Recentemente há um incremento na frequência de ataques ao caráter pretensamente laico da sociedade brasileira, além de enorme variedade de alvos específicos destes ataques. É comum que as críticas recaiam somente à Bancada Evangélica e afins, focando a ânsia teocrática neopentecostal, muito embora outras organizações eclesiásticas (ou simplesmente confessionais) contribuam para a erosão do laicismo nacional.
O ensino religioso confessional em escolas públicas, recentemente ratificado pelo STF, é decorrência de um acordo entre Lula e a Santa Sé (portanto uma manobra da ICAR, não dos evangélicos), no Decreto Presidencial 7107, de fevereiro de 2010.
Tentativas recorrentes de leis de blasfêmia são oferecidas às Casas Legislativas, como a mais recente proposição da PL8615/207, enviada ao Congresso pelo deputado e pastor Marco Feliciano, cujo texto pode ser conferido aqui . Cabe ressaltar que na legislação brasileira já vigora uma lei de blasfêmia (artigo 208 do Código Penal), como aponta a IHEU.
Ademais, é comum que em cidades ou estados governados por políticos oriundos da Bancada Evangélica haja a imposição de cultos nas Casas Legislativas (em direta afronta aos artigos 5 e 19 da Constituição Federal, como mostrado aqui), a criação de feriados e dias comemorativos confessionais, a alteração de nomes de ruas e praças, etc.
Além dos ataques claros à laicidade Estatal brasileira perpetrada por grupos clericais organizados, ricos e poderosos, como a ICAR e os diversos grêmios neopentecostais, ainda há ataques apoiados ou promovidos por associações confessionais espíritas e de matiz africana, manifestados (por exemplo) na oferta pelo SUS de “terapias alternativas” sem embasamento científico. Ainda neste tema, tal ataque provém também, e com maior intensidade, aliás, de grupos obscurantistas “seculares”, irracionalistas, que buscam degradar ativamente a racionalidade, onde quer que ela predomine.
A noção de laicidade Estatal ganhou força no fim do século XVII e ao longo do século XVIII, em decorrência da enorme perda humana e econômica das Guerras Religiosas (como a Guerra dos Trinta Anos) europeias e da mania persecutória assassina causada pelo pânico moral associado ao rigor pietista (popularmente conhecida como “caça às bruxas“). Ao retirar a religião e, principalmente, os agentes das instituições clericais, da vida pública, obtém-se maior e mais ampla liberdade religiosa aos cidadãos e proteção de crença e culto aos adeptos de religiões minoritárias ou localmente perseguidas.
Na maioria dos locais onde tal noção não obteve preponderância política, há restrições confessionais muito graves, perseguição política de religiões minoritárias ou historicamente atacadas e assaltos arbitrários aos direitos individuais das pessoas (por motivos relacionados ao conteúdo prescritivo das religiões localmente dominantes). Como exemplo é fácil citar Malásia, Paquistão, Irã, Arábia Saudita e, mais recentemente, a Turquia, além de inúmeras outras nações de maioria islâmica; ou a Rússia.
Para garantir os direitos individuais de liberdade de crença e de culto, de diversos direitos individuais em geral e também para assegurar a convivência pacífica entre pessoas de confissão diversa, inclusive as descrentes, é necessário manter a religião circunscrita à esfera da vida privada. Historicamente se verifica que, quanto maior o caráter laico de uma sociedade, mais pacífica ela é e maiores são as liberdades individuais por ela garantida. O apelo pelo Estado laico é um apelo por tolerância religiosa, solução pacífica de conflitos, promoção de liberdades individuais, prosperidade material e justiça social.