem para acessar o site Ryot IRAS: http://ryotiras.com/)

 

Com vocês, nesta edição do Aceitação, não. Respeito, sim, Sergio Viula.

 

Boa leitura!

 

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Quando e como a homossexualidade surgiu em sua vida?

 

R: Bem, a homossexualidade como elaboração refletida vem sempre depois. Primeiro a gente é, e depois a gente se torna (risos). Parece complicado, mas não é. Geralmente, o que acontece é que a gente deseja. Uma sensação de querer estar próximo vai ganhando cada vez mais intensidade. Na puberdade, passamos a desejar intensamente, como acontece com qualquer pessoa, seja ela gay, heterossexual ou bissexual. A identidade gay, lésbica, bissexual, transexual, etc., é elaborada a partir da interação com o outro, quando percebemos que nem todo mundo é igual: uns são atraídos por pessoas do mesmo sexo, outros não, e outros por ambos. Com pouquíssima idade, eu já me sentia atraído pelos meninos da minha faixa etária. Depois, comecei a admirá-los e desejá-los com mais intensidade. Mais tarde, passei a desejar homens mais velhos que eu. De início, não havia ainda a elaboração de uma identidade que acompanhasse imediatamente o desejo. Levou algum tempo para que eu dissesse: Eu sou gay. Brincadeiras sexuais aconteceram bem cedo na infância. Minha primeira relação sexual, porém, aconteceu aos doze anos com um colega pouco mais velho do que eu e durou dois anos. A maioria dos heterossexuais passa pelas mesmas etapas que vivenciei no desenvolvimento sexual. A diferença está apenas no objeto do desejo. Além disso, as crianças e adolescentes heterossexuais não se sentem fora de lugar quando despertam para a sexualidade, porque todo o cenário social construído em volta delas é heteronormativo, ou seja, impõe a heterossexualidade como norma. Para a criança ou adolescente homossexual, descobrir-se gay nesse tipo de sociedade é como ser um peixe fora d’água por um tempo, enquanto o heterossexual vive confortavelmente como um peixe no meio oceano. Os LGBT felizmente subvertem essa ordem mesquinha de normatização da sexualidade pelo simples fato de existirem.

 

Como foi seu processo de aceitação desta condição? Chegou a tentar se convencer que era algo passageiro? O que o levou a tomar esta atitude?

R: Sim, como a maioria das pessoas criada em lares muito tradicionais, eu preferia pensar que fosse algo passageiro. E isso se deu por causa da intensa propaganda heterossexual a que fui submetido desde cedo. A única forma de ser e de amar que me era retratada como aceitável pelos adultos do meu círculo era a da heterossexualidade. Daí, a ideia de que não poderia ser gay, e as subsequentes tentativas de me conformar ao molde arbitrariamente imposto pela família, pelo círculo social mais imediato, pela mídia da época, muito diferente da atual na abordagem das sexualidades humanas.

 

Quais foram seus medos / receios?


R: Meu principal medo era o de ser rejeitado, especialmente pela minha família. Depois, devido aos dogmas religiosos transmitidos desde cedo, havia o medo de pecar, de ser julgado por Deus. Veja que esses medos / receios não são coisas naturalmente dadas. Eles são construídos a partir das relações interpessoais. É assim que o preconceito dos outros acaba se tornando o nosso preconceito também. O problema é que um LGBT preconceituoso é alguém que coloca uma arma apontada para a própria cabeça, ou seja, ele ou ela está armado contra si mesmo(a). A melhor alternativa é desarmar-se, ou seja, abandonar a visão viciada pelo preconceito e viver em paz consigo mesmo.

 

 Como foi a reação de seus familiares e amigos quando estes souberam de sua condição? Sentiu-se discriminado? Perdeu amizades?


R: Sim. Quando saí do armário (como gosto de dizer), muita gente se distanciou. Outros se aproximaram apenas para julgar, questionar. Outros pensavam que se me dessem meia-dúzia de conselhos ou fizessem algumas orações, tudo estaria resolvido. Mas, também houve amigos e familiares que me surpreenderam com uma mentalidade realista, aberta e humanista. Com o tempo, ficaram apenas os verdadeiros amigos e hoje a vida vai bem – incomparavelmente melhor do que antes.

 

Que dificuldades / preconceitos enfrentou assim que se assumiu homossexual? Sofreu alguma violência física ou verbal?

 

R: Violência física, não. Verbal, sim. Porém, como sou um cara muito destemido atualmente, enfrentei. Cheguei a recorrer à polícia para fazer valer alguns direitos. Atualmente, não enfrento mais esse problema. Parece que se alguém duvidava da minha disposição para brigar pelo meu espaço e minha liberdade, agora não duvida mais.

 

Que comparação você faz da época em que se assumiu para a de um jovem que se assume nos dias de hoje?

 

R: Hoje é mais fácil dizer “sou gay” ou não dizer nada e mesmo assim ser completamente compreendido quanto ao seu desejo e identidade. Porém, ao mesmo tempo em que a homossexualidade está na pauta do dia, a homofobia em suas formas mais violentas aumentou. Muitos jovens já conseguem desfrutar de paz em casa, mas são espancados na rua, simplesmente por serem gays.

 

A Fundação Perseu Abramo (FPA) realizou a mais completa pesquisa sobre gênero, identidade e orientação sexual já realizada no país, tendo em vista – entre outras coisas – mensurar e mapear a homofobia no Brasil. Uma das coisas que eles constataram é que 99% dos entrevistados manifestam algum preconceito contra pessoas LGBT, sendo 6% considerados como tendo forte preconceito, 39% mediano e 55% leve. Apesar disso, 88% dos gays e lésbicas entrevistados afirmaram que a situação dos homossexuais e bissexuais melhorou no Brasil. Ao passo que somente 59% dos heterossexuais entrevistados consideram que houve melhora para essa parcela da população.

 

(Clique na imagem para acessar o site: http://www.fpabramo.org.br/)

 

Quanto ao agente discriminador (a pessoa que discrimina os homossexuais), a pesquisa encontrou que 22% dos discriminadores são os próprios pais, 31% outros familiares, 27% colegas da escola, 26% pessoas em lugares de lazer, 24% são amigos e 13% são membros ou líderes da instituição que a pessoa frequenta. É óbvio que a soma desses números não fecha em 100, porque uma mesma pessoa pode ter sido discriminada em mais de uma categoria citada na pesquisa. Além disso, existem outras categorias que eu não apontei aqui para evitar me estender muito, mas cito essas para mostrar como o preconceito cerca o indivíduo em locais dos quais ele não pode escapar facilmente. Esses números referem-se a seu núcleo familiar e círculo social mais imediato. Isto é uma terrível realidade, e precisa mudar, mas só mudará quando forem desenvolvidos e implementados dispositivos sociais, educacionais, jurídicos e políticos com vistas a modificar o modo como as autoridades, as instituições e a população encaram as relações de gênero, identidade e orientação sexual, promovendo o genuíno reconhecimento de que estas são muito mais diversas do que imaginamos e igualmente válidas.

 

Conte um pouco da história do surgimento do Movimento pela Sexualidade Sadia (MOSES) e sua função na instituição.

 

R: O MOSES surgiu como um “braço da igreja” para a “evangelização” de homossexuais, apesar de não ser uma organização denominacional, uma vez que não pertencia a uma igreja específica. O objetivo era atender a toda e qualquer igreja e atrair gays para o seio das mesmas, sempre com o objetivo de reverter sua orientação / condição sexual. E dizíamos reverter como se a condição original fosse a heterossexualidade, sendo a homossexualidade simplesmente um desvio que podia ser corrigido. O MOSES foi criado em 1997, e sua primeira atividade foi a evangelização de homossexuais na praia de Copacabana durante a Parada Gay daquele ano. Eu fui um dos três fundadores, juntamente com João Luiz Santolin e Liane França. Nossos nomes constam, inclusive, de matéria do jornal O Globo no dia seguinte ao da referida Parada Gay. Eu fazia aconselhamento, produzia literatura, organizava estratégias de evangelização de pessoas LGBT, colaborava na organização de eventos e participava de alguns deles como palestrante. Também incentivava minha igreja a colaborar financeiramente para a organização. Meu trabalho era realizado quase sempre em apoio ao presidente, que era o João Luiz.

 

 

Na prática, como funcionava o trabalho de “reorientação” sexual feito pelo Moses?

 

R: Basicamente, o trabalho era de aconselhamento – o que se chama nas igrejas de “discipulado” – com foco na sexualidade. Às vezes, encaminhávamos a pessoa para algum psicólogo que compartilhava da mesma visão, misturando psicologia com fé cristã – o que é um absurdo, logicamente. Procurávamos envolver os homossexuais o mais rapidamente possível com a igreja e suas atividades. Tudo isto, porém, não passava de uma grande perda de tempo e acabava por fomentar novos sofrimentos para os envolvidos, pois não deixavam de ser gays e ainda ficavam se sentindo culpados sem um motivo genuíno.

 

Em que momento você percebeu que não podia continuar “ajudando” as pessoas que procuravam o MOSES?

 

R: Quando percebi que a proposta do MOSES era furada, infundada, absurda.Ninguém mudava coisa alguma em termos de desejo. Comecei a ver que as pessoas acabavam vivendo em duplicidade. Mentiam para si mesmas e para os outros. Eu mesmo comecei a ver que esse era meu caso, ou seja, eu também não havia deixado de ser gay. Estava apenas me reprimindo. E para isso tinha que matar um leão a grito por dia. Em alguns dias o leão gritava mais do que eu (risos). Então, decidi reavaliar tudo e comecei a alertar as pessoas (como faço até hoje) para os riscos desse tipo de “terapia” fajuta. Não há o que curar, tratar, reverter, consertar em termos de ser ou não gay. Ser bissexual, homossexual ou heterossexual não faz a mínima diferença em termos de saúde mental. O problema pode ser falta de amor próprio ou coisa parecida, mas não a orientação / condição sexual do indivíduo.

 

Ex-gay é um assunto polêmico. Para você, é possível um gay deixar de sentir atração pelo mesmo sexo, ou o que ocorre é um processo semelhante ao dos padres, que apesar de sublimarem o tesão, teoricamente continuam sendo heterossexuais?

 

R: Exatamente! Gay que se diz ex-gay está na mesma condição de repressão que um padre heterossexual que não transa com ninguém por causa do voto de celibato. Ambos continuam sendo o que sempre foram, mesmo que não estejam dando curso ao seu desejo por meio do sexo. E tem mais: isso cria problemas de diversas ordens. Uma das pessoas mais proeminentes que eu conhecia nesses movimentos de “cura” tomava remédios fortíssimos, inclusive tarja preta. A repressão de algo tão básico como a orientação sexual vai desembocar em desordens mentais de diversos tipos.Tem gente que toma remédio para tentar diminuir a libido, acaba sexualmente impotente e mentalmente doente.

 

Atualmente, como é sua religiosidade? Como é o relacionamento de Sergio Viula com Deus?

 

R: Atualmente, não tenho religião alguma. Também não acredito que o Deus cristão seja melhor do que os Deuses astecas, maias, incas, gregos, egípcios, hindus, africanos, etc. Vejo as divindades como criações da poderosa imaginação humana, alimentada pelo medo do desconhecido, da morte, das catástrofes naturais que nos ameaçam diariamente desde que a descoberta do fogo ainda era a manchete do dia. Entretanto, não penso que uma pessoa que crê em alguma divindade não possa realizar-se. Tudo depende de como ela se relaciona com essa ideia de Deus. Gosto de dizer que muitos cristãos que conheço são pessoas maravilhosas. Isso, porém, não significa que sejam pessoas fantásticas graças ao cristianismo, mas apesar dele. É o caso dos meus pais que provavelmente seriam maravilhosos mesmo que não fossem cristãos, porque são pessoas acima da média. Por outro lado, a igreja deles empobreceria imensamente no dia em que eles se desligassem dela. Eles, porém, talvez ganhassem muito em termos de tempo livre e economia financeira (risos). Posso dizer a mesma coisa de muita gente que eu conheço do candomblé, da umbanda, do kardecismo, do budismo, etc. São pessoas fantásticas a despeito da religião ou falta dela.

 

Foto: Revista Época, novembro de 2004

 

 Seu livro Em busca de mim mesmo é o resultado desse período em que você se desligou do MOSES e “saiu do armário”? Fale um pouco sobre ele.

 

R: Sim. Em busca de mim mesmo é a história de uma caminhada. Falo de coisas que vão da infância até bem pouco tempo atrás, mas o fator biográfico é apenas a linha que costura tudo o mais. Falo sobre sexualidade humana, felicidade, liberdade, homofobia, crença, relacionamentos, etc. A leitura é fácil e cativante. Muita gente me disse que leu o livro todo em dois ou três dias, apesar serem pessoas extremamente ocupadas. Tenho recebido comentários positivos de gente gay, heterossexual, crente, ateia, até de pastores, acredita?

Então, como sempre digo, é um livro para todos e todas, independentemente de faixa etária. Pode ser lido por um adolescente ou por alguém da terceira idade, pois todos vão compreender e tirar algum proveito. Estou feliz de ver que, apesar de ser uma iniciativa independente, o livro tem chegado às diversas regiões desse Brasil gigantesco. É sempre válido lembrar que o livro não está disponível em livrarias. Só pode ser adquirido comigo, conforme explico no meu blog, ou então com uma editora que fez parceria recentemente comigo: a Editora Metanoia. De qualquer maneira, online.

 

A criação de igrejas voltadas para pessoas LGBT não seria uma forma de fortalecer a ideia de gueto, uma vez que essas pessoas supostamente precisam de um lugar exclusivo, como se a convivência entre heteros, homos e bis fosse impraticável?


R: Assim como tudo na vida, essa é uma questão que também tem mais de um lado. É verdade que algumas dessas igrejas podem se transformar em simples guetos. Porém, depois do surgimento da Metropolitan Community Church (MCC) nos EUA, no final da década de 60, as igrejas mais tradicionais do mundo tiveram que repensar sua atitude para com a comunidade gay. O crescimento da MCC (ICM no Brasil) foi tamanho que obrigou muitos teólogos a analisarem seus pressupostos sobre a participação dos LGBT na vida eclesiástica. Isso é muito bom, mas o ideal é que futuramente tanto os LGBT como os heterossexuais possam se reunir em qualquer ambiente de culto sem qualquer discriminação. Uma coisa, porém, que me preocupa é a tendência de algumas comunidades voltadas para o público LGBT de se tornarem tão fanáticas quanto algumas igrejas que vemos hoje, especialmente as neopentecostais que adotam o chamado “evangelho da prosperidade”, através do qual exploram a congregação e enriquecem os pastores. A ICM, porém, mantém geralmente uma visão e uma prática bastante contextualizadas socialmente, sem muita esquizofrenia religiosa. A Comunidade Betel em Botafogo, Rio de Janeiro, pastoreada por Marcio Retamero, por exemplo, não tem medo de me chamar para falar sobre temas pertinentes para os LGBT, apesar de eu ser ateu. As lideranças daquela comunidade nunca me discriminaram por isso. Já ouvi frequentador de outra igreja inclusiva dizer que seu pastor orientou os membros da igreja dele a nem visitar meu blog (risos). Isso é apenas um exemplo do que chamo de esquizofrenia religiosa, e demonstra como é forte o adestramento das igrejas tradicionalmente reconhecidas sobre a mente de seus membros, ao ponto de continuarem envenenados com o segregacionismo religioso e social, mesmo depois de saírem delas.

 

Os religiosos homofóbicos costumam citar várias passagens bíblicas para provar que a homossexualidade é algo condenável por Deus. Com seu conhecimento da Bíblia, a questão da homossexualidade é, de fato, abordada e de que forma?


R: O perfil homofóbico de alguns dos escritores bíblicos não é o único caso de violação do que chamamos hoje de direitos básicos do ser humano. Muita gente tem parado para pensar o seguinte: Se apesar da Bíblia ser misógina, as mulheres estão no ministério eclesiástico; se apesar da Bíblia ser xenofóbica, o evangelho prosperou mais entre os gentios que entre os judeus; se apesar da Bíblia aprovar a pena de morte, o infanticídio, e a escravidão, nenhum cristão ou judeu pratica isso hoje em nome de Deus; então por que penalizar só os homossexuais? Se tudo isso foi reavaliado sob perspectivas mais humanistas, por que não a participação dos LGBT no que a igreja chama de “Reino de Deus”?

 

Eu, porém, tenho outra perspectiva ainda mais incisiva: Para que consultar a Bíblia no que diz respeito às liberdades humanas? Se dependesse exclusivamente da ética pregada pela Bíblia, seríamos tão cruéis quanto alguns fundamentalistas islâmicos a quem veementemente condenamos. Então, coloquemos a Bíblia em seu devido lugar: uma coleção de livros de mitos, de leis, de crônicas e de cartas originados da visão de um povo que aspirava a uma posição privilegiada no mundo em nome de um Deus a quem eles mesmos concederam uma exclusividade que ele não tinha. E se analisarmos friamente quanto mal o literalismo bíblico já produziu, faríamos o possível para manter especialmente as crianças e jovens longe dela. A criança nem sabe ainda o que é um poema de amor, mas já é submetida a estórias de assassinato, saque, invasão na escola bíblica dominical (Davi matando Golias, Josué invadindo Jericó, etc.). Não admira que haja tanta gente desequilibrada nas igrejas hoje.

 

Você concorda que o Brasil é um país gay friendly, apesar dos casos de homofobia?


R: O Brasil é um país de contradições. Nada é mais gay friendly do que o carnaval. E o Brasil é considerado o país do carnaval. No entanto, é no período da folia que muitas igrejas se retiram e pregam veementemente contra a liberdade sexual. Eles vão para retiros, mas pensam com muito ressentimento no que está acontecendo lá do outro lado do muro. Isso é um retrato do que acontece no Brasil: uma esquizofrenia que vai da admiração pela cultura LGBT até o ódio às identidades desses mesmos LGBT. Felizmente, os governos e as prefeituras são geralmente defensores da diversidade, mesmo que não seja por motivos meramente humanistas. O judiciário tem dado um show de civilidade, mas no legislativo tem muito pastorzinho querendo bancar o “defensor dos bons costumes”, só para alimentar ainda mais o preconceito e a discriminação contra as pessoas que não se enquadram em seus próprios pressupostos religiosos. Precisamos reafirmar de modo concreto a laicidade do Estado. Por isso, os movimentos pelo fortalecimento do Estado Laico são extremamente atuais e necessários.

 

 

 Qual sua opinião a respeito de grupos religiosos que interferem na questão LGBT junto ao governo?

 

R: Como eu disse anteriormente, eles são inimigos da democracia. Desta, eles só gostam mesmo é do direito à livre expressão (para caluniarem bastante aqueles que não se sujeitam aos seus ditames) e do direito à liberdade de culto (para poderem abrir igrejas dos mais variados tipos e fazerem milhões de reais sem qualquer taxação por parte do Fisco). Politicamente falando, se eles pudessem, colocariam o Brasil novamente sob alguma ditadura. Aliás, a maioria dos líderes de igreja sempre posou ao lado dos ditadores para fotos que a história não nos deixa esquecer. O Papa Pio XII e Hitler configuram uma das mais chocantes. O Brasil também teve seus próprios padres, pastores e bispos ligados aos ditadores militares. O lema “Deus, Pátria e Família” pode parecer muito piedoso, mas era usado para abençoar o totalitarismo político em nome da fé. E tem mais: a maiorias dessas pessoas que ficam vociferando contra os LGBT, mais cedo ou mais tarde, acaba sendo flagrada em algum escândalo sexual. A história recente está cheia desses episódios, especialmente nos países onde líderes cristãos procuram influenciar a política. Veja o caso dos EUA, da Inglaterra, e do Brasil – só para citar três.

  

 

No começo é comum nos sentirmos desorientados em relação a qual postura tomar quanto ao fato de sermos homossexuais. Muitos chegam a sofrer agressões verbais e físicas, mas não tem coragem de falar abertamente com seus familiares e amigos, e com isso sofrem calados, julgando até mesmo serem merecedores de tal “castigo”. Que conselho você pode dar para quem está passando por um momento como esse?


R: Primeiro, aprenda a amar-se. Depois, reconheça que ninguém é melhor que você simplesmente por ser heterossexual. Além disso, é seu direito buscar a felicidade e ninguém pode ser feliz vivendo contra si mesmo. Faça amigos fora do círculo homofóbico com o qual você está acostumado (se esse for seu caso, logicamente). Leia material sério sobre a homossexualidade (cuidado com coisas produzidas por igrejas e organizações ligadas a elas). Pare de dar ouvidos a pregadores homofóbicos. Saia e conheça novas pessoas. Não confie no primeiro que disser “eu te amo”, porque pessoas que vivem uma carência muito grande de afeto e aceitação tendem a ser presas fáceis de aproveitadores, mas não se feche para o amor se ele acontecer de fato. Não tenha medo de transar com quem você deseja, mesmo que seja só por hoje, mas só transe com segurança, ou seja, num lugar onde você não corra o risco de ser agredido e sempre use camisinha. Quando encontrar alguém com quem você queira mesmo compartilhar a vida, case-se, se quiser, porque não precisamos nos enquadrar em moldes inspirados no conservadorismo que nos cerca para sermos felizes. Podemos viver como bem entendermos, desde que não afetemos os direitos dos outros. Se não conseguir administrar seus sentimentos sozinho, procure apoio de um grupo como o Arco-íris (RJ), o Grupo Gay da Bahia (Salvador), o MGM (Juiz de fora), a ABGLT (Curitiba) ou outros. Um grupo muito bom é o Grupo de Pais de Homossexuais (GPH), fundado por Edith Modesto (veja detalhes mais adiante). A Internet também pode ajudar com endereços e telefones dessas organizações. Você não é uma ilha. Só não admita que os outros o destruam por causa das loucuras que eles mesmos alimentam.

 

Muitos jovens me escrevem falando sobre o fato de ainda não terem se assumido para suas famílias e amigos. Uns alegam medo da reação das pessoas, outros dizem que ainda se acham muito novos para isso, e alguns acreditam que possam viver uma vida aparentemente heterossexual (casamento, filhos etc.) com momentos em que se permitam relações homossexuais. Que conselhos você pode dar para eles?


R: A pior coisa que um homossexual pode fazer é tentar viver como um heterossexual, especialmente se casando com alguém do outro sexo. Imagine o contrário: um verdadeiro heterossexual tentando viver como homossexual. Isso não seria ridículo? Pois bem, o contrário também é. Contudo, é muito melhor se assumir quando já se pode pagar as próprias contas, o que não significa que adolescentes não possam se assumir para seus pais. Afinal, se forem alvos de agressões verbais ou físicas, podem procurar o conselho tutelar. Também podem ligar para o telefone 100 e pedir ajuda em caso de violência física ou verbal. Há leis para protegê-lo, inclusive dentro de casa. Agora, isso exige disposição para fazer valer seus direitos.Geralmente, o máximo que acontece é a família tentar mudar o jovem, ficar dando conselhos e perguntando por que ele “quer” ser gay. Com o tempo, isso passa e as coisas se acomodam. O importante é falar na hora que achar que está preparado e não voltar atrás, mesmo que seja diante de lágrimas ou ameaças. Fingir que é diferente do que realmente é só cria mais problemas. Se casar com alguém do outro sexo só para se acomodar ao modelo esperado pelos sexistas, isso vai ser ainda pior. Haverá mais sofrimento para todos os envolvidos. Eu também fiz isso, movido por crenças religiosas e pressão social, mas depois me desvencilhei do casamento – o que me causou problemas desnecessários. Os filhos que tenho – e que amo muito – são duas grandes alegrias, mas até a paternidade ou a maternidade podem ser alcançadas sem a necessidade de casar com alguém do outro sexo. Para isso, existe a inseminação artificial, a barriga-de-aluguel, a adoção, e os acordos em um homem gay e uma mulher lésbica que desejem compartilhar a criação de um filho sem a obrigatoriedade das núpcias.

 

Cite exemplos de filmes, livros, músicas etc., que podem ajudar nesse processo de entender e aceitar-se homossexual?


R: Além do meu livro Em busca de mim mesmo, que acredito também poder ajudar nessa questão, existem vários outros. Cito só algumas fontes interessantes:

– Revista Veja (sobre adolescentes gays) – clique aqui para ler a matéria:

– Grupo Gay da Bahia (Orientações para jovens LGBT) – clique aqui para acessar o site;

– Os livros da escritora Edith Modesto indicados para pais e filhos: Mãe Sempre Sabe? Vidas em arco-íris – clique aqui para acessar o site;

– Para quem precisa de apoio há o Grupo de Pais de Homossexuais – clique aqui para acessar o site;

– O filme Caindo na real, que pode ser baixado gratuitamente. Vale a pena ver. É um dos melhores sobre os dilemas de se assumir gay diante da família e sociedade – clique aqui para acessar o site.

  

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R: Nada é mais belo que o amor, especialmente aquele que se reflete numa autoestima saudável. Portanto, ame-se. Ao mesmo tempo, nada é mais urgente do que a felicidade, e esta geralmente se dá na interação com o outro. Cerque-se de gente que lhe faça bem e a quem você também possa fazer bem. Duvide da perfeição que lhe vendem aqueles que posam de família perfeita. Toda família tem problemas e alegrias. A sua não é diferente e se você formar outra (hetero ou homoafetiva) também não será. O grande barato da vida é viver e deixar viver, porque liberdade e felicidade, acompanhadas de uma forte convicção de que a garantia dos meus direitos depende do respeito a esses mesmos direitos no outro são a chave para uma vida mais leve e realizada. Agradeço a paciência e atenção durante a leitura dessa singela entrevista e espero que apareçam no meu blog. Um forte abraço!

—X—X—X—

 

Aproveitando o gancho da discussão religiosidade X sexualidade, tomei conhecimento por esses dias de São Sérgio (que não é o Viula, até porque ele é Sergio, sem acento agudo na letra E) e São Baco. Os santos são comemorados no dia 07 de outubro, e são tidos como padroeiros dos gays, tendo, inclusive, uma oração dirigida a eles quando é feito um “casamento” gay. Desta eu não sabia!

Bye, bye, Santo Antônio! De agora em diante, “questões do coração” só conversarei com São Sérgio e São Baco!


Clique nas imagens abaixo para saber mais sobre os santos.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u70974.shtml

 

http://www.icmsp.org/novoportal/index.php?option=com_content&view=article&id=83%3Asantos-gays&catid=43%3Aartigos&Itemid=67


 

 

 

 

 

 

 

http://riacho.blogs.sapo.pt/34206.html

Religião é a junção de ilusionismo e política!

Religião é a junção de ilusionismo e política. Política é a arte da organização, direção e administração de grupos. Ilusionismo é arte cênica de entreter e sugestionar uma audiência criando ilusões que confundem e surpreendem, geralmente por darem a impressão de que algo impossível aconteceu, como se o executante tivesse poderes sobrenaturais. As duas artes juntas, religião!

Israel tem de decidir: ser país democrático ou país judeu religioso – Blog do Paulo Lopes

Olá pessoal

 

Eu li este texto no blog do Paulo Lopes e achei fantástico. É o depoimento do escritor que decidiu pedir a justiça de Israel que o declarasse “sem religião” (http://www.paulopes.com.br/2011/10/escritor-israelense-obtem-da-justica.html). Pareceu a muitos uma “frescura”, algo feito para provocar, ou apenas ganhar espaço na mídia. Não foi. Não é. Este depoimento sobre os motivos que o levaram isso é comovente e importante. Vale a pena a leitura.

 

Homero

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Israel tem de decidir: ser país democrático ou país judeu religioso

Depoimento de Yoram Kaniuk

Tomei a decisão por que não queria ser minoria em minha própria família [risos]. Sou casado há 50 anos com uma americana não judia. Minhas filhas nasceram aqui, serviram o Exército, são cidadãs israelenses, mas não são consideradas judias. Ganhei um neto e ele foi considerado “sem religião”, por ser filho de não judia. Decidi que quero ser como o meu neto.

Cansei do controle da religião neste país. É um ciclo perigoso: os religiosos se fortalecem politicamente e impõem mais e mais a religião sobre nós. Até o calendário e o horário de verão são impostos pelos religiosos. Há um controle inaceitável sobre a vida das pessoas. Querem transformar Israel num Estado religioso. 

Lutei pela criação deste país. O objetivo não era um Estado judeu. [David] Ben Gurion [fundador de Israel] não sonhou com isso, ele não acreditava em religião. O que ele queria era um lar nacional para o povo judeu.

 

Decidi que quero ter a nacionalidade judia, não a religião. Mas Israel não reconhece isso. Bibi [premiê de Israel, Binyamin Netanyahu] fala o tempo todo que os palestinos devem reconhecer o caráter nacional judeu de Israel, mas o próprio Estado não reconhece a nacionalidade judia sem a religião.
A decisão judicial é histórica. O juiz abriu uma brecha que, espero, levará à separação entre Estado e religião. Ainda não é uma revolução, mas pode ser o começo.

Esse veredicto pode começar a quebrar o monopólio político dos religiosos. Se houver separação entre Estado e religião, eles não terão mais o mesmo poder político. Hoje, nosso modelo lembra a Idade Média. Quando a religião tem o controle, a vítima é sempre a liberdade.

Minha mulher e minhas filhas nunca sofreram por não serem judias. Vivemos em Tel Aviv, uma cidade muito liberal. Mas é humilhante, porque não são como os outros. 

Todas as reações que recebi até agora foram muito boas. Milhares de pessoas esperam por isso há anos, e acho que muitas seguirão o meu exemplo. Ninguém me atacou ainda, mas espero que isso aconteça [risos].Sou um lutador. 

Israel tem de decidir: pode ser país democrático ou país judeu religioso. Não pode ser os dois. Religião é dogma, não aceita a democracia. 

Se em um ou dois anos não acontecer uma mudança, este país está perdido. Se tornará um Estado religioso e sem mão de obra, sem soldados para defendê-lo nem gente capacitada para desenvolver alta tecnologia. 
Sustentamos centenas de milhares de parasitas. Hoje quase 50% dos alunos de classes primárias são ortodoxos, e a maioria não se integrará ao Estado.

Além de tudo, a falta de separação entre Estado e religião permite que o fascismo se espalhe. O incêndio criminoso da mesquita no norte de Israel é só um exemplo.

Há fascistas nos assentamentos que fazem o que querem e o governo não faz nada. Atacam árabes, arrancam suas oliveiras, vandalizam mesquitas e o governo faz vista grossa, pois teme perder seu apoio político. 

Chegamos a um beco sem saída. Por isso o veredicto que me foi concedido é tão importante: cria uma brecha histórica para mudarmos isso, para acabarmos com a legitimidade dos fascistas que usam a religião.

Se Israel for mais democrático e menos religioso, o Estado poderá agir contra esses hooligans. 

Depoimento a Marcelo Ninio, da Folha.

http://www.paulopes.com.br/2011/10/israel-tem-de-decidir-ser-pais.html