A escola deve ser um lugar seguro para todas as crianças, sem exceção.

Maio é um mês bastante movimentado na agenda do movimento LGBT nacional. Em meados do mês, ocorrerão em Brasília a 3ª edição da Marcha Nacional Contra a Homofobia, o 9º Seminário LGBT no Congresso Nacional e uma Audiência Pública para tratar da criminalização da homofobia e da violência homofóbica. Esses eventos, nos dias 15 e 16, marcam a passagem do Dia Internacional Contra a Homofobia (17 de maio).

A Marcha Nacional chega à terceira edição e consolida-se como a manifestação política mais proeminente do movimento em âmbito nacional se considerarmos as Paradas do Orgulho LGBT como eventos não exclusivamente políticos, como avaliam alguns. O tom da Marcha é, até mesmo por sua realização no centro político do país, mais característico da ideia clássica de uma manifestação política. Os eventos desse ano, entretanto, trazem algumas singularidades interessantes, e vou apenas mencionar uma delas para tratar mais detidamente de uma outra.
A Audiência Pública será mais uma das várias que já foram feitas para discutir a criminalização da homofobia. O fato é que o PLC 122 está emperrado no Senado Federal, e de audiência em audiência, não se votou o projeto em plenário ainda. Esta edição tem um grande mérito, entretanto, ao dar cara e voz mais explícitas ao objeto deste projeto e desta demanda histórica do movimento. A meu ver, as histórias de vítimas da homo/les/transfobia são o elemento central neste momento, porque as discussões de legalidades e tecnicalidades já foram exaustivamente feitas. É preciso compartilhar estas histórias de violências físicas, psicológicas e morais que atingiram jovens e adultos gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais; que atingiram as mães e os pais destes LGBTs, bem como seus amigos e colegas.
A terceira mesa prevista para a Audiência trará testemunhos de homofobia. Se eu vejo esta mesa como o ponto central, creio, infelizmente, que a mesa seguinte (e final) é que terá maior destaque: a recente e intensa polarização entre Toni Reis, presidente da ABGLT, e Silas Malafaia, pastor televangelista, tem atraído a atenção não só do movimento como também da mídia. Por alguma razão de outra ordem que não a competência, a mesa “A criminalização da homofobia: aspectos constitucionais e legais” terá a presença do pastor Silas Malafaia junto de três advogados. Os três têm competência para tratar de aspectos legais e constitucionais sobre a criminalização da homofobia. Vários outros juristas que não querem o PLC 122 aprovado poderiam estar na mesa para contrapor os argumentos jurídicos dos três primeiros. Aparentemente, eles não têm interesse em ir na Audiência ou nem estão sabendo do debate. Só Silas Malafaia, cuja formação é em Psicologia e a “especialização” é em retórica, adquirida em décadas de televisão. Enfim, não vou me alongar sobre o pastor Malafaia.
A singularidade que mais me interessou este ano é a temática do 9º Seminário LGBT no Congresso Nacional (“Infância e Sexualidade”), sob organização da Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT. Considero bastante corajoso endereçar o tema da sexualidade na infância. Isso implica mover certa parede moral que joga a sexualidade para “algum momento da adolescência” e ignora a sexualidade das crianças. Este tema claramente dialoga com a problemática da homofobia nas escolas, afinal, ambiente essencialmente infantil e juvenil. É corajosa a discussão também porque este assunto está num espécie de limbo político desde o veto que Dilma deu ao material pedagógico que trataria da diversidade sexual na escola. Aliás, só lá no Ensino Médio, período em que a maioria dos jovens já iniciou ou está iniciando a vida sexual; que a maioria das crianças que fogem aos padrões de gênero e performance viril/feminina já sofreram bullying e, por fim, em que muitas das concepções machistas, homo, les e transfóbicas já estão primariamente enraizadas.
Ao focalizar a infância, o Seminário só reverbera uma espécie de consenso acadêmico – refletido não só em posições teóricas, mas também em relatos colidos in loco sobre bullying homofóbico, bem como estatísticas de violência e mesmo suicídio – sobre a necessidade de abordar a diversidade sexual com as crianças. Eu creio que uma leitura mais calma de diversos desdobramentos desta questão ajude a clarificar ainda mais a urgência pela mudança do modo como tratamos (ou ignoramos) a questão nas escolas. Um exemplo sobre o qual tentei discorrer em A Propaganda Heterossexual é justamente o mecanismo perverso que oculta a onipresença da heterossexualidade na vida das crianças, em todas as suas “ambiências”, ao passo em que aponta uma “doutrinação” (sic) na mera tentativa de falar sobre diversidade sexual.
Mas, mais uma vez, penso que compartilhar histórias seja fundamental para trazer a realidade que as pesquisas, estatísticas e teorias retratam. Em março deste ano, o caso de agressão a um adolescente de 15 anos do interior do Rio Grande do Sul ganhou destaque na imprensa. No dia 23 de março, o jovem deu seu depoimento no programa Mais Você, da Rede Globo. Você pode ouvir os 5min em que ele fala sobre o que está passando neste link (entre 4’55’’ e 9’45’’).
Já o jovem Iago não chegou a contar sua história. Só sabemos da homofobia que ele sofria na escola pelos relatos tristes de seus familiares. Na edição de 19 de maio de 2009 do Profissão Repórter, também da Rede Globo, o tema era escola de periferia, e o caso do Iago, de 14 anos, surge por acaso:
A violência que estes dois adolescentes sofreram por causa de sua real ou suposta homossexualidade não é exceção ou acidente no cotidiano escolar. Nem mesmo na sociedade. Nem mesmo no Brasil. Na edição de 24 de março do New York Times, o marroquino Abdellah Taïa contou sobre sua infância como um garoto afeminado em Salé, no noroeste do Marrocos. O ano era 1973. Em 1988, quando tinha 25 anos, Taïa exilou-se na França.
No Marrocos dos anos 80, onde a homossexualidade não existia, é claro, eu era um pequeno garoto afeminado, um garoto a ser sacrificado, um corpo humilhado sobre o qual recaia toda a hipocrisia, todos os não ditos. Quando tinha 10 anos, embora ninguém falasse sobre isso, eu sabia o que acontecia aos meninos como eu em nossa sociedade empobrecida; éramos vítimas designadas para sermos usadas, com a benção de todos, como simples objetos sexuais de homens frustrados. E eu sabia que ninguém me salvaria – nem mesmo meus pais, que certamente me amavam. Para eles também, eu era vergonha, sujeira. Um “gay”. […] Como é para uma criança que ama seus pais, seus muitos irmãos, sua cultura operária, sua religião – o Islã -, como é que ela pode sobreviver a este trauma? Ser ferido e molestado por causa de algo que outros viram em mim – alguma coisa no modo como movo minhas mãos, as minhas inflexões. Um jeito de andar, o meu comportamento. […] Não me recordo mais da criança, do adolescente que fui. Sei que era afeminado e tinha consciência de que ser tão explicitamente “daquele jeito” era errado.
[…] Nunca mais fui o mesmo Abdellah Taïa depois daquela noite [em que vários homens da vizinhança queriam fazer sexo com ele]. Para me salvar, eu me matei. Foi isso que fiz. Comecei a manter minha cabeça baixa todo o tempo. Eu cortei todas as relações com as crianças da vizinhança. Mudei meu comportamento. Eu me mantinha vigilante: nada mais de gestos femininos, nada mais de andar com as mulheres. Nada de mais nada. Eu tive que inventar um Abdellah inteiramente novo. Eu me empenhei nisso com grande determinação, e com a compreensão de que aquele mundo não era mais meu mundo. Cedo ou tarde, eu deixaria aquilo para trás. Eu crescercia e encontraria a liberdade em algum outro lugar. Mas até lá, eu me tornaria alguém forte. Muito forte.
A história de Abdellah ilustra bem o quanto crianças, na mais tenra idade, podem sofrer terríveis violências por não se comportarem como é esperado delas. Por não serem como se espera. Uma violência brutal que atinge jovens travestis, transexuais, gays e lésbicas. É urgente que a sexualidade – enquanto conjunto de manifestações de gênero, identidade e desejos – e a infância sejam harmonizadas. Não seria nem mesmo preciso recorrer a isso se nos recordarmos duma premissa essencial da educação: a escola deve ser um ambiente seguro e saudável para todas as crianças. Para todas elas, sem exceção.
Mais                
            ● Trailer do documentário “Bully”
Luiz Henrique Coletto
Membro do Conselho LGBT da LiHS

Humanismo não faz mal a ninguém

A igualdade de direitos civis fortalece o Estado de direito e faz bem a todos

Felizmente, um número cada vez maior de líderes religiosos desperta para o fato de que o avanço dos direitos da população LGBTI1 é uma questão de direitos humanos e de preservação e amadurecimento da democracia. Isso é alentador, especialmente quando se leva em consideração o arrefecimento da homofobia2 em alguns círculos dominados por fundamentalismos reacionários, baseados em projetos mesquinhos de segregação e dominação.
O uso dos meios de comunicação para reforçar o preconceito e promover a discriminação, seja ela qual for, especialmente contra uma minoria que se encontra socialmente vulnerável em muitos ambientes do território nacional, contraria os preceitos constitucionais expressos nos artigos 3º e 19 da Carta Magna:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (…):IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.


Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Com isso em mente, e levando em consideração o uso difamatório das concessões públicas de mídia por parte de religiosos fundamentalistas, consideramos absolutamente apropriado que a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais – no uso de suas prerrogativas estatutárias – solicite às autoridades competentes a tomada de medidas juridicamente cabíveis quando a organizações midiáticas que veiculem conteúdo de ódio, seja por meio de produção própria ou de horário/espaço vendido a terceiros, desde que frustradas quaisquer tentativas de diálogo com os responsáveis.
Ateus e agnósticos, bem como religiosos de todas as possíveis denominações, devem primar pela manutenção da liberdade de expressão e da liberdade de crer ou não crer. Estes são princípios essenciais à manutenção da democracia porque constituem direitos fundamentais. Todavia, tais princípios estão subordinados a outro: o da dignidade humana. Por isso, não podemos aceitar manifestações notadamente discriminatórias contra indivíduos ou grupos auto-determinados, sejam eles sexuais, identitários, culturais, étnicos, ou outros quaisquer. Pronunciamentos que induzem ou legitimam o ódio, ou que igualam a homossexualidade à doença não estão sintonizados com os pensamentos ou sentimentos mais nobres de líderes civis ou religiosos que se prezem. Uma frase atribuída a Jesus Cristo – modelo máximo de virtude para os cristãos – diz: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas.”  (Mateus 7:12). Portanto, se os cristãos querem ter liberdade e respeito, precisam fazer o mesmo, para início de conversa.



Ademais, levando em consideração que o Brasil é signatário da Declaração Universal de Direitos Humanos (DDH), promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU), após a 2ª Guerra Mundial, e que nossa Constituição está em consonância com a mesma em seus princípios, vale relembrar que DDH claramente estabelece que:

Artigo I    Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão  e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Este artigo, por si só, já ordena o fim de qualquer tipo de discriminação. Ele também apresenta um dever do qual ninguém está isento: agir com espírito de fraternidade para com todos. Isso vale para todo e qualquer grupo ou indivíduo e, obviamente, inclui tanto as igrejas como os homossexuais, seja no direito de serem respeitados como no dever de respeitarem. Os homossexuais, de per si, geralmente respeitam os heterossexuais como tais. Nenhum heterossexual jamais foi morto por discriminação sexual. Enquanto isso, 250 pessoas das minorias homoafetivas foram assassinadas em 2010, segundo informou o Grupo Gay da Bahia (GGB) em seu relatório anual. Portanto, uma lei que tipifique o crime de homofobia faz-se absolutamente necessária no Brasil, assim como já foi promulgada em vários outros países, inclusive no Chile recentemente (abril/2012), depois que um jovem gay foi assassinado por neonazistas. Enquanto isso, no Brasil, uma bancada evangélica viciada em preconceito por orientação sexual e identidade de gênero continua tentando impedir o avanço de legislação que demonstre, na prática, que o Brasil é um Estado de direito realmente e que, por isso mesmo, não compactua com essa crueldade.

Artigo II      Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,  religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 

Este artigo deixa muito claro que os direitos humanos são aplicáveis a todos os seres humanos, independe de qualquer condição. Uma pessoa não pode ser privada de nenhum direito por qualquer característica aparentemente distintiva – o que inclui a sua orientação sexual e identidade de gênero. Todavia, para que isso se efetive na prática, é necessário que haja legislação específica que efetive juridicamente os direitos desses seres humanos, indesculpavelmente ignorados pelo Estado. Isso não é privilégio; é justiça.

Artigo III            Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

De acordo com as mais recentes estatísticas, os casos de homossexuais assassinados no Brasil são quase seis vezes mais numerosos que no México e quase oito vezes mais que nos EUA. No mês de outubro de 2011, um cidadão homoafetivo foi morto a cada dia no Brasil, pura e simplesmente por homofobia. Logicamente, não estão computados aqui crimes com outras motivações.
Não há dúvida de que as pessoas LGBTI – como quaisquer outras – têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Portanto, não há razão justificável para se tolerar a promoção de ódio, uma vez que este gera a violência que vemos computada em estatísticas. É necessário lembrar que a biografia de cada LGBTI que é vítima de violência é afetada permanentemente, mesmo quando não resulta em morte. Violência verbal fere profundamente o indivíduo LGBTI, especialmente quando é muito jovem ou muito idoso, e estimula outros tipos de agressão por parte de pessoas que já carregam algum preconceito e pouca racionalidade. O Estado precisa proteger o cidadão quando este se encontra em situação de vulnerabilidade. É isso o que diz o Artigo VII:
“Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, à igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.”
Ou seja, o governo e a sociedade precisam coibir qualquer cidadão ou instituição de incitar outras pessoas a discriminar ou agredir, física ou verbalmente, quem quer que seja, inclusive os cidadãos homoafetivos.

Artigo XII      Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Desnecessário dizer que quando alguém calunia o amor entre pessoas iguais, está interferindo na vida privada de milhões de brasileiros. A difamação da homoafetividade, especialmente por motivação religiosa fundamentalista, afeta casais homossexuais, famílias homoparentais,  e constitui uma violação clara e gratuita contra o artigo XII, citado acima. Ninguém – mesmo que sob o pretexto da liberdade religiosa – tem o direito de interferir na vida privada das pessoas e de suas famílias e nem de transtornar suas interações públicas.
Vale relembrar que a Constituição Brasileira em seu artigo 3º diz o seguinte:

Art. 3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (…):IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Infelizmente, depois de centenas de anos de propaganda anti-gay promovida por igrejas preconceituosas, por políticos apenas interessados em manter o status quo, e por famílias viciadas em preconceitos perpetuados por tradições mantidas sem o menor questionamento, os cidadãos LGBTI têm despertado para a luta democrática pela garantia de seus direitos civis.
Esforços corajosos de pessoas que não suportam mais a privação de seus direitos e liberdades, porque simplesmente amam alguém do mesmo sexo, têm conquistado avanços nos campos político e jurídico, desenvolvendo políticas de inclusão e de reparação de injustiças. 
Além disso, uma parcela cada vez maior da sociedade tem visto que não existem “fantasmas atrás do armário” e tem apoiado os homossexuais em sua luta pelo reconhecimento de seus direitos civis, a despeito das estratégias de manipulação de alguns reacionários políticos e religiosos.
Uma sociedade justa é uma sociedade comprometida com a garantia de direitos básicos iguais para todos.  Por isso, entendemos que o Estado democrático de direito nunca poderá ser considerado como uma coisa acabada, pronta, finalizada. Ele estará sempre em processo. 
É inaceitável que se admita qualquer tipo de ação ou pregação que ameace os cidadãos ou o próprio Estado de Direito  –  o que não impede de modo algum o funcionamento de qualquer agremiação religiosa. Pelo contrário, inúmeras igrejas e associações religiosas já se abriram para a isonomia dos cidadãos LGBTI, sem qualquer prejuízo para seu bom funcionamento e para o bem-estar de suas comunidades. Seria estranho se ocorresse o contrário, uma vez que isso só deporia contra o próprio cristianismo, ficando estabelecida uma relação entre preconceito e subsistência. Entretanto, se o cristianismo realmente tem no amor sua essência, ele naturalmente se alinhará a todas as formas de combate à injustiça, inclusive aquelas praticadas contra os cidadãos homoafetivos.
Por isso, outras formas de injustiça supostamente baseadas na fé foram abolidas (ou tem sido) na sociedade, apesar de não se ter mudado um til das escrituras cristãs, e sem que isso impedisse o funcionamento das igrejas.  Vale lembrar que práticas como a escravidão, a xenofobia, e a dominação da mulher foram abolidas, graças a ideais humanistas, mesmo sob protestos por parte de alguns setores do cristianismo. O mesmo ocorre atualmente com relação aos direitos civis dos indivíduos LGBTI.
Felizmente, muitas denominações e outras organizações cristãs têm revisto os conteúdos homofóbicos de suas prédicas e práticas. Entre elas, citamos os seguites:

Episcopais Americanos

Em março de 2010, a igreja Episcopal aprovou a eleição de uma bispa-assistente lésbica na Diocese de Los Angeles. Ela é, portanto, o segundo bispo homossexual assumido na comunhão anglicana global. O primeiro foi o bispo Gene Robinson, episcopal americano.

Anglicanos Ingleses

Em fevereiro de 2010, a Igreja da Inglaterra tomou uma atitude progressista: votou por estender os mesmos direitos previdenciários aos parceiros gays do clero assim como são garantidos a esposas e maridos heterossexuais.
Essa atitude da Igreja da Inglaterra deve inspirar outras da mesma comunhão em diversos países do mundo.

Presbiterianos Americanos

Em outubro de 2010, a Igreja Presbiteriana dos EUA ordenou ao pastorado Scott Anderson, primeiro ministro abertamente gay daquela denominação. Ele havia servido como ministro em Sacramento, na Califórnia, de 1983 a 1990, quando teve de se afastar da igreja por causa de chantagem de um casal da congregação que ameaçou revelar sua orientação sexual. Ele, porém, reuniu a igreja e falou abertamente sobre sua orientação sexual, renunciando o ministério, porque a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos não permitia que homossexuais servissem como pastores. Isso mudou em outubro desse ano, e o pastor que pregou na cerimônia de ordenação dele foi, em outros tempos, um dos mais ferrenhos perseguidores dos homossexuais. Tudo isso só foi possível, porque em 2009, uma assembleia nacional da igreja votou pela revogação da regra, permitindo da ordenação de Anderson.

Santos dos Últimos Dias

A Igreja dos Santos dos Últimos Dias (ISUD) ou igreja dos mórmons, como alguns a conhecem, é considerada ultraconservadora, no que diz respeito às suas doutrinas e práticas, mas em 2010, pela primeira vez em sua história, mostrou apoio à causa gay ao defender uma série de textos contra a discriminação aos homossexuais que tramitaram no conselho municipal de Salt Lake City, no estado de Utah, nos Estados Unidos.


A ISUD considerou a lei “justa, razoável e não violenta a instituição do matrimônio”, conforme disse seu porta-voz.  Utah é onde fica a sede da Igreja Mórmon, que possui cerca de 14 milhões de fiéis em todo o mundo.


Igrejas no Brasil

Além das diversas igrejas chamadas inclusivas (um movimento recente no país que abraça e celebra a diversidade sexual), um fato chamou a atenção. A Aliança de Batistas do Brasil aplaudiu a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que concede direitos civis a pessoas do mesmo sexo vivendo em união estável.
No entanto, o casamento gay não é uma questão religiosa, diga-se de passagem. É um direito civil, efetivado em cartório, envolvendo o sistema jurídico do país. As cerimônias nesta ou naquela comunidade de fé, dependem da crença dos nubentes e da abertura de seus sacerdotes e/ou associações religiosas. O propósito da citação das igrejas acima é apenas o de demonstrar que celebrar a diversidade sexual não depõe em nada contra a espiritualidade dessas comunidades religiosas.
É necessário que os reacionários a esses avanços no campo do direito e contra seus desdobramentos políticos, sociais e econômicos abandonem palavras e expressões que incitem o ódio e o medo. Basta de violência física e verbal.
Neste mês (abril/04), a Igreja Anglicana do Brasil, na pessoa de seu Arcebispo Primaz Dom Ricardo Loritte de Lima, manifestou seu apoio à ABGLT quanto ao processo em andamento no judiciário, por causa da insistente difamação contra as pessoas homoafetivas em programa de TV mantido por um pastor evangélico do Rio de Janeiro. Ele diz literalmente o seguinte: “Querido Toni, receba o apoio integral da Igreja Anglicana do Brasil, que fiel ao ensinamento do Mestre Jesus, ama e acolhe a todos, sem distinção nenhuma! (…) Os líderes religiosos devem estar a serviço dos direitos humanos e não da discriminação e ódio.” O pensamento e o sentimento de Dom Loritte estão em perfeita consonância com qualquer humanismo mínimo.
Desejamos ver outros líderes e comunidades fazendo o mesmo, pois já existe muita violência em andamento. Tudo o que mais precisamos no momento é de paz e esta não pode ser promovida por meio de pregações acachapantes contra os homossexuais. Não temos dúvida de que o ofício pastoral ou sacerdotal pode ter sua utilidade quando seus representantes usam seu poder de comunicação e mobilização para combater o que mina o progresso do nosso país: questões como as drogas, a violência urbana e doméstica, a corrupção, a desigualdade social, o tráfico de mulheres e crianças, enfim, temas que prejudicam a população brasileira como um todo, porque também violam os direitos individuais e colocam em risco o bem-estar social. Por outro lado, prestam um desserviço quando promovem injustiças e acentuam discriminações. Para realizar seu trabalho, nenhuma igreja ou sacerdote/pastor precisa falar dos homossexuais, nem para bem nem para mal. Basta deixar essas pessoas em paz. Certamente, o ofício pastoral vai muito além dessa estranha e obstinada preocupação com “quem ama quem”.
Sergio Viula
Presidente do Conselho LGBT da LiHS
1 – A sigla LGBTI designa lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e intersexuais.
2 – Homofobia: 

“Um conjunto de emoções negativas (tais como aversão, desprezo, ódio, desconfiança, desconforto ou medo), que costumam produzir ou vincular-se a preconceitos e mecanismos de discriminação e violência contra pessoas homossexuais, bissexuais e transgêneros (em especial, travestis e transexuais) e, mais genericamente, contra pessoas cuja expressão de gênero não se enquadra nos modelos hegemônicos de masculinidade e feminilidade. A homofobia, portanto, transcende a hostilidade e a violência contra LGBT e associa-se a pensamentos e estruturas hierarquizantes relativas a padrões relacionais e identitários de gênero, a um só tempo sexistas e heteronormativos” (JUNQUEIRA, Roberto Diniz. O Reconhecimento da Diversidade Sexual e a Problematização da Homofobia no Contexto Escolar. Rio Grande do Sul. Editora da FURG, 2007, p. 60-61.)

Sobre o programa “Vitória em Cristo” de Silas Malafaia



Perseguição religiosa ou legalização da homofobia? Sobre o programa Vitória em Cristo de 07 de abril de 2012

No último sábado, 07 de abril, em seu programa de televisão Vitória em Cristo, transmitido pelas emissoras Rede TV! e Bandeirantes, o pastor Silas Malafaia utilizou o tempo de que dispunha para denunciar aquilo que ele define como perseguição religiosa por parte do movimento LGBT.
Em fevereiro de 2012, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo instaurou uma ação civil pública para que, como consta na ação,o programa “Vitória em Cristo” veicule uma retratação pelos comentários homofóbicos feitos pelo pastor Silas Malafaia no programa de 02 de julho de 2011.
A representação de santos católicos na Parada LGBT de São Paulo

Na Parada LGBT de São Paulo, realizada em 26 de junho de 2011, foram exibidos cartazes e também foram distribuídas camisinhas personalizadas com imagens da campanha de prevenção à AIDS Nem Santo Te Protege. Use Camisinha!, criada em 2010  pelo fotógrafo Ronaldo Gutierrez – que doou as imagens para a Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT). A campanha buscava questionar o dogmatismo religioso contrário ao uso de preservativos e que favorece a epidemia de doenças sexualmente transmissíveis.
As imagens cedidas pelo artista não foram criadas para afrontar ou desrespeitar a arte sacra católica, a qual o fascina e é objeto de pesquisas por parte dele há anos. Ao analisar algumas das imagens fotográficas, percebe-se que muitas são, inclusive, pudicas quando comparadas às imagens originais utilizadas pela própria Igreja Católica para representar tais santos.
A discriminação contra a Parada do Orgulho LGBT

No dia 02 de julho de 2011, Silas Malafaia usou uma edição do seu programa para comparar e atacar a ampla cobertura que a imprensa dá para a(s) Parada(s) do Orgulho LGBT, em contraponto com a pouca visibilidade que dá para a(s) Marcha (s) para Jesus.  Em uma comparação descabida entre a Marcha para Jesus e a Parada LGBT, sem apresentar prova alguma, ele afirma que os profissionais da comunicação são, em sua maioria, homossexuais e que, por isso, estariam manipulando informações da mídia a favor da Parada LGBT e contra a Marcha para Jesus. Momentos depois ele proferiu as declarações que originaram a abertura de ação pública pelo MPF-SP: por incitação de violência em relação a homossexuais, convocando a igreja católica e seus fiéis a “entrar de pau” e “baixar o porrete” em cima de ativistas gays por “ridicularizarem símbolos da igreja católica” utilizando “imagens homoeróticas” de santos.
O processo de denúncia por incitação à violência homofóbica

Em outubro de 2011, um vídeo de 41 segundos tornou-se um viral nas redes sociais entre ativistas LGBTs e simpatizantes, ganhando destaque em portais destinados ao público LGBT. Tal destaque resultou em diversas denúncias à Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), que solicitou providências à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão de Brasília através de um ofício. A procuradoria de Brasília repassou esta denúncia à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo.
Ciente de todo este processo, Malafaia acusou, sem citar nomes, um (a) procurador (a) de tráfico de influência por enviar ao Procurador Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo o ofício da ABGLT.
Na íntegra da ação movida pelo Procurador Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo, Jefferson Aparecido Dias, ele cita as centenas de e-mails que recebeu, enviados pelos seguidores e fiéis de Silas Malafaia e destaca a influência que o pastor exerce sobre seus telespectadores – e então pergunta:

Da mesma forma que seus seguidores atenderam prontamente o seu apelo para o envio de tais e-mails, o que poderá acontecer se eles decidirem, literalmente, “entrar de pau” ou “baixar o porrete” em homossexuais?


Com base neste questionamento do Procurador, Silas Malafaia denuncia e afirma em seu programa, como também no twitter, que o procurador disse que “evangélicos são potenciais assassinos de gays” e que representaria judicialmente contra o procurador por tal afirmação. Ao contrário do que afirma Malafaia, a ação do MPF-SP, em nenhum momento, o acusa de ter mandado bater em um homossexual, mas sim de incitação ao ódio e violência contra homossexuais.
O pastor também cita as frustradas tentativas do movimento LGBT em cassar seu registro de psicólogo, as quais ele também classifica como perseguição religiosa. Entretanto, por diversas vezes, ele recorre ao seu diploma de psicologia para sustentar seus argumentos preconceituosos sobre homossexualidade e homofobia.
Utilizando-se de uma oratória praticada e aperfeiçoada durante anos para convencer seu telespectador de que é verdade o que diz, ele distorce artigos constitucionais a favor da defesa da sua liberdade de opressão homofóbica. Costuma citar incisos isolados do artigo 5º da Constituição Federal para defender sua ilimitada liberdade de expressão e religiosa como pastor, tais como os incisos IV e VI, enquanto ignora os incisos III e X.
Silas Malafaia diz que não pode ser privado, em hipótese alguma, de manifestar suas opiniões como pastor, mas oculta – por ignorância ou má-fé – o que consta no artigo 1º da Constituição Federal. Esse artigo lista os fundamentos que constituem o nosso Estado Democrático de Direito e, dentre eles, encontra-se o da dignidade da pessoa humana.

O pastor afirma que homofobia é apenas agressão física e, portanto, homossexuais querem privilégios e não precisam ser protegidos por leis específicas, pois crimes por agressão física e assassinatos já estão previstos em lei. Entretanto, de acordo com o Procurador Regional da República da 3ª Região, Luiz Carlos Gonçalves, o artigo 5º da Constituição prevê que qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais deverá ser punida por lei específica. O procurador também é relator da Comissão de Reforma do Código Penal instalada no Senado.
Malafaia também se utiliza da mesma técnica de distorção em relação ao PLC 122, projeto de lei popularmente conhecido como o projeto que criminaliza a homofobia. Ele baseia as críticas que faz ao PLC 122 no texto de 2006 do referido projeto, na época proposto pela deputada Iara Bernardi, como se verifica neste artigo de 03 de abril de 2012 escrito pelo pastor e publicado no Observatório de Imprensa. Entretanto, o único texto que deve ser consultado atualmente para debater sobre o projeto é o de Fátima Cleide, datado de 2009.
O advogado Thiago Viana fez uma brilhante desconstrução de todos os  argumentos de Silas Malafaia contra o PLC 122. Além disso, o projeto não acrescenta apenas a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero na lei anti-racismo (Lei 7.716/89): criminaliza também a discriminação de gênero e contra idosos e pessoas com deficiência. Portanto, quando fundamentalistas homofóbicos impedem a aprovação deste projeto de lei, estão impedindo uma maior proteção a LGBTs, idosos, pessoas com deficiência e mulheres (as principais vítimas de discriminação por gênero).
Silas Malafaia encerra seu programa do dia 07 de abril de 2011 tripudiando sobre as famílias das vítimas fatais da homofobia no país. Diz o pastor que o Brasil não é homofóbico, que apesar de lamentar as mortes de LGBTs no país, tais mortes “representam apenas 0,00137%” da população LGBT que se estima haver no Brasil. Segundo Malafaia, ativistas gays querem passar a imagem de que o Brasil é homofóbico para continuarem recebendo recursos financeiros do governo federal.
O tele-evangelista já desrespeita a Constituição ao ter um programa que faz proselitismo religioso numa concessão pública (emissora de televisão), a qual deve respeitar a laicidade do Estado. Como se já não bastasse esta infração, utiliza-se duma concessão pública para discriminar homossexuais em diversos momentos. E quando acionado judicialmente, desrespeita novamente as leis deste país ao utilizar-se da mesma concessão pública para afrontar procuradores da República e continuar sua discriminação homofóbica em rede nacional de TV.
Parabenizamos o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo, Jefferson Aparecido Dias, pela ação movida contra o pastor Silas Malafaia e também apoiamos o procurador contra as acusações infundadas feitas contra ele pelo réu da ação no recente programa.
O ideal seria que, depois de tantas infrações, o referido programa fosse removido definitivamente do ar, mas uma condenação exigindo retratação pela discriminação homofóbica será um precedente inicial importante. Talvez, num futuro próximo, caso tais infrações e discriminações repitam-se, possa-se, enfim, proibir a veiculação do referido programa em qualquer canal público de TV.
Marcos Oliveira
Conselho LGBT da LiHS

Criado Conselho LGBT da LiHS

No dia 31 de março de 2012, através de uma videoconferência, da qual participaram Eli Vieira e Asa Heuser, presidente e vice-presidente da LiHS, respectivamente, bem como Luiz Henrique Colleto, Marcos Oliveira e Sergio Viula, foi constituído um Conselho LGBT como parte integrante do organograma da Liga. A finalidade é promover reflexões, divulgar informações e empreender ações que fortaleçam a laicidade do Estado e os direitos humanos contemplando a diversidade sexual e identidades de gênero, no caso.


Uma das ações que decidimos colocar imediatamente em prática foi a de publicar neste blog de notas, periodicamente, notas sobre assuntos relacionados à população LGBT e/ou às ações do Conselho. Os textos serão escritos pelos membros do próprio Conselho em sistema de revezamento. O objetivo é manter a comunidade de membros e simpatizantes da LiHS informados, bem como provocar reflexões construtivas para a expansão do secularismo humanista.


Para esse primeiro post, vamos focar sobre os conceitos norteadores da LiHS, também ilustrados no logotipo da mesma, porém com ênfase na temática LGBT. O objetivo é ampliar a noção de que, conquanto a LiHS não seja uma organização LGBT, suas concepções e posturas se coadunam com esta luta e com outras que a sociedade civil vem travando em busca de igualdade, tais como o movimento feminista, o movimento contra o racismo, os direitos da criança e do adolescente, etc.


De que maneira isso se dá, então?


1. A LiHS é humanista

O humanismo nasce de posições filosóficas, especialmente o estoicismo e o epicurismo, que buscavam nos próprios seres humanos – e não em deuses – as soluções para os problemas da humanidade.
Nesse sentido, o humanismo abraçado pela LiHS insere a organização naturalmente no embate que vemos hoje em torno dos direitos humanos, dos quais os cidadãos LGBT também são destinatários. A perseguição por parte de setores evangélicos e católicos, bem como de conservadores (não necessariamente vinculados a igrejas ou religiões) que levantam a bandeira da falsa moralidade contra os direitos civis aplicados ao cidadão LGBT, como o casamento igualitário com todos os direitos implícitos, é fruto do obscurantismo herdeiro da Idade das Trevas – época em que a igreja, utilizando-se do poder político, conseguiu manter os humanistas sob controle através do exílio, da tortura e da execução.
Foi durante o Renascimento (entre os séculos XIV e XVII) que o uso da razão desvinculada do dogma começou a prevalecer. E é incrível a semelhança que nosso tempo ainda mantém com aquele período histórico, uma vez que as artes e a filosofia continuam sendo grandes aliadas na promoção da liberdade humana. Todavia, de vez em quando, vemos algum pregador do ódio satanizando a cultura, porque esta questiona – mesmo quando não pretende questionar, apenas pela liberdade que lhe é intrínseca – a segregação e a discriminação que o fundamentalismo e o conservadorismo procuram perpetuar.
Felizmente, com o ‘Livre Pensamento’ no século XVIII, a ciência re-naturalizou o homem e o mundo no qual ele está inserido, apresentando o humanismo como alternativa às tradicionais perspectivas baseadas na fé.
O “Humanismo Secular” que caracteriza a LiHS nasce dessa mesma rejeição ao sobrenaturalismo, e descreve uma postura de vida que não se baseia na crença em uma divindade ou em qualquer espécie de transcendentalismo pós-mundano. A criação de um Conselho LGBT pela LiHS só reafirma as posturas humanistas que ela já vinha mantendo desde seu início. É a reafirmação de que os afetos, a ética, e a conduta social e legal no que diz respeito à diversidade sexual não pertencem ao domínio da religião que lida com o sobrenatural, o místico e transcendente, mas ao mundo da vida, sob a perspectiva da realização do potencial humano para a liberdade, para a felicidade, e para o desenvolvimento de uma sociedade igualitária e justa.
2. A LiHS é secularista
O conceito de secularismo (ou secularidade) surge como reação às ideias teocráticas. Pode ser literalmente compreendido como ‘as coisas desse mundo’ – o que denota os binômios religiosos de profano e sagrado, mundano e celestial que têm povoado a mentalidade ocidental. Governo secular é, portanto, o governo desse mundo executado por leigos, não por clérigos ou ungidos de Deus. Pode ser visto como o contrário de teocracia.
O secularismo não é necessariamente inimigo da religião. Pelo contrário: em última análise, a liberdade religiosa depende do secularismo. É simples entender por quê.
Quando uma religião majoritária impõe seu poder sobre as outras usando o aparato do Estado, todas as demais caem na clandestinidade ou enfrentam sérias sanções. Todavia, se o Estado é norteado por princípios secularistas, os religiosos de vários matizes não têm o que temer quanto à liberdade de crer e de agir conforme essa crença, a menos que isso implique ameaça às liberdades civis e aos direitos fundamentais dos demais.
Por isso, ao mesmo tempo em que o secularismo protege o Estado de fundamentalismos, protege o direito dos indivíduos quanto à crença ou não crença religiosa.
Ao que parece, na Europa o secularismo é visto como um movimento em direção à modernização, longe dos valores religiosos tradicionais – processo chamado de ‘secularização’. O foco parece recair mais em manter o Estado livre da influência da religião.
Já nos EUA, o caso parece ser diferente. O modo como o secularismo é vivenciado lá parece mais proteger a religião da interferência estatal do que o contrário, e esse parece ser o modelo que alguns segmentos sociais e políticos estão procurando promover aqui no Brasil. Isso é terrível, porque usa o aparato do Estado para proteger seus próprios sabotadores, deixando grupos minoritários sujeitos ao vilipêndio por parte dos dominantes, que recorrem ao pretexto da liberdade religiosa para acusar o Estado de violar essa liberdade sempre que o poder público procura proteger os socialmente vulneráveis.
Vemos um exemplo disso na questão do ensino religioso confessional nas escolas públicas. O Estado não pode taxar as igrejas, sob o pretexto de separação entre as esferas estatal e religiosa, mas os parlamentares eleitos por essas mesmas igrejas criam leis para que nossos impostos, recolhidos pelo Estado para fins seculares, financiem um programa que é literalmente proselitista.
As posturas e ações inclusivas da LiHS promovem o fortalecimento do Estado laico contra a ambição teocrática de segmentos que só usam a democracia para forçar o retorno a uma ditadura – a deles.
3. A LiHS é laica
Laicismo ou Laicidade são termos derivados da expressão grega clássica “laos” (adj. “laikos”), que designava povo em sentido lato, tão abrangente e tão universal quanto possível – o povo todo, toda gente, sem exceção.
Vale lembrar que a palavra “ethos” (adj. “ethnikos”) também significava povo, mas em sentido identitário, comunitarista, de onde vem a palavra portuguesa etnia.
Laicismo é, portanto, um princípio, uma ideologia humanista que, ao valorizar as dimensões mais universais do ser humano, entendido em sua individualidade plural, tem um sentido contrário ao etnicismo, sejam regionalismos, nacionalismos, etc. A laicidade, por sua vez, se refere aos diferentes modos concretos de levar esse princípio à prática.
Um Estado laico, por definição, deve buscar garantir as condições para a construção de uma sociedade em que nenhum grupo social de aspiração dominante possa se impor autoritária e totalitariamente aos demais elementos que a integram. Um Estado laico é aquele que garante a todos os indivíduos, sem exceção, uma convivência isenta de constrangimentos autoritários de tipo identitário. Isso significa: uma sociedade livre, aberta e inclusiva.
Notemos que é justamente contra esse Estado laico que segmentos fundamentalistas e conservadores de aspiração dominante têm se arvorado. Esses inimigos da igualdade na diversidade estão enfraquecendo o caráter laico do Estado e colocando em perigo a própria paz social.
Vale lembrar que esses mesmos sabotadores do Estado laico que perseguem a população LGBT são os que se opõem à eutanásia (mesmo quando solicitada pelo paciente terminal), protegem práticas hediondas de mutilação sexual ritual em crianças, demonizam o aborto (inclusive de fetos acéfalos), embargam e até criminalizam pesquisas com células-tronco que podem salvar vidas, mas não admitem criminalizar a homofobia que mata um homossexual a cada dois dias no Brasil.
Além do que eles impedem, existem aquelas práticas que eles desejam impor. Por exemplo, a imposição de ensino religioso confessional nas escolas públicas, a colocação ou manutenção de símbolos religiosos em ambientes do poder público, financiamento de eventos de ordem religiosa com impostos da sociedade civil, etc.
Quando a LiHS se coloca contra esse tipo de vilipêndio da dignidade humana e das liberdades civis, bem como do mau uso do aparato do Estado, ela está praticando laicidade, ou seja, agindo de acordo com o laicismo. É por isso que, mesmo representando ateus e agnósticos, a LiHS pode defender o direito dos umbandistas contra a perversidade dos fundamentalistas evangélicos que os perseguem sem comprometer seus conteúdos valorativos. Pelo contrário, reafirmando-os.
E é assim que o recém-formado Conselho LGBT da Liga Humanista e Secular do Brasil insere-se no leque de objetivos humanistas, secularistas e laicos da mesma, e pode contribuir para o fortalecimento de uma sociedade plural, bem integrada, produtiva e pacífica – não é preciso muito mais para a realização da felicidade humana. Nada disso, porém, terá êxito sem a cooperação e apoio de todos os que participam dessa comunidade de livres pensadores.
Sergio Viula
Presidente do Conselho LGBT da LiHS