Declaração da Liga Humanista Secular do Brasil sobre o ensino religioso em escolas públicas

DECLARAÇÃO DA LIGA HUMANISTA SECULAR DO BRASIL
SOBRE ENSINO RELIGIOSO EM ESCOLAS PÚBLICAS[1]
Introdução

A questão do ensino religioso nas escolas públicas toma especial relevância, nesse momento, em razão do acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé – por meio do Decreto Legislativo 698 – que institui o ensino religioso católico e de outras confissões, de matrícula facultativa, nas escolas públicas brasileiras, em flagrante afronta ao princípio constitucional da liberdade religiosa/laicidade, disposto no art. 19, I, da Constituição Federal. É tão sério que a constitucionalidade desse decreto está sendo questionada, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4439/DF, proposta pela Procuradoria-Geral da República.
Coerente com seus objetivos, a LiHS não pode ficar alijada dessa discussão.
Os perigos do ensino religioso

Embora reconheçamos que abordagens não proselitistas como o Estudo Comparado de Religiões ou Estudo de História das Religiões poderiam ser úteis enquanto apanhados históricos e culturais, nos preocupa a enorme probabilidade de que uma disciplina de Ensino Religioso seja utilizada para proselitismo puro e simples.
Dada a absoluta predominância numérica de religiões cristãs no país e o histórico de intolerância destas religiões em relação a visões contrárias a seus dogmas, tememos que a disciplina seja utilizada para doutrinação religiosa de crianças e adolescentes, disseminação do preconceito contra homossexuais, ateus e outros grupos minoritários e propagação de dogmas criacionistas como o “desenho inteligente”, que atrapalham sobremaneira o ensino de geografia, biologia, física e demais ciências.
Somos A favor da liberdade de crença, mas somos CONTRÁRIOS ao ensino religioso em escolas públicas

O Brasil é um país laico! De acordo com a Constituição de 1988, Igreja e Estado devem ser separados e quaisquer iniciativas de promover proselitismo religioso em escolas públicas são uma afronta à nossa Carta Magna e uma ameaça às liberdades democráticas, tão duramente conquistadas nos últimos anos. Somos a favor da liberdade de crença, mas contrários ao proselitismo em escolas, principalmente em escolas públicas.
Não há dúvida de que religiões – assim como arte e outras expressões culturais – fazem parte da nossa identidade e podem ser estudadas em sala de aula, mas pensamos que isso deve ser feito de forma não tendenciosa e, de preferência, justamente em um contexto histórico – jamais como ferramenta de conversão e proselitismo!
Conclusão

Pelo exposto, a Liga Humanista Secular do Brasil se posiciona CONTRA o ensino de religião nas escolas públicas no Brasil e continuará lutando para que o Brasil não institucionalize o proselitismo religioso em espaços públicos nem em escolas.

[1] Esse texto foi produzido em função de uma votação entre os membros da LiHS na 3ª Assembleia Geral, ocorrida em 10 de março de 2012. Na Assembleia, a maioria absoluta (66,67%) decidiu que a LiHS deveria se posicionar “contra qualquer tipo de ensino religioso em escolas públicas”.
Sobre o Decreto 7.107, de 11 de fevereiro de 2010
 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7107.htm
O decreto 7.107 promulga o Acordo entre o Governo Brasileiro e a Igreja Católica.Entre outras coisas, determina que
“O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental” (Artigo 11º, §1º)

Declaração de Dublin sobre o Secularismo e o Lugar da Religião na Vida Pública

Em cinco de junho de 2011, a Convenção Mundial de Ateus em Dublin* discutiu e adotou a seguinteDeclaração sobre o Secularismo e o Lugar da Religião na Vida Pública.1. Liberdades Individuais

  • (a) Liberdades de consciência, de religião e de crença são privadas e ilimitadas. A liberdade de praticar a religião deve ser limitada apenas pela necessidade de respeitar os direitos e liberdades de outros.
  • (b) Todas as pessoas devem ser livres para participar igualmente do processo democrático.
  • (c) A liberdade de expressão deve ser limitada apenas pela necessidade de respeitar os direitos e liberdades de outros. Não deve haver o ‘direito a não ser ofendido’ na lei. Todas as leis de blasfêmia, implícita ou explícita, devem ser rejeitadas e não promulgadas.


2. Democracia Secular

  • (a) A soberania do Estado é derivada do povo e não de algum deus ou deuses.
  • (b) A única referência à religião na Constituição deve ser a asserção de que o Estado é secular.
  • (c) O Estado deve ser baseado na democracia, nos direitos humanos e na regulamentação legal. Políticas públicas devem ser formadas pela aplicação da razão, e não da fé religiosa, direcionada pela evidência.
  • (d) O governo deve ser secular. O Estado deve ser estritamente neutro em questões de religião ou ausência dela, não favorecendo nem discriminando uma ou mais de suas formas.
  • (e) As religiões não devem ter privilégios financeiros na vida pública, tais como o status livre de impostos para atividades religiosas, ou verbas públicas para promover a religião ou as escolas confessionais.
  • (f) A afiliação a uma religião não deve ser critério para nomeação de alguém para qualquer emprego no funcionalismo público.
  • (g) A lei não deve incentivar nem prejudicar qualquer direito, privilégio, poder ou imunidade com base em fé ou religião ou a ausência de ambas.

 

3. Educação Secular

  • (a) O ensino público deve ser secular. A educação religiosa, se for oferecida pelo Estado, deve estar limitada à educação sobre a religião e sua ausência.
  • (b) As crianças devem ser ensinadas sobre a diversidade de crenças filosóficas religiosas e não-religiosas de uma maneira objetiva, sem formação de fé nos períodos escolares.
  • (c) As crianças devem ser educadas no pensamento crítico e na distinção sobre fé e razão como guias para o conhecimento. A ciência deve ser ensinada livre de interferência religiosa.

 

4. Uma Lei para Todos**

  • (a) Deve haver uma lei secular para todos, democraticamente decidida e mesmo duramente aplicada, sem jurisdição para tribunais religiosos decidirem questões civis ou disputas familiares.
  • (b) A lei não deve criminalizar qualquer conduta privada pela razão de alguma doutrina de qualquer religião julgar tal conduta imoral, se essa conduta privada respeitar os direitos e liberdades de outros.
  • (c) Empregadores inclusive na área de serviço social com crenças religiosas não devem ter permissão para discriminar sobre qualquer base não essencial ao emprego em questão.

 

* Esta declaração foi aprovada pela Atheist Alliance International, da qual a Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS) é um membro. O texto foi votado e aprovado em assembleia geral pelos membros da LiHS em 31/07/2011, e portanto pode ser considerado representativo da visão da associação. Todas as posições oficiais da LiHS são votadas em assembleia geral e publicadas em ata.** A convenção contou com a presença da sócia emérita da LiHS, a iraniana Maryam Namazie, que luta pelo fim da influência da lei islâmica da Sharia no Reino Unido encabeçando a organização One Law For All. Um trecho da fala de Namazie pode ser conferido aqui: http://bule.atheis.me/post/6295456836Link curto para esta declaração em PDF: atheis.me/dublin2011