Tecendo redes ativistas na América Latina: IV Congreso Nacional de Ateísmo, Mar del Plata, Argentina
Por Eli Vieira, diretor de Relações Internacionais da LiHS.
Relato sobre a participação da LiHS – Liga Humanista Secular do Brasil no IV Congreso Nacional de Ateísmo, por Ateos Mar del Plata, na província de Buenos Aires, Argentina.
A primeira coisa que gostei sobre o evento foi que ele foi uma homenagem ao artista recém-falecido León Ferrari, ateu, que eu já conhecia de uma exposição no Museu Iberê Camargo de Porto Alegre.
Representei a LiHS numa mesa redonda para “tecer redes de ativismo latinoamericano” nas questões secularistas e humanistas. Falamos eu em nome da LiHS, Fernando Lozada em nome da organização argentina anfitriã, e Ramón Badillo em nome da Sociedad Atea Chile.
Informei aos presentes sobre o crescimento do evangelicalismo dito neopentecostal no Brasil, sobre o voto de cajado, e como preocupa às minorias de crença, incluindo o ateísmo, a intromissão teocrata no poder público brasileiro. Para dar também uma visão otimista, apontei que também cresceu o número de evangélicos sem denominação, que se comportam de forma similar a muitos “católicos não praticantes”, em minha opinião de forma mais benigna que setores fundamentalistas. Mostrei algumas petições com dezenas de milhares de assinaturas que a LiHS coletou contra projetos teocráticos como a PEC99 de João Campos, e que esta última petição eu nomeei “hermanos en la discordia”, coisa que agradou a seguidores de religiões de matriz africana que assinaram a petição.
Peguei uma nota de peso argentino e disse que eu invejava os argentinos por não terem frase religiosa privilegiando uma crença em detrimentos das outras em seu dinheiro. Contei a história do promotor brasileiro que sofreu ameaça de morte por propor a retirada da frase “Deus seja louvado” das cédulas de real, e que o responsável pela frase estar ali foi José Sarney, numa decisão autoritária sem base em lei alguma.
Dei os números da LiHS e alguns exemplos de ações de sucesso defendidas ou realizadas por nós, e do que está por vir, como nossa participação junto ao STF no julgamento do ensino religioso, que será arguida por nosso advogado Túlio Vianna. Disse também que o lema do evento, “tecendo redes ativistas”, bem poderia ser o lema da LiHS, que define o humanismo como “racionalismo a serviço da compaixão”. A LiHS busca teces redes ativistas em diversos assuntos, como direitos LGBT, feminismo, combate a racismo, conscientização sobre direitos animais, e sobretudo, quando se fala de ateísmo, laicidade e tolerância entre crenças diferentes. Também disse que a LiHS, com base em pesquisa empírica de sua membro emérita Debora Diniz, adotou por assembleia geral a posição de ser contrária ao ensino religioso nas escolas públicas, por estar sendo usado para doutrinação.
A seguir, falou Ramón Badillo sobre a experiência chilena. Ramón informou detalhadamente sobre o crescimento do secularismo no Chile, e dissecou estatísticas sobre sua organização e o estado do ateísmo no Chile. O que mais me impressionou na intervenção de Ramón foi os diversos movimentos sociais aos quais estão conectados: por exemplo, movimentos de nativos indígenas. Eu disse que gostaria que a LiHS imitasse o exemplo chileno e se aproximasse dos movimento indígenas, especialmente no contexto atual, com o genocídio dos Guarani-Kaiowá acontecendo neste momento no Brasil.
Fernando Lozada falou do ateísmo como identidade e da importância de os ateus conscientizarem-se de que são uma minoria e também por isso devem se comiserar do que passam outras minorias. Defendeu que dentro do livre-pensamento não pode haver espaço para machismo, homofobia, transfobia, racismo e outros preconceitos. O evento organizado por Lozada e os outros membros da Ateos Mar del Plata teve sucesso em seu propósito, pois ali nos sentimos em irmandade não apenas por nossos compromissos com valores epistêmicos e éticos seculares, mas também pelo compartilhamento da cultura latinoamericana – e nós brasileiros precisamos fazer um esforço maior para esta aproximação e enxergar a riqueza que nos cerca no continente!
Minha inveja dos argentinos durou pouco, no entanto: depois, quando fomos celebrar e confraternizar, Athenais Trindade, membro da Ateos e organizadora da Marcha das Vadias (aqui chamada de “Marcha de las Putas”, nome que gostei por congregar movimentos de mulheres prostitutas e não-prostitutas), informou-me que uma província planeja botar a imagem do Papa Francisco numa moeda.
Mafalda nos livre!
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