Oficialmente, não há números sobre os mortos por homofobia no Brasil. Há quase quatro décadas, o Grupo Gay da Bahia (GGB), fundado pelo historiador Luiz Mott em 1980, desenvolve um levantamento de dados independente que tem sido tratado como fonte de um número oficial pela imprensa e órgãos nacionais e internacionais como a Anistia Internacional e a ONU. A estatística anual de mortes violentas por homofobia do GGB já apareceu em publicações como O Globo, Estadão, Folha de São Paulo, Gazeta do Povo, Reuters, BBC, NPR, The New York Times (que, com base nela, disse que o Brasil passa por uma epidemia de violência antigay), entre outras. Publicações esportivas, com base na estatística do GGB, alertaram aos atletas LGBT para terem cuidado extra ao vir ao Brasil para as Olimpíadas. Diversos trabalhos acadêmicos citam as estatísticas do GGB e há títulos acadêmicos inteiros conquistados com base nelas. Os números do GGB são baseados em clipagem de notícias.
Ao menos duas vezes a estatística anual do grupo foi usada durante a campanha eleitoral de forma proeminente no ano passado: quando a candidata Vera Lúcia (PSTU) mencionou em seu plano de governo registrado que “[e]ste país é também o que mais mata LGBTs no mundo. Uma vítima a cada 19 horas”, e quando a âncora Renata Vasconcellos, numa pergunta ao candidato Bolsonaro no Jornal Nacional, repetiu que “a cada 19 horas, um gay, lésbica ou trans é assassinado ou se suicida por causa de homofobia no Brasil”. O número, porém, inclui heterossexuais mortos supostamente por motivação homofóbica, mas este fato foi esquecido não só por Vasconcellos, mas também por sua fonte, o GGB, que também diz que, na mesma frequência de horas, “um LGBT morre de forma violenta por motivação homotransfóbica no Brasil”. A divulgação da estatística poderia ser melhorada se os autores do trabalho e a imprensa a descrevessem como resultante de um relatório de mortes violentas motivadas por homofobia, sem especificar a sexualidade das vítimas. Mas o esquecimento dos heterossexuais mortos por homofobia incluídos nos dados não é o único problema com a divulgação da estatística, como veremos adiante.
A checagem revela graves
problemas de rigor
Para descobrir até onde vai a imprecisão, nós refizemos todo o trabalho do GGB referente ao ano de 2016, checando todos os dados colhidos pelo grupo. A replicação dos resultados do GGB é dificultada por ele próprio, que não publica planilhas em formato acessível com links para as matérias jornalísticas que usou como fontes. Buscando online pelos nomes das vítimas e locais de falecimento, checamos todas as 347 vítimas relatadas e recuperamos as fontes não divulgadas no relatório.
Descobrimos
que o banco de dados de vítimas da homofobia em 2016 no Brasil do GGB sofre de
graves problemas de rigor. Apesar do relatório se referir ao Brasil, estão
inclusos seis casos de mortes no exterior, como o de Kimberly, transexual morta por um excesso de 94 facadas, em Florença, pelo namorado Mirco
Alessi. Há alguns casos duplicados, como o da travesti T. E. Geremias de Moraes,
misteriosamente esfaqueada em Valinhos (que reclassificamos como inconclusivo
quanto à motivação homofóbica). Em alguns casos descobrimos uma leitura
incompleta do relato jornalístico: por exemplo, um casal heterossexual
supostamente viciado em drogas foi assassinado por um traficante no Ceará.
Aparentemente, o caso foi incluído pelo GGB somente porque a manchete omitiu o sexo da mulher, dando a
entender erroneamente que poderia ser um casal gay.
É correto somar suicídios
a homicídios nesse caso?
Dos 347
casos de 2016, excluímos 30 da análise por serem mortes no exterior, casos
duplicados ou casos em que foi impossível recuperar as fontes. Dos que
sobraram, 20 casos são suicídios. É discutível a decisão de somar suicídios a
assassinatos. A estatística do GGB consiste em mortes violentas motivadas por homofobia, e, legalmente, morte violenta incluiria acidentes,
suicídios e homicídios. Obviamente, acidentes não deveriam ser incluídos, pois
não existe motivação alguma por trás deles, muito menos a homofóbica. Isso não
impediu o GGB de incluir mortes acidentais a seus números. Quanto ao suicídio,
é evidente que, nem sempre que um LGBT se mata, é possível afirmar que a causa
primária de sua decisão é a homofobia. Suicidas geralmente sofrem de depressão,
que é em si a causa imediata de sua morte. Certamente é um tema importante
descobrir com que frequência a homofobia causa depressão e suicídio, mas é
quase sempre impossível separar suicídios motivados
por homofobia de suicídios de LGBT motivados por outros problemas, ao menos
que haja alguma evidência como uma carta de despedida em que o suicida o diz
explicitamente. Além disso, há uma questão moral. Um suicida fere a si mesmo,
desistindo da própria vida, que lhe pertence. Um homicida fere a outrem,
roubando-lhe a vida. Não parece que as duas decisões sejam comparáveis ao ponto
de ser justo somá-las num número só. Uma egodistonia
sexual que leva à depressão e ao suicídio é bem diferente de uma homofobia
assassina aplicada sobre outrem. Não prendemos sobreviventes de tentativas de
suicídio, mas prendemos homicidas. Pelos motivos acima, o mais importante dos
quais é a dificuldade de estabelecer a real importância da homofobia na rede de
motivos possíveis para o suicídio de uma pessoa LGBT, excluiremos os suicídios
da análise, e pensamos que sua repetida inclusão é uma possível tentativa de
inflar a estatística das vítimas da homofobia.
Além dos suicídios, excluímos também casos cuja inclusão no estudo original é inexplicável: seis mortes acidentais, o afogamento do diretor de teatro Glauber Teixeira, um caso de agressão em que a vítima sequer morreu (a estatística é sobre mortes), um caso de morto em incêndio sem suspeita de crime, doze mortes suspeitas em que não é possível afirmar que houve crime, uma overdose, entre outros. Limitando os casos somente a homicídios confirmados (dolosos, culposos e latrocínios), sobram 258 casos dos 347 originalmente relatados. A seguir, mostraremos quantos desses realmente foram motivados por homofobia.
Concordamos: héteros podem
ser vítimas de homofobia
Como dito,
uma interpretação equivocada desses dados é que refletem a quantidade de
lésbicas, gays, bissexuais e transexuais assassinados por serem LGBT no Brasil.
Algumas das vítimas da homofobia são heterossexuais. Em março de 2016, Jorge
Luiz Lima Farias, 20 anos, foi preso em Cratéus, Ceará, em um bar. Ele
tinha as roupas sujas de sangue no momento da prisão. “Não me arrependo”, disse
o assassino à polícia. Suas vítimas foram Alexandre Martins da Silva, 28, morto
por ter divulgado um vídeo em que Jorge Luiz beijava um homem, e José Wilson
Messias Coelho, 50, morto por ter tentado salvar a vida de Alexandre. Não há
relato nenhum de que alguma das vítimas era gay. Neste caso, confirmamos as
duas mortes como motivadas por homofobia, afinal, é preconceituoso esse temor
tão forte da divulgação de sua própria atração por pessoas do mesmo sexo que dá
em assassinato, ainda que o autor do crime seja um possível gay e as vítimas
sejam provavelmente héteros.
Nossos métodos
Recuperamos
os seguintes dados sobre as vítimas: crime ou situação que causou a sua morte,
o motivo aparente da morte, os links contendo as notícias-fonte, número de
processo judicial onde disponível, e, finalmente, se é possível concluir que a
motivação principal ou mais provável da morte foi a homofobia, onde
classificamos os casos como “sim”, “não” ou “inconclusivos”. Trazemos a
replicabilidade para onde ela havia sido dificultada: qualquer pessoa pode
checar se concorda conosco na nossa planilha.
Na nossa
checagem dos dados, não fomos muito conservadores. Por exemplo, a travesti
Lauandersa foi encontrada morta a facadas, sem sinais de latrocínio (roubo de
seus bens), em ponto de prostituição, seminua, ao lado de preservativos usados,
em Caucaia, Ceará. Na ausência de elementos que ponham em dúvida uma motivação
homofóbica, e diante de um caso que poderia ser explicado como resultado da
motivação homofóbica de um cliente com arrependimento pós-coito, decidimos por
confirmar o caso em concordância com o GGB, ainda que uma análise mais
conservadora pedisse a reclassificação do caso como inconclusivo.
Alguns
casos são mais fáceis de se classificar como motivados por homofobia. O
professor Jair Figueiredo, 38, foi morto em sua própria casa com 40
facadas, em João
Pessoa, após tentar seduzir o assassino, um jovem de 16 anos, que alegou à
polícia que a vítima havia pego uma faca após a recusa, o que parece uma óbvia
mentira para alegar legítima defesa.
Outros
casos incluídos são flagrantemente não motivados por homofobia. Fabiana Braz
Conceição e Daniella Silva Gomes, um casal, foram mortas a tiros numa moto porque eram traficantes e
disputavam com outros traficantes o controle do tráfico em sua região em
Goiânia.
Resultados da checagem são
surpreendentes
Dos casos colhidos na imprensa pelo GGB, foi possível concordar somente que 31 casos foram mortes motivadas pela homofobia no Brasil. Isso significa que o relatório errou em 88% dos casos de homicídio (227 de 258), e que somente 9% dos dados totais (31 de 347) para o ano de 2016 servem para fazer as conclusões que o grupo e a imprensa que o cita fazem.
Fantasmagórica e
irrefutável “estrutura”
Por que casos como suicídios sem motivos esclarecidos, acidentes e até um casal de lésbicas traficantes mortas pela concorrência do crime foram inclusos? Aqui entra uma decisão teórica das pessoas por trás do GGB: por acreditarem que a homofobia no Brasil é “estrutural”, termo que cria um inimigo fantasmagórico impossível de refutar, toda morte de LGBT no Brasil é presumida como resultado da homofobia. O que o GGB cita para justificar a crença de que a homofobia no Brasil é “estrutural” (seja lá o que isso for)? Os próprios dados, como diz na conclusão de um relatório oficial do Ministério dos Direitos Humanos publicado em 2018: “De acordo com os dados apresentados é possível concluir que a LGBTfobia no Brasil é estrutural”. Repetindo: quando o GGB é pressionado sobre os casos duvidosos, ele cita a “homofobia estrutural” como justificação para incluir toda e qualquer morte de LGBT nos dados. E quando tem de comunicar ao governo a razão de a homofobia ser “estrutural”, o GGB cita os mesmos dados. Parece circular. Curiosamente, o ministério se isenta de responsabilidade pelo conteúdo do relatório oficial, que traz também números do Disque 100 de vítimas de discriminação, ofensa verbal e agressão.
Vale
ressaltar que essa metodologia de incluir toda e qualquer morte de LGBT entre
vítimas de homofobia apelando circularmente para uma “homofobia estrutural” não
é seguida, por exemplo, pelo FBI, que define crime de ódio como “contra uma
pessoa ou sua propriedade motivado em todo ou em parte pelos vieses do infrator
contra uma raça, religião, deficiência, orientação sexual, etnicidade, gênero
ou identidade de gênero”. Foi essa
orientação que seguimos, e é bem simples: houve motivação homofóbica se há
indícios de motivação homofóbica. Presumir a motivação homofóbica sem indícios
para tanto tem vários nomes: viés da confirmação e dogmatismo entre eles.
Duas
agências de checagem jornalística questionaram uma interpretação dos dados do
GGB: que eles mostrariam que o Brasil seria o país que mais mata LGBT por serem
LGBT no mundo. Essa afirmação recorrente do GGB é incompreensível, dado que não
apresentam números do exterior para comparação (embora incluam dados do
exterior nos números nacionais), nem esclarecem como é possível afirmar que o
Brasil seria pior que países que punem a homossexualidade com a pena de morte,
que evidentemente evitam calcular e divulgar esses números para não chamar a
atenção da opinião pública internacional. O Truco, da Agência Pública,
classificou essa afirmação como “impossível provar” e a Agência Lupa como “insustentável”. Como mostramos aqui, não é só a
comparação do Brasil com o exterior que é “insustentável” e “impossível provar”
sobre os dados do GGB: o mesmo pode ser afirmado sobre seus dados a respeito do
Brasil.
Conclusão
As pessoas
LGBT devem ser livres para buscar a própria felicidade e saúde, das mesmas
formas que as pessoas heterossexuais e sem problemas como a disforia de gênero
fazem. Liberdades individuais e isonomia perante a lei são, na nossa opinião, a
chave da questão. Isolamento, política identitária, sensacionalismo e uso das
minorias sexuais como bucha de canhão política são elementos presentes no atual
debate público que têm grande potencial de piorar a vida dessas pessoas neste
momento de transformação das atitudes e opiniões públicas a seu respeito. A
verdade é amiga da causa das liberdades individuais e da democracia. Qualquer
número de LGBT mortos por serem LGBT no Brasil é preocupante e exemplo de que a
cultura ainda não se transformou o suficiente na direção do respeito ao
indivíduo diferente. No entanto, tentativas de inflar esses números, honestas
ou não, dificilmente ajudam a qualquer causa justa.
Ao divulgar
versões preliminares desta checagem, nós recebemos ataques virulentos dos
participantes do GGB nas redes sociais. Membros da nossa equipe que são LGBT
foram classificados como “egodistônicos” e “traidores”. Parece que a acusação
de homofobia é o instrumento favorito dos autores dos números inadequados para
qualquer crítico de seus métodos. É de se estranhar, pois há acadêmicos
envolvidos na coleta e divulgação desses dados, e todo acadêmico deveria achar
normal o processo de crítica e revisão por pares. Essa reação, também, na nossa
opinião, revela outra faceta das razões pelas quais há uma taxa de erro de 88%
nesses números.
As estatísticas criminais no Brasil têm muito a melhorar. Não só não temos uma fonte unificada dos números da violência (dependemos bastante de levantamentos vindos da saúde), a taxa de resolução de crimes como o homicídio é em torno de 8%. Antes de cobrar que o Estado preste atenção preferencial a este ou aquele grupo alvo de crimes agravados por motivações torpes como a homofobia, parece prioritário cobrar que o Estado cumpra sua função prometida de prevenir e investigar os crimes e punir os infratores com mais eficiência. Também parece ser necessária uma revisão legal de agravantes por motivações torpes, para que todos os grupos minoritários se sintam contemplados, sem que isso seja usado para inventar novas limitações à liberdade de expressão, que já não é plena no país. A maior aliada da justiça é a verdade. E o maior aliado da verdade é o rigor. Faltam rigor e verdade nos números mais divulgados sobre violência contra LGBT no Brasil.
Planilha com dados completos (original e checagem)
Link externo para a planilha aqui. Atualização: neste novo link é possível encontrar a planilha como um web-aplicativo em que é possível clicar em cada caso (linha da tabela) para abrir automaticamente abaixo da tabela as fontes referentes ao caso.
Números oficiais de assassinatos homofóbicos em 2011
Brasil teve 278 assassinatos por homofobia em 2011, diz governo
No dia 28 de junho de 2012, o SITE TERRA noticiou um fato histórico no Brasil: Um levantamento realizado pela Secretaria de Direitos Humanos revelou que foram registrados ao menos 278 assassinatos relacionados à homofobia em 2011. O relatório também informava a ocorrência de 6.809 denúncias de violações aos direitos humanos de homossexuais durante o ano passado.
Essa notícia provoca dois sentimentos: alívio por ver que o governo federal finalmente está reconhecendo que a homofobia existe e mata no país; e vergonha, porque o governo brasileiro já deveria ter feito isso há muito tempo, e não só isso, mas promovido a aprovação do projeto de lei que criminaliza a homofobia no Brasil.
Durante mais de duas décadas, o Grupo Gay da Bahia (GGB), sob o comando do Dr. Luiz Mott, antropólogo e seu fundador, foi a única organização que se dedicou a registrar os números da homofobia no país. É a primeira vez que um levantamento oficial é feito pelo Executivo brasileiro. A divulgação foi parcialmente antecipada, em função do Dia Internacional da Cidadania LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), pela ministra Maria do Rosário. Ela informa que o registro das violações mencionadas no relatório é oriundo de denúncias feitas aos serviços Disque Direitos Humanos (Disque 100), Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), de dados do Ministério da Saúde e por meio de notícias publicadas pela imprensa.
O Site Terra ressalta que o levantamento aponta que, na maioria dos casos de agressão (61,9%), o autor é alguém próximo à vítima, o que pode indicar um nível de intolerância em relação à homossexualidade. Cerca de 34% das vítimas pertencem ao gênero masculino; 34,5% ao gênero feminino, 10,6% travestis, 2,1% transexuais e 18,9% não informado. Foram identificadas ao menos 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos.
É interessante que não apenas as vítimas, mas os suspeitos de terem praticado a agressão tenham sido identificados. Isso abre caminho para as devidas ações legais. Um dos grandes problemas em relação à homofobia no Brasil é o senso de impunidade que as pessoas geralmente nutrem. No entanto, as cadeias brasileiras já contam com detentos que praticaram crimes contra homossexuais. Ainda não é o suficiente, visto que muitos crimes ficam sem registro. Muita gente ainda não denuncia. Coisa semelhante ocorria com as mulheres vítimas de violência doméstica. Elas sofriam caladas na maioria das vezes, até que Lei Maria da Penha foi aprovada. Hoje, as mulheres denunciam muito mais. Tomara que a lei anti-homofobia (ainda não aprovada pelo Congresso e Senado) tenha o mesmo efeito quando entrar em vigor.
Não é possível que legisladores continuem dificultando ou adiando a aprovação da PLC 122/06, que criminaliza a homofobia. Nosso vizinho Chile aprovou lei semelhante este ano, depois que um adolescente foi torturado e morto no país. Quantos crimes acontecerão até que o Legislativo brasileiro cumpra seu papel e aprove a lei anti-homofobia no país. Será que 278 assassinatos por homofobia em 2011 não são motivos suficientes para agilizar o processo legislativo?
É lamentável que as travestis ainda sejam tão vulneráveis em pleno século 21. Das vítimas de homicídio, 49% eram travestis. Estranhamente, o mesmo país que celebra o travestismo no show business fica indiferente diante de tamanha transfobia nas ruas. Contudo, grande parte dessa vulnerabilidade tem raízes econômicas. Muitas travestis ficam expostas à violência por causa da homofobia em círculos mais próximos, tais como a escola, o local de trabalho e a família. Muitas acabam tendo que sobreviver do ofício da prostituição, só que nas ruas, onde o risco é muito maior para quem trabalha nessa área. Boa parte do problema estaria resolvida se as travestis fossem acolhidas pelas instituições de ensino, pelo mercado de trabalho e pela próprias famílias.
A negligência familiar foi registrada pelo levantamento da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal, demonstrando que um grande número de jovens é abandonado ou negligenciado quando revelam sua orientação sexual – o que torna a políticas públicas de enfrentamento à homofobia ainda mais urgentes.
A ministra Maria do Rosário anunciou a proposta de incentivar a criação de Comitês Estaduais de Enfrentamento à Homofobia, os quais funcionarão em parceria com governos estaduais, com o Conselho Federal de Psicologia e com outras organizações da sociedade civil.
Os grupos servirão para monitorar a implementação de políticas públicas, acompanhar ocorrências de violências homofóbicas, evitando a impunidade, e sensibilizar agentes públicos responsáveis por garantir os direitos do segmento. Também está em estudo a criação de um comitê nacional que se responsabilize por coordenar a ação dos demais comitês.
Ministra Maria do Rosário
“É preciso compreender que um crime contra um homossexual atinge não só a pessoa, mas a família e a sociedade como um todo. É assim que nós sentimos no governo brasileiro”, disse a ministra Maria do Rosário, adiantando que a proposta de criação dos comitês ainda está sendo desenhada e vai depender de parcerias. “Há uma vontade política inabalável do governo federal de constituir mecanismos que mobilizem a sociedade contra a violência homofóbica. Acreditamos que, com as parcerias, os recursos necessários não serão tão grandes. O principal valor investido será a mobilização permanente da sociedade”, disse.
O arquivo em pdf do relatório oficial completo já se encontra aqui.
É motivo para celebração que o governo esteja finalmente despertando para ações efetivas contra a homofobia. O governo federal costuma dizer que “país rico é país sem pobreza”. Isso é verdade, mas eu acrescentaria que “país justo é país sem homofobia”. E não apenas sem homofobia, mas sem racismo, sem misoginia, e sem outras formas de discriminação.
Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) comemorou o anúncio da ministra em pleno Dia Internacional da Cidadania LGBT, mas lamentou os números do levantamento: “Este posicionamento político de estabelecer o comitê nacional e os estaduais é muito importante. Já vínhamos denunciando a situação, mas hoje temos um dado oficial. É o governo brasileiro quem está reconhecendo que houve 6.809 violações dos direitos humanos de pessoas homossexuais”, disse Reis, prometendo que as associações não-governamentais irão apoiar qualquer proposta da Secretaria de Direitos Humanos que vise a combater a homofobia, sobretudo a criação dos comitês estaduais.
Agora, é fundamental que todos os segmentos do Movimento e da Comunidade LGBT deem-se as mãos e trabalhem juntos. É igualmente fundamental que usemos as redes sociais para divulgar informações corretas e relevantes para que a sociedade se torne cada vez mais inclusiva e pluralista. Muitas pessoas heterossexuais têm sido grandes aliadas dessa causa e será muito bom receber o apoio de novos amigos da liberdade, da igualdade e da fraternidade (lema republicano da Revolução Francesa). O Brasil é uma república desde 1889, mas 123 anos depois da proclamação da república os cidadãos LGBT ainda carecem de direitos civis plenos. Nas últimas quatro décadas, essa injustiça tem sido denunciada pelo Movimento LGBT organizado, mas ainda existem muita gente LGBT que não faz ideia do que significa ser cidadão pleno e por quê isso é tão importante – o que nos leva à necessidade de outro aliado no combate à homofobia: Educação.
Se, por um lado, precisamos da justiça para coibir crimes com motivação homofóbica, por outro precisamos de educação para a diversidade sexual e de gênero, ou seja, contra a homofobia. A educação pode prevenir o que – de outro modo – a justiça em algum momento terá que punir. Viver em paz com o outro é bom para todos. Todo crime tem uma vítima e um culpado, pelo menos. A vítima acaba no hospital ou cemitério, mas o culpado geralmente vai para a cadeia, quando não morre antes. Como ser indiferente para com a homofobia se ela é a razão da infelicidade e destruição de tanta gente?
Criminalização da homofobia já!
Educação contra a homofobia e pela diversidade sexual e de gênero já!
O ser humano tende a se acostumar com o seu entorno, sejam os cenários, as relações interpessoais, os hábitos, as ideias etc. Infelizmente, graças a essa capacidade ou deficiência, dependendo do ponto-de-vista, o bicho homem é capaz de conviver com injustiças sem percebê-las ou sem querer pensa-las. Para piorar, há quem estranhe ou sinta-se desconfortável ao menor sinal de questionamento quanto ao status quo. Estes são geralmente chamados de conservadores e afins. Assim, diversos tipos de violência, injustiça, desigualdade vão convivendo com a indiferença dos que não atingidos pelos mesmos, e às vezes até pelos que são. Essa é a turma do “é assim mesmo”. Felizmente, existem sempre alguns que compreendem a urgência e a importância de um agir que promova transformações para uma condição mais justa e igualitária de existência. E, felizmente, não são apenas as pessoas atingidas por essas desigualdades que compõem esse pequeno grupo. Existem aqueles que, treinados na arte da solidariedade, compreendem que toda vez que um direito é negado, todos os demais correm o risco de serem usurpados – não importando quem seja a pessoa ou grupo em questão.
O que conhecemos hoje como Movimento LGBT, independentemente da época ou país, aspira tão-somente ao reconhecimento do direito a existir, viver, amar, trabalhar, expressar-se, acessar os serviços básicos nas áreas de saúde, educação, segurança, cultura, etc., sem discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. Pode soar estranho para pessoas que nunca enfrentaram homofobia em nível simbólico ou físico que coisas essenciais como alugar uma casa ou conseguir um emprego possam se tornar num verdadeiro tormento, mas existem coisas piores. Por exemplo, em países onde a homossexualidade é considerada crime, um homossexual pode ser preso e até morto por simplesmente amar alguém do mesmo sexo.
Sim, em pleno século 21 (já a caminho da segunda década!), 40% dos países membros das Nações Unidas ainda criminalizam atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo, de acordo com o relatório ILGA 2012 sobre homofobia patrocinada pelo Estado. Vale ressaltar que se trata de homofobia patrocinada pelo Estado, ou seja, aquela que é sancionada e executada pelo próprio Estado através de seu aparato jurídico, policial, etc. Em números absolutos, estamos falando de 78 países onde a vida de uma pessoa LGBT é insuportável.
Por outro lado, o relatório aponta que a homossexualidade é legal em 113 países membros das Nações Unidas. Destes, 55 dispõem de legislação contra a discriminação em razão da orientação sexual no local de trabalho. Em 10 deles, gays e lésbicas podem gozar plenamente de direitos conjugais iguais, e em 12 eles podem adotar crianças. Estes são alguns dos elementos que caracterizam o status legal de gays e lésbicas no mundo em maio de 2012, conforme o relatório citado.
Mas, de onde vem toda essa movimentação LGBT em busca de reconhecimento político, jurídico, social, cultural, etc.? Como foi que lésbias, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros deixaram de ser indivíduos indiferentes para com o sistema que os oprimia, para se tornarem militantes que exigem o devido status de cidadão pleno?
Para respondermos essa pergunta, vamos recuar um pouco na história:
O movimento pela cidadania plena dos indivíduos LGBT começou na Europa, ganhando projeção a partir de iniciativas da população LGBT americana, e sendo atualmente reconhecido como movimento civil legítimo em vários países do mundo, inclusive na Organização das Nações Unidas (ONU), onde o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) outorgou, em 26 de julho de 2011, o status consultivo à Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais (ILGA). Esse status permite que a ILGA assista e intervenha nas conferências da ONU e envie declarações. A ILGA passa assim a fazer parte das 750 organizações que têm caráter consultivo na ONU, mas comprometida a trabalhar pelos direitos de lésbicas, homossexuais, bissexuais, transexuais e intersexuais dentro das Nações Unidas. Os países que votaram a favor da outorga de status consultivo à ILGA foram Índia, Itália, Japão, Letônia, Malta, México, Mongólia, Nicarágua, Noruega, Peru, República de Coreia, Eslováquia, Espanha, Suíça, Ucrânia, Reino Unido, Estados Unidos, Venezuela, Argentina, Austrália, Bélgica, Canadá, Chile, Equador, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Hungria.
Os votos contra vieram do Egito, Marrocos, Arábia Saudita, a Namíbia, Iraque, Paquistão, Catar, China, Rússia, Senegal, Bangladesh, Camarões e Gana; e as abstenções da Guatemala, Mauricio, Filipinas, Ruanda, Bahamas e Costa do Marfim.
O secretário regional da ILGA na América Latina, Pedro Paradiso ressalta que o status consultivo para a organização é um “ato de justiça e um motivo de orgulho para a comunidade internacional”, já que supõe um avanço para que “os direitos humanos sejam realmente respeitados sem nenhum tipo de discriminação”.
“Nossas vozes e nossos esforços devem alcançar cada canto do mundo para conseguir que as diferentes orientações sexuais, identidades e expressões de gênero sejam respeitadas e protegidas por todos os Estados”, registra o site Terra.
Mas, não foi sempre assim. Na Europa
Tomando como referência a história recente, as primeiras linhas escritas sobre a discriminação aos homossexuais datam de 1869, e foram escritas por um médico húngaro, Karóly Benkert. Ele escreveu uma carta ao Ministério da Justiça alemão condenando o novo código penal alemão. Isso aconteceu porque seu artigo 175 declarava que os atos sexuais entre homens eram delito. Foi Benkert quem utilizou pela primeira vez – também nesta carta – o termo homossexual para denominar tais atos.
Tendo em vista a luta contra o artigo 175 do código penal alemão há que se reconhecer que os primeiros movimentos em defesa da liberação homossexual ocorreram na Alemanha do século 19. Em 1897 surgia o Comitê Científico e Humanitário (CCH), que promoveu diversas atividades relacionadas ao estudo da sexualidade até 1933, quando o nazismo desencadeou violenta perseguição, logo após assumir o poder na Alemanha. Hitler utilizou o código 175 para lançar centenas de milhares de homossexuais em campos de concentração fétidos e infectados por tifo e outras doenças, nos quais esses homens foram torturados, explorados com trabalhos forçados e degradantes, utilizados em sórdidos experimentos, e mortos impiedosamente.
Durante sua existência o CCH lançou as bases daquilo que seria o movimento homossexual no decorrer do século. Entre tantas coisas, o Comitê participou de inúmeras produções cinematográficas que discutiam a homossexualidade. A mais famosa delas foi “Diferente dos Outros”, de 1919, na qual Hirschfeld atuou no papel de um médico que procura convencer a sociedade que a homossexualidade não é crime nem doença. O discurso dele é válido até hoje:
“Nós devemos assegurar que brevemente chegará um tempo em que tragédias como esta [o suicídio do principal personagem gay] serão impossíveis de acontecer, porque o conhecimento irá superar o preconceito, a verdade irá superar as mentiras e o amor conquistará o ódio”.
As décadas de 1930 e 1940 foram marcadas por retrocessos e derrotas causados pelo fascismo e a guerra. Contudo, nos anos 50, o movimento homossexual internacional ganhou novo fôlego com a luta dos homossexuais norte-americanos contra a “caça às bruxas” promovida pelo senador McCarthy. Contudo, os pequenos grupos que surgiam na época eram apenas o prenúncio do poderoso movimento homossexual que iria surgir naquele país duas décadas depois.
Em 08 de dezembro de 2004, foi finalmente aberto ao público, em Berlim (Alemanha), o Museu Gay, conhecido como Schwules Museum. Este é o único museu do mundo dedicado exclusivamente aos assuntos relacionados à homossexualidade e possui um arquivo e uma biblioteca de tal monta que ele pode ser considerado um centro de pesquisa. Estudiosos e curiosos encontram ali publicações próprias do Schwules Museum com a história cotidiana dos grupos homossexuais e do movimento que deles surgiram.
Ao lado de Paris, Londres, Viena, Amsterdã e Roma, Berlim é uma das metrópoles europeias nas quais, desde 1700, é documentada a existência de um ‘submundo’ homossexual, com seus pontos de encontro, suas modas e até mesmo suas formas de falar. Essa riqueza cultural surge a partir da necessidade de se sobreviver como homossexual a uma cultura mainstream, geralmente preconceituosa ou indiferente.
Com fotos, roupas da época e documentos de todos os tipos, a mostra permanente revela como os homossexuais – sobretudo aqueles que tiveram a sorte de nascer em berço burguês – encontraram através desses círculos da Berlim do século XIX maneiras de expressar a sua admiração por pessoas do próprio sexo.
Mas, boa parte do exposto no Schwules Museum ilustra o ‘paraíso’ que a Berlim da República de Weimar representou para os homossexuais nos anos 20, quando surgiram os primeiros filmes e revistas homossexuais do mundo. Foi nesse solo político-cultural que se organizou um movimento que não temia expressar-se. Nazismo
Apesar de inicialmente ser respeitada nos quartéis da SA de Ernst Roehm (uma das organizações paramilitares do movimento nacional-socialista), a homossexualidade passou logo a ser reprimida, sendo os próprios SA lançados em campos de concentração nazista por sua orientação sexual.
Pesquisadores recopilaram testemunhos de sobreviventes, sobretudo do campo de Sachsenhausen, aos arredores de Berlim, onde se calcula que morreram pelo menos 600 homossexuais, de acordo com o responsável de comunicação do museu, Gerrit Rohrbacher.
Prisioneiros marcados com o triângulo rosa para indicar o motivo de sua prisão: homossexualidade
O Schwules Museum também aborda os acontecimentos pós-guerra, tais como a vida gay na extinta República Democrática da Alemanha (RDA) e a luta no Oeste pela supressão do parágrafo 175 do Código Penal, que castigava a homossexualidade, e que era baseado em uma lei prussiana de 1851, assumida pela Alemanha do pós-guerra em 1949 e recrudescida pelos nazistas. O parágrafo 175 foi o cavalo de batalha do movimento homossexual alemão, que obteve sua eliminação em 1994, ou seja, quase cinquenta anos depois que os nazistas assinaram sua rendição, selando o fim da Segunda Guerra Mundial.
Enquanto judeus e outros sobreviventes dos campos de concentração recebiam apoio governamental e reparações, os gays sobreviventes ao massacre ainda tinham que esconder sua dor, porque a lei continuava criminalizando seu afeto. Como reparar ou apoiar alguém que foi preso com base no código penal (parágrafo 175)? Sobre esse assunto, é indispensável a leitura do recém-lançado livro de um homossexual sobrevivente dos campos de concentração nazista, “Eu, Pierre Seel, Deportado Homosseuxal”, Editora Cassará, Rio de Janeiro, 2012.
A eliminação do parágrafo 175 foi uma vitória importante, mas tardia para aqueles que foram obrigados a ostentar o triângulo rosa, sinal de encarceramento por ser homossexual. Nos Estados Unidos
A década de sessenta foi marcada pela revolução nos costumes e no comportamento de amplos setores da sociedade em vários países capitalistas. O ano de 1968 entrou para a história como o ano da rebeldia estudantil. Já 1969 é um marco para a luta pelos direitos dos homossexuais. Em 28 de junho daquele ano, a polícia de Nova York promoveu uma de suas costumeiras batidas em um bar frequentado por homossexuais, o bar Stonewall, em Greenwich Village. Mas, desta vez a história foi bastante diferente das anteriores. Cansados das humilhações e perseguições, os homossexuais que estavam no bar, liderados por travestis, resistiram à polícia, trancando-os dentro do bar e ateando fogo ao recinto. A batalha que tinha pedras e garrafas como armas, e envolveu milhares de pessoas, prolongou-se durante toda a madrugada do dia 28 e nas quatro noites posteriores.
No primeiro aniversário da rebelião, 10 mil homossexuais, provenientes de todos os estados norte-americanos marcharam sobre as ruas de Nova York, demonstrando que estavam dispostos a seguir lutando por seus direitos. Desde então, “28 de junho” é considerado o Dia Internacional do orgulho Homossexual.
Concomitantemente, o fundamentalismo religioso sofria um golpe em seu próprio terreno. Surgia uma das maiores denominações cristãs do mundo, porém com uma visão inclusiva que não apenas aceitava, mas celebrava a diversidade sexual, tanto no corpo da igreja como no ministério eclesiástico. Tratava-se da Metropolitan Community Church (Igreja da Comunidade Metropolitana), cujo início se deu a partir de um culto no subúrbio de Los Angeles em 1968, sob o comando do Pr. Troy Perry. Atualmente, a Igreja da Comunidade Metropolitana conta com 43.000 membros e agregados em mais de 300 congregações em 22 países. Troy Perry, porém, não foi o primeiro pastor a rever o método de interpretação das escrituras cristãs.
O pioneirismo teológico fica por conta de Cânone Derrick Sherwin Bailey (1910-1984), que foi o primeiro estudioso a reavaliar entendimento tradicional das proibições bíblicas sobre a homossexualidade. Ele foi clérigo e cônego residente da Catedral de Wells [em Somerset, Inglaterra]. Embora não fosse um teólogo ou pesquisador acadêmico da Bíblia em tempo integral, após a Segunda Guerra Mundial ele liderou um pequeno grupo de clérigos anglicanos e médicos para estudar a homossexualidade. Suas conclusões foram publicadas em um relatório em 1954, chamado The Problem of Homossexuality (O Problema da Homossexualidade) produzido para a Igreja da Inglaterra [Igreja Anglicana] e tiveram influência moderadora no subsequente posicionamento da igreja nos assuntos morais levantados pela homossexualidade. O trabalho de Bailey e seus colegas também abriu o caminho para o progressivo [relatório] Wolfenden Report (1957), que foi seguido uma década depois pela descriminalização da conduta homossexual entre adultos consensuais na Inglaterra e País de Gales. Como um projeto separado resultante desse trabalho, ele ocupou-se em um estudo histórico que resultou na publicação de seu livro pioneiro fundamental “Homosexuality and the Western Christian Tradition” [=’homossexualidade e a tradição cristã ocidental’]. Embora esta monografia tenha sido criticada, mesmo assim ela foi um ponto de referência neste assunto, combinando a investigação minuciosa das evidências bíblicas com um levantamento da história subsequente. O livro de Bailey chamou atenção para vários assuntos negligenciados, como registros/testamentos de heranças (intertestamental literature), legislação de imperadores cristãos, registros penitenciários, e a correlação entre heresia e sodomia. Desde então a sua obra foi superada por análises mais extensivas por acadêmicos especializados na Bíblia; mas seu trabalho teve uma influência importante nas primeiras obras por historiadores que se seguiram (por exemplo, John Boswell com “Christianity, Social Tolerance, and Homosexuality” [=’cristianismo, tolerância social, e homossexualidade’], e Mark D. Jordan com “The Invention of Sodomy in Christian Theology” [=’a invenção da sodomia na teologia cristã’], e acadêmicos com especialização bíblica, como William Countryman com seu livro “Dirt, Greed, and Sex” [=sujeira, ganância, e sexo’]). Também foi importante por influenciar as conclusões do British Wolfenden Report [=’relatório wolfenden britânico’], o qual levou à descriminalização da homossexualidade no Reino Unido, e mais tarde às deliberações da Igreja Anglicana sobre o assunto.
Atualmente, não somente as igrejas chamadas inclusivas, como é o caso da Igreja da Comunidade Metropolitana, mas até mesmo algumas igrejas tradicionais como a Igreja Presbiteriana americana já tem pastor assumidamente homossexual atuando no ministério. Este é o caso de Scott Anderson, o primeiro pastor presbiteriano reconhecidamente gay, que foi ordenado em 08 de outubro de 2011. Antes deles, porém, a Igreja Episcopal já tinha consagrado o primeiro bispo episcopal gay dos EUA, o bispo Gene Robinson, em novembro de 2003, seguido de uma bispa assistente e assumidamente lésbica, a Reverenda Mary Glasspool em dezembro de 2009. Diversas outras denominações têm se aberto para discutir a inclusão de ministros gays em seus quadros, bem como a celebração de casamentos e outras práticas religiosas comunitárias.
Isto, porém, não é exclusividade do cristianismo protestante, visto que outras religiões tradicionalmente antipáticas aos homossexuais estão revendo seus conceitos e se tornando mais solidárias às demandas dessa parcela da população. Este é o caso dos judeus e dos muçulmanos, tanto Imãs quanto seguidores. Até mesmo o catolicismo que é um dos mais ferrenhos perseguidores de homossexuais da história, tendo inclusive torturado e assassinado inúmeros homossexuais através dos tribunais da Inquisição, não consegue evitar o fluxo da história e o apelo que os direitos fundamentais dos seres humanos exerce sobre seus sacerdotes (vide Frei Betto e Frei Gilvander Moreira e a freira americana Margaret A. Farley), além de organizações para-eclesiásticas que mobilizam seguidores.
Voltando às mobilizações e manifestações dos anos 70, vale ressaltar que estas resultaram no surgimento de centenas de organizações de gays e lésbicas, e que estas organizações obtiveram importantes conquistas como as seguintes:
1. Fizeram a Associação Nacional de psiquiatria rediscutir a classificação dos homossexuais como doentes;
2. Impuseram fim à proibição de homossexuais nos serviços públicos em diversas cidades e estados;
3. Obtiveram a anulação de leis que puniam criminalmente a sodomia em dezoito estados dos EUA;
4. Conseguiram a aprovação de leis em várias cidades proibindo a discriminação nos locais de trabalho e moradia.
Porém, os avanços conquistados no início da década foram sistematicamente atacados durante o decorrer dos anos 70 e 80. O aprofundamento da crise econômica mundial abriu espaço para um discurso conservador que fez com que muitas leis anti-discriminatórias fossem revogadas apesar da resistência dos grupos organizados e da comunidade homossexual em geral. Um dos exemplos mais importantes desse embate se deu em Miami, na Flórida, em 1977. A derrota de uma lei em defesa dos direitos homossexuais levou centenas de milhares de pessoas às ruas. Já em São Francisco, 250.000 pessoas saíram às ruas em protesto contra os ataques aos direitos homossexuais e para repudiar o assassinato de um membro da comunidade por três adolescentes.
Na medida em que a onda conservadora avançava e os direitos legais eram retirados, aumentavam também os ataques físicos aos homossexuais. O caso mais famoso foi sem dúvida o assassinato de Harvey Milk, em São Francisco, o primeiro vereador assumidamente gay eleito nos EUA.
Em novembro de 1978, um ex-policial e vereador, Dan White, assassinou Milk e o prefeito da cidade dentro da própria prefeitura. O assassinato provocou uma onda de manifestações em nível nacional e internacional, que teve seu ápice em maio do ano seguinte, quando White, apesar de todas as evidências, recebeu a sentença mínima (oito anos, com direito à liberdade condicional depois de cinco).
Diante deste resultado, 10 mil pessoas se concentraram na frente da prefeitura para protestar. A manifestação evoluiu rapidamente em um violento confronto com a polícia que teve como saldo 119 feridos (entre policiais e manifestantes), danos generalizados no prédio da Prefeitura e vários carros queimados. A revolta dos manifestantes foi ainda maior diante dos policiais que os atacavam aos berros dizendo que era chegada a hora de “limpar a cidade” e retoma-la das mãos dos “veados”. Atualmente, policiais do departamento de polícia de San Francisco, não apenas respeitam a população LGBT, como alguns deles ainda produziram um vídeo para a campanha It Gets Better, no qual falam a jovens LGBT a partir de sua própria experiência de superação do preconceito homofóbico.
Desde a eleição (e o injustificável assassinato) de Harvey Milk, novas vitórias foram conquistadas, mas sempre ao preço de embates com políticos ultraconservadores e religiosos fundamentalistas. A mais recente vitória foi a aprovação do casamento gay em diversos estados americanos, a suspensão da política do “Não Pergunte, Não Fale” nas Forças Armadas – o que garante que o militar homossexual não seja discriminado por causa de sua sexualidade -, e dois discursos do Presidente Barack Obama – um para jovens LGBT, encorajando-os a resistirem firmes contra o bullying homofóbico que tem estimulado o suicídio de vários deles; e outro sobre a legitimidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, mandando um recado importante para a nação e para o mundo sobre os direitos civis da população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Transexuais, Travestis, e Intersexo). No Brasil
Historia do Movimento LGBT Brasileiro Histórico do movimento Homossexual Brasileiro de 1978 a 1991 28 de Junho de 1969 é a data que marca o início do moderno movimento gay mundial, graças ao conflito no Bar Stonewall em Nova York, conforme mencionado anteriormente. Assim, o dia 28 de Junho ficou mundialmente conhecido como o “Dia Internacional do Orgulho Gay e Lésbico”. Atualmente, fala-se em Orgulho LGBT (ou até mesmo LGBTI) para ampliar a noção de diversidade sexual e de gênero.
No Brasil, os desdobramentos foram diversos. Em 1978 foi fundado o jornal O Lampião, o principal veículo de comunicação da comunidade homossexual. Em Março de 1979, surgia em São Paulo o primeiro grupo brasileiro de homossexuais organizados: o Somos. Depois deste, surgiram o Somos/RJ; o Grupo Gay da Bahia; o Dialogay de Sergipe; o Atobá e Triângulo Rosa no Rio de Janeiro; o Grupo Lésbico-Feminista de São Paulo; o Dignidade de Curitiba; o Grupo Gay do Amazonas; o Grupo Lésbico da Bahia; e assim por diante. Em 1980 foi realizado em São Paulo, o 1° Encontro Brasileiro de Homossexuais. Quatro anos mais tarde, em 1984, realizou-se 2º EBHO (Encontro Brasileiro de Homossexuais) em Salvador. Onze anos depois (1995), Curitiba recebia o VIII Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis. Neste ano, o Movimento Homossexual Brasileiro já contava com aproximadamente 50 grupos, espalhados pelo território nacional, incluindo quatro grupos de lésbicas, quatro grupos de travestis e o recém-fundado Grupo Brasileiro de Transexuais (Cuiabá), o primeiro do gênero na América do Sul. Porque os homossexuais se organizam em grupos?
Um grupo homossexual funciona como uma espécie de sindicato para defesa da categoria, reunindo forças para lutar contra a discriminação e pressionar o poder público a garantir os direitos de cidadania dos gays, lésbicas, travestis e transexuais. Os bissexuais no Brasil ainda são tímidos quanto à mobilização, mas nos EUA e na Europa, eles formam organizações atuantes.
Basicamente, são três os objetivos do Movimento Homossexual Brasileiro: lutar contra todas as expressões de homofobia (intolerância à homossexualidade); divulgar informações corretas e positivas a respeito da homossexualidade; conscientizar gays, lésbicas, travestis e transexuais da importância de se organizarem para garantirem plenos direitos civis e políticos. Os grupos homossexuais funcionam através de reuniões onde seus membros e visitantes discutem informalmente sobre os principais problemas do dia a dia de suas comunidades, planejam ações de divulgação de seus objetivos, além de funcionarem como grupo de apoio no processo individual de cada homossexual na conquista de sua autoestima, divulgando informações e estratégias de prevenção da AIDS e das demais DST.
O Movimento Homossexual Brasileiro tem apenas duas décadas de existência, mas tem obtido importantes vitórias no reconhecimento dos direitos humanos dos gays, das lésbicas, das travestis e das transexuais. Uma dessas vitórias foi registrada em 1985, quando o Conselho Federal de Medicina declarou que a homossexualidade não mais poderia ser classificada como “desvio e transtorno sexual”. Outra vitória foi em 1989, quando se deu a inclusão de proibição contra a discriminação por orientação sexual no Código de Ética dos Jornalistas. Em l990, nas leis orgânicas de 73 municípios e nas constituições dos Estados de Sergipe, Mato Grosso e Distrito Federal, foi incluída a expressa proibição de discriminar por orientação sexual. Denúncias de violação dos direitos humanos e assassinatos de homossexuais foram publicados no Relatório Anual do Departamento de Estado dos Estados Unidos (1992). Em 1995 realizou-se no Brasil a 17ª Conferência da Associação Internacional de Gays e Lésbicas, (ILGA). Foi também em 31 de janeiro de 1995, na cidade de Curitiba, Paraná, que a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis) foi criada para lutar pelos direitos humanos e civis de gays, lésbicas e travestis, estendendo-se também aos transexuais e transgêneros. O objetivo da ABGLT, conforme sua Carta de Princípios, é lutar pela promoção da livre orientação sexual, pela liberdade, justiça social, democracia, pluralidade e diversidade de gêneros. A ABGLT disponibiliza os contatos de organizações que oferecem apoio jurídico e psicológico à população LGBT.
De lá para cá, várias conquistas civis têm sido registradas, sendo a mais valiosa o reconhecimento das uniões civis entre pessoas do mesmo sexo em plena igualdade com as uniões civis entre pessoas de sexo diferente. A decisão foi do Supremo Tribunal Federal em maio de 2011, e foi recebida como um grande avanço no que diz respeito aos direitos civis da população LGBT do Brasil.
Em nível estadual, o Rio de Janeiro é atualmente o mais inclusivo para a população LGBT, graças à gestão do Governador Sergio Cabral, que criou a Superintendência de Direitos Individuais Coletivos e Difusos (SEASDH), cujo Superintendente é Cláudio Nascimento, um dos mais atuantes militantes gays do Brasil, com grande experiência, tendo sido por muitos anos presidente do Grupo Arco-Íris (sediado no Rio de Janeiro), atualmente presidido por Júlio Moreira. Um dos pontos fortes da SEASDH é a campanha Rio sem Homofobia, que promove várias ações de combate ao preconceito e à discriminação contra LGBT, bem como ações de inclusão desse segmento, promoção da cultura LGBT, e conscientização dos servidores públicos sobre temas relevantes para essa parcela da população. Os principais campos de ação incluem educação, saúde, segurança, cultura, meio ambiente e administração penitenciária. A SEASDH também mantém Centros de Referência LGBT na cidade do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Friburgo, Niterói, e está preparando outros para inauguração em breve. Além de serviços prestados gratuitamente na área jurídica, psicológica e de assistência social, os Centros de Referência ainda mantém um serviço permanente denominado Disque Cidadania LGBT (0800 0234567) que oferece todo tipo de orientação e apoio a essa parcela da população carioca e fluminense.
A mobilização das organizações civis e o diálogo com os representantes políticos e instituições governamentais teve seu ponto alto na I Conferência Nacional LGBT, convocada (em 2008) pelo então Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva. A II Conferência Nacional LGBT foi realizada em 2011. Apesar disso, porém, o Congresso Nacional e o Senado Federal ainda não aprovaram o casamento igualitário ou o projeto de lei que criminaliza a homofobia no Brasil. Ambas as leis já foram reconhecidas em outros países da América Latina, tais como o Chile, onde homofobia é crime atualmente, e Argentina, onde o casamento não discrimina mais o sexo dos nubentes.
Com o advento da Internet com seus sites, blogs, redes sociais etc., o Movimento LGBT Brasileiro ganhou novos contornos, deixando de ter sua agenda construída apenas pelas organizações não-governamentais ou os chamados ‘grupos gays’, que sentem “o pulso” da comunidade LGBT quanto às suas demandas, a partir de diferentes interações e novas possibilidades de observação social. Isso significa que atualmente, a sociedade civil – com sua individualidade reforçada pela livre comunicação proporcionada pela Internet – também participa do Movimento LGBT Brasileiro.
——————————————————————————– Algumas datas marcantes para a população LGBT do Brasil
1500: Ao desembarcarem no Brasil, os portugueses ficam admirados com os índios praticantes do “abominável pecado de sodomia”;
1547: Chega ao Brasil Estêvão Redondo, considerado o primeiro homossexual degredado para o Brasil;
1821: É extinta a inquisição, eliminando-se a pena de morte contra os sodomitas;
1830: Entra em vigor o Código Penal do Império Brasileiro, que exclui o crime de sodomia;
1978: Fundação do Somos, primeiro grupo em defesa dos direitos LGBT do Brasil;
1980: Fundação do Grupo Gay da Bahia, em Salvador, o mais antigo grupo LGBT ainda em funcionamento na América Latina;
1983: No dia 19 de agosto, as lésbicas que frequentavam o Ferro’s Bar, em São Paulo, revoltaram-se contra a discriminação que as ativistas do Grupo de Ação Lésbico-Feminista (GALF) sofriam no local. A ocupação do bar é considerada o “Stonewall brasileiro“.
1985: O Conselho Federal de Medicina retira o homossexualismo da classificação de doenças;
1989: as constituições dos estados de Mato Grosso e Sergipe explicitamente proíbem discriminação contra orientação sexual.
1993: Estreia do Festival Mix de Cinema e Vídeo da Diversidade Sexual, realizado por André Fisher, depois de ter sido convidado pelo New York Lesbian and Gay Experimental Film Festival, que decidiu ampliar seu alcance para outros países. Depois disso, o Departamento de Cinema do Museu da Imagem e do Som decidiu sediar uma edição brasileira do festival, que ganhou o nome de I Festival Mix Brasil e estreou no dia 5 de outubro de 1993. Este ano (2012), o Festival está realizando sua 20ª edição.
1995: É fundada a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABLGT), em Curitiba, a maior entidade em defesa dos direitos LGBT da América Latina;
1995: Marta Suplicy propõe o projeto de lei 1151, relativo à união civil;
1995: Primeira Parada do Orgulho Gay de Copacabana (hoje, Orgulho LGBT)
1997: Primeira Parada do Orgulho Gay de São Paulo (hoje, Orgulho LGBT). Foram realizadas 54 Paradas do Orgulho LGBT no Brasil em 2011.
2000: O INSS é obrigado pela justiça federal a conceder, em todo o país, pensão por morte e auxílio-reclusão ao companheiro homossexual;
2004: O Rio Grande do Sul determina aos cartórios de Títulos e Documentos que registrem uniões homoafetivas;
2006: É sancionada a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), a primeira lei federal no país a prever expressamente a união homoafetiva (feminina);
2008: É convocada a I Conferência Nacional LGBT pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva;
2008: O dia 19 de agosto foi marcante para a comunidade transexual, pois desde então, o SUS passou a oferecer a cirurgia de transexualização. Quatro hospitais universitários foram os pioneiros: Hospital de Clínicas de Porto alegre (UFrGS), Hospital Universitário Pedro Ernesto (Universidade estadual do rio de Janeiro), Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Hospital das Clínicas (Universidade Federal de Goiás).
2010: Jean Wyllys é eleito deputado federal, sendo o primeiro parlamentar assumidamente gay e publicamente comprometido com a defesa dos direitos LGBT na Câmara dos Deputados.
2010: O Ministério da Fazenda, através de uma portaria, estendeu o direito de declaração conjunta para os casais homoafetivos.
2011: A presidente Dilma Rousseff convoca a II Conferência Nacional LGBT;
2011: O STF equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo à de união estável. Ficam assegurados diversos direitos, tais como direito à pensão alimentícia em caso de separação, divisão dos bens, pensão do INSS em caso de morte do segurado, entre outras coisas. Por estarem sujeitas à Constituição, conforme palavras do próprio Ministro das Forças Armadas, Nelson Jobim, em 07 de maio de 2011, todos os direitos assegurados pela decisão do STF estão igualmente garantidos para os casais homoafetivos, nos quais um ou dois parceiros estejam nas forças armadas, exatamente como se dá com os militares heterossexuais vivendo sob o mesmo regime.
2012: São Paulo anuncia para 2013 a inauguração do primeiro museu gay da América Latina. O espaço deverá ser construído na estação República do Metrô. O Centro Cultural Memória e Estudos da Diversidade Sexual do Estado de São Paulo terá 150 metros quadros e sua função será o resgate da história do movimento gay em São Paulo. Atualmente, as únicas cidades que têm museus semelhantes são Berlim e São Francisco. Será, sem dúvida, um importante referencial para os interessados na história e na cultura LGBT e sua relação com a maior cidade do Brasil. Para onde vai o Movimento LGBT?
As duas grandes demandas atuais do Movimento LGBT e da comunidade LGBT são o casamento igualitário e a criminalização da homofobia. As duas coisas estão ligadas, pois não é possível viver uma relação conjugal plena se a homofobia dos desafetos agride e mata os LGBT ao menor sinal de homoafetividade. Por outro lado, a mera preservação da vida não garante a liberdade de amar a quem se deseja. Levando em conta que a união civil já garante a maior parte dos direitos que um casamento pode assegurar, muitos homossexuais consideram a criminalização da homofobia mais urgente. De qualquer modo, ambas as demandas são legítimas e merecem a carinhosa atenção dos legisladores e a constante pressão da sociedade para que se efetivem o mais rápido possível.
Com a vitória da cidadania, toda a sociedade sai ganhando, porque quanto mais justa e igualitária for uma nação, mais próspera e feliz, ela será. Garantir direitos a essa parcela da população não é subtrair direitos a ninguém. Por isso, não se justifica a perseguição dos poucos, porém barulhentos, oponentes que ainda se agarram a conceitos ultrapassados e muitas vezes arraigados em preconceitos sem o menor fundamento.
O Movimento LGBT deve muito às organizações não-governamentais que atuam no âmbito político e precisa continuar apoiando essas organizações e contando com elas. Porém, o Movimento LGBT não se restringe às ONGs. Ele é composto por uma rede de iniciativas que incluem acadêmicos, escritores, artistas, atores, produtores de cinema e de teatro, empresários que investem no mundo do entretenimento e do chamado turismo LGBT, publicações periódicas como revistas e jornais, livros, música, religiões atualmente denominadas inclusivas, livres pensadores, ateus, políticos eleitos, sites, blogs, grupos em redes sociais, e por aí vai. São pessoas que como quaisquer outras constroem suas biografias de acordo com seus afetos, identidades e sonhos. Cada uma dessas pessoas precisa estar consciente do seu papel e unir forças na promoção da cidadania plena para todos, sem distinção de orientação sexual, identidade de gênero, raça, sexo, religião etc. Entretanto, sem as organizações que apresentam aquelas demandas que muitas vezes passam longe da atenção da mídia, não conseguiríamos estabelecer definitivamente a cidadania LGBT plena. Veja AQUI quanta coisa está envolvida nisso e por que devemos apoiar o Movimento LGBT organizado.
Levando em conta que este texto está sendo publicado no site oficial de uma organização que reúne humanistas ateus e agnósticos, vale ressaltar que quando o LGBT é ateu, ele sofre ainda mais preconceito, porque além da homofobia, ele também sofre a “ateofobia”. E por serem alvo de preconceito e discriminação, os ateus e agnósticos compartilham um lugar comum com os LGBT.
Por isso, 28 de junho é o Dia do Orgulho LGBT e deve ser celebrado não só por pessoas homoafetivas, mas por todos os que amam a liberdade e valorizam a individualidade humana na coletividade do que chamamos humanidade. Todos os que aspiram à igualdade de direitos respeitando a diversidade dos seres. Enfim, todos os que consideram a felicidade humana como um valor. E é por isso que ninguém mais do que os humanistas pode dizer: Viva a diversidade humana, inclusive sexual e de gênero! Viva 28 de junho – o Dia do Orgulho LGBT! * Sergio Viula é Presidente do Conselho LGBT da LiHS, Liga Humanista Secular do Brasil
ILUSTRAÇÕES:
Derrick Shewin Bailey, Teólogo Gay Pioneiro
Harvey Milk, primeiro vereador americano assumidamente gay – São Francisco, Califórnia
Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB)
Deputado Jean Wyllys
Toni Reis (à esquerda), presidente da ABGLT e seu marido David Harrad celebrando sua união civil
Cláudio Nascimento Silva (Superintendente da SEASDH) e João Silva, casados
André Fischer – Mix Brasil
João Nery – o primeiro transhomem do Brasil
Roberta Close – a mais famosa transmulher do Brasil
Jane di Castro – canta o hino nacional há quinze anos na abertura da Parada do Orgulho LGBT de Copacabana (Rio)
Nany People – uma das mais famosas drag queens do Brasil
Julio Moreira, coordenador do Grupo Arco-Íris no Rio de Janeiro
Miriam Martinho, uma das primeiras militantes lésbicas do Brasil
O museu alemão que relembra as vítimas gays do holocausto e celebra a diversidade sexual
Esse assunto tem estado muito em evidência ultimamente, e
deve ter gente se perguntando por que há tanta insistência no assunto. Afinal, já não se falou o suficiente? As
pessoas já não estão ‘carecas’ de saber?
Sim, as pessoas sabem que o bullying acontece, mas é só. A
solução ainda está longe de ter sido alcançada, e isso porque envolve uma série
de fatores.
Bullying em geral já é ruim, mas quando acontece com alguém
por motivos que ele ou ela consegue conversar com os pais ainda há uma saída,
porque os pais podem ir à escola e conversar com a direção e os professores e
tentar achar uma solução. Um trabalho interessante neste sentido foi feito em
uma escola em Porto Alegre e pode ser visto aqui: “CAMINHOS DA ESCOLA ESPECIAL -DESAFIO BULLYING“.
No entanto, quando se trata de adolescentes LGBT o panorama
muda. Muitas vezes o/a adolescente não pode contar para os pais que sofre
bullying na escola pelo simples motivo de que ele não pode contar sobre a sua
homossexualidade para os pais. A maioria dos pais não está preparada para lidar
com essa realidade, existem inúmeros relatos de jovens LGBT que são obrigados a
esconder da família o que são e, portanto, também não podem contar com a ajuda
dos pais para tentar uma solução junto à escola. Isso leva a situações como
essa descrita em um artigo da Unesco, sobre evasão escolar:
Bullying homofóbico colabora com evasão escolar, diz Unesco“Pesquisas
recentes, como o estudo Discriminação em razão da Orientação Sexual e da
Identidade de Gênero na Europa, do Conselho da Europa, identificaram que como
resultado do estigma e da discriminação na escola, jovens submetidos ao assédio
homofóbico são mais propensos a abandonar os estudos. Também são mais
predispostos a contemplar a automutilação, cometer suicídio e se engajar em atividades
ou comportamentos que apresentam risco à saúde.”
Essa situação de isolamento total, na qual o/a jovem não
pode contar com ninguém para ajudá-lo pode levar a extremos como o suicídio e
outros problemas. Um caso ocorrido no Brasil ilustra o abandono em que se
encontram jovens assim:
Mesmo quando não chega a esse ponto, há sérias consequências.
Em um estudo feito nos EUA concluiu-se que há uma tendência maior à depressão e
ao comportamento de risco e de contrair DSTs.
EUA: Novos dados relacionambullying homofóbico na escola com o suicídio, VIH e doenças sexualmente transmissíveisJovens adultos LGBT que relataram altos
níveis de vitimização LGBT na escola durante a adolescência tiveram 5,6 vezes
mais probabilidade de terem tentado suicídio, 5,6 vezes mais probabilidade de
uma tentativa de suicídio que necessitaram de cuidados médicos, 2,6 vezes mais
probabilidade de relatar níveis clínicos de depressão, e duas vezes mais
probabilidade de ter sido diagnosticado com uma doença sexualmente
transmissível e de comportamentos de risco para a infecção VIH, em comparação
com os colegas que relataram baixos níveis de vitimização da escola.Homens jovens adultos gays, bissexuais e transgéneros relataram níveis mais
elevados de vitimização LGBT na escola do que as mulheres lésbicas e bissexuais
jovens.Jovens adultos LGBT que relataram níveis mais baixos de vitimização na escola
relataram níveis mais elevados de auto-estima, satisfação de vida e integração
social em comparação com os pares com maiores níveis de vitimização da escola
durante a adolescência.
No Brasil a situação não é diferente. Conforme um estudo feito
aqui:
Maioria dos jovens brasileiros discrimina homossexuais, diz estudoUm estudo
coordenado pela pesquisadora Miriam Abramovay apontou que 45% dos alunos e 15%
das alunas não queriam ter colegas homossexuais.Conforme
Miriam, esse preconceito se traduz em insultos, violências simbólicas e
violência física contra os jovens homossexuais. Ela destaca que se trata de
violência homofóbica, por parte de toda a sociedade, inclusive de familiares, e
não apenas bullying (que é a violência entre pares). De acordo com a
pesquisadora, essa violência gera sentimentos de desvalorização e sentimentos
de vulnerabilidade nos jovens homossexuais.Diante
desses fatos, a deputada Erika Kokay (PT-DF) apontou como urgente que o governo
retome o projeto Escola sem Homofobia.
Em uma entrevista feita recentemente com o deputado Jean
Wyllys, ele conta um pouco sobre a sua própria
experiência como vítima de bullying na escola:
Violência contra homossexuais tem origem na infância, diz Jean WyllysDeputado
contou sua própria experiência durante o seminário.O deputado
Jean Wyllys (Psol-RJ) destacou há pouco que a violência contra os homossexuais,
que inclui casos diários de assassinatos, tem origem na infância. Ele participa
do 9º Seminário Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(LGBT), organizado pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias; e de
Educação e Cultura.Wyllys, que
é coordenador da Frente Mista pela Cidadania LGBT na Câmara, deu depoimento
pessoal sobre sua infância em Alagoinhas, no interior da Bahia. Ele não se identificava,
a partir dos 5 anos, com “coisas de meninos”, como futebol. “Eu gostava de
fazer desenhos, brincar de roda, de cantar e de brincar de boneca com as minhas
primas. Eu gostava de coisas de menina”, disse. Segundo ele,
nessa época começou a ser chamado de apelidos ofensivos e receber outras
injúrias, além de ser vítima de violência física, por parte de outras crianças
e também por parte de adultos, inclusive familiares. “Essas crianças não recebem nenhuma defesa na escola, e os professores
muitas vezes inclusive culpam as crianças pelas injúrias recebidas”,
afirmou. “Quem mandou ter esse
jeitinho?, perguntam as professoras”. Segundo ele, os efeitos do tratamento
hostil nas crianças e adolescentes vão da timidez a deficiências da fala,
chegando a psicoses.
A quem cabe resolver o problema? Àquele que tem o poder para
isso. Diante de tantas evidências de que o bullying de fato ocorre nas escolas,
e considerando que os pais e professores estão sem nenhum preparo para lidar
com a situação, fica muito claro que a solução precisa vir das autoridades. O
Kit Anti-Homofobia que foi vetado pela presidente Dilma é uma das coisas de que
precisamos para mudar o panorama do bullying nas escolas.
A omissão descrita por Jean Wyllys na entrevista parece ser
comum. Como se pode ver no vídeo sobre o suicídio ocorrido no Brasil, a
professora também se omitiu. Pode-se concluir que muitos professores se omitem
possivelmente porque eles mesmos são homofóbicos. Embora não cometam violência
eles mesmos, permitem que aconteça. Nas palavras do irmão do menino de 14 anos que
se suicidou: “olha aí ó, meu irmão tá apanhando aí, tem uns moleque
batendo nele aí. Aí ela [a professora] ‘ah,
não tenho nada a ver com isso, a briga é de vocês’ “
Quando a criança sai do ambiente da família para o ambiente
maior que é a escola, em seu processo gradual de se inserir na sociedade, ela
precisa ser protegida. Não é correto tratá-la como se fosse uma pessoa adulta,
já plenamente capaz de se defender, nem de agressões verbais, muito menos físicas.
E muitas vezes a orientação tem que vir de cima: são as autoridades que
precisam mandar um recado muito claro de que a omissão diante desse tipo de
conduta é inadmissível.
Åsa Heuser
vice-presidente da LiHS
para o Conselho LGBT da LiHS