Câmara dos Deputados dá mais um sinal de anacronismo político e social

Câmara dos Deputados dá mais um sinal de anacronismo
político e social

Pr. Marco Feliciano, deputado que vai presidir a comissão de Direitos Humanos da Câmara

Nesta terça-feira (05/03/13), o deputado Marco Feliciano
(PSC-SP) foi indicado pelo seu partido para presidir a comissão de
Direitos Humanos da Câmara durante o biênio 2013-2015. O deputado é pastor da igreja
Assembleia de Deus há nove anos e é conhecido por declarações que estimulam o
preconceito contra religiões afro-brasileiras, contra as pessoas LGBT e contra
o próprio continente africano. Veja o vídeo abaixo.
O jornal O
Globo
cita uma das frases prediletas de Feliciano:
“O problema não é a comunidade gay. Eu tenho amigos que são
e são pessoas completamente equilibradas. O problema são os ativistas. Eles
fazem o que já fizeram comigo, que é tentar destruir a minha imagem e falar pra
sociedade que você é uma coisa e que não é.”
Não é difícil entender o ressentimento de Feliciano contra o
ativismo LGBT: pastores que acreditam em “reversão” da homossexualidade (ou
coisas semelhantes) geralmente adoram homossexuais enrustidos ou que buscam “adequação”
às regras heteronormativas dessas igrejas. 
Eles odeiam os homossexuais que não se sentem menores do que ninguém em
função de sua sexodiversidade. Mais do que isso, esses homossexuais reivindicam direitos iguais.
Isso, gente como Feliciano não suporta. Ele segue a a mesma linha de Silas Malafaia e
Marisa Lobo. Aliás, essas pessoas beberam da mesma fonte: pregadores
homofóbicos americanos, tais como James Dobson, do ministério Focus on the Family, líderes de movimentos como a
Exodus International e alguns grupos de “reversão” aqui do Brasil, os quais
também beberam das mesmas fontes extremistas que eles, como foi o caso do MOSES
(Movimento pela Sexualidade Sadia) e outros.
Mas a declaração de Feliciano oculta outro engodo, seja consciente
ou inconscientemente: o de que existe UM movimento gay. Isso não é verdade. Existem diversos
movimentos sob a bandeira do arco-íris. Basta notar que muita mobilização contra a homofobia
tem sido feita por pessoas comuns nas redes sociais, em grupos de amigos com os
mesmos objetivos e por aí vai.
Além disso, ele fala como se considerasse a relação homoafetiva muito natural, mas isso não é verdade. Ele chega a chamar a relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo de “fazer suas porcarias”, como você poderá assistir no vídeo abaixo.
Enquanto isso, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos
Humanos (ACNUDH) lança uma nova cartilha sobre orientação sexual e identidade de
gênero no direito internacional dos direitos humanos, conforme noticiado pela Rede
Brasil
.
Trata-se de um livro de 60 páginas cujo objetivo é ajudar os
Estados a compreender melhor as suas obrigações e os passos que devem seguir
para cumprir os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros
(LGBT), bem como para os ativistas da sociedade civil que querem que seus
governos sejam responsabilizados por violações de direitos humanos
internacionais.
Iniciativas como essa da ONU só expõem, com ainda mais
clareza, o quanto o Legislativo brasileiro está na contramão da história.
Felizmente, nosso Judiciário tem avançado, mas isso também incomoda pessoas
como o deputado Marco Feliciano, que não deve estar celebrando nem um pouco o fato de que pessoas do mesmo sexo não apenas podem firmar união estável no país inteiro, como ainda podem se casar direto no cartório em seis estados brasileiros e no Distrito Federal. São eles: São Paulo, Piauí, Alagoas, Sergipe, Bahia e Espírito Santo.
Vídeo produzido por Sergio Viula para o Blog Fora do Armário e cedido para essa nota

O Conselho LGBT da Liga Humanista do Brasil vem a público
manifestar sua preocupação com o rumo que a Comissão de Direitos Humanos da
Câmara pode tomar daqui para frente. Conclamamos os cidadãos esclarecidos a que
se posicionem humanisticamente contra toda forma de preconceito, especialmente
a homofobia (incluindo a lesbofobia e a transfobia), o machismo, a xenofobia e
a demonização dos seguidores de religiões afro-brasileiras. Que pressionem deputados, senadores e outros representantes eleitos para que se oponham ao avanço do fundamentalismo religioso na esfera pública e que defendam o Estado laico, democrático, pluralista e de direito. 
Além disso, que nossa mobilização inclua a desconstrução de preconceitos, bem como a recusa em reproduzir qualquer conteúdo que estimule discriminação por raça, sexo, gênero, orientação sexual, afiliação religiosa, etc. 
Multiplicar conhecimentos verdadeiros e estimular o humanismo irrestrito são o melhor antídoto contra os os discursos obscurantistas que alimentam o ódio e o totalitarismo. 
Sergio Viula
Presidente do Conselho LGBT da LiHS

“Papai do Céu na Escola” de Marco Feliciano morre na praia, substitutivo inócuo tramita

O blog Fiscais de Fiofó noticiou meses atrás um dos projetos “meninas dos olhos” do deputado pastor Marco Feliciano (PSC/SP), a aberração antilaica “Papai do Céu na Escola” (PL 1021/2011). A mesa diretora da Câmara apensou este projeto a outro igualmente teocrático (PL 309/11), também de Feliciano, tentando alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para que o ensino religioso não seja apenas de oferta obrigatória, mas pura e simplesmente obrigatório, como noticiou o blog do grupo da LiHS no Ceará.
Eis que o “Papai do Céu na Escola” morreu na praia, não com um estrondo mas com uma lamúria (parafraseando T. S. Eliot), e o PL 309/11 foi diluído num substitutivo do relator Pedro Uczai, que pode ser lido abaixo logo após trechos selecionados do relatório. O substitutivo parece inócuo por não alterar o que a LDB já prevê no caso da obrigatoriedade: as escolas públicas têm a obrigação de oferecer o ensino religioso na educação básica, mas os alunos, apesar de frequentemente não serem informados disso, não têm obrigação de assistir às aulas.

Antes de tudo, cabe informar que a ementa da presente proposição merece ajustes. A obrigatoriedade do Ensino Religioso é inconstitucional, pois fere o § 1°, art. 210 da Constituição Federal, o qual prevê que esse componente curricular constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, ou seja, é de oferta obrigatória por parte da escola, mas de matrícula facultativa para os estudantes.
(…)
[P]ara atender o principio constitucional da laicidade do Estado, e, considerando que o Ensino Religioso é disciplina dos horários normais da escola pública, na definição de sua proposta pedagógica, tanto pelo Ministério da Educação, quanto pelos Sistemas de Ensino, não cabe interferências de religiões, igrejas ou entidades civis constituídas por diferentes denominações religiosas, cultos ou filosofias de vida.
(…)
O Ensino Religioso não deve ser entendido como ensino de uma religião ou das religiões na escola, mas sim, uma disciplina que visa proporcionar o conhecimento dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, a partir das experiências religiosas percebidas no contexto dos educandos, disponibilizando esclarecimentos sobre o direito à diferença, valorizando a diversidade cultural religiosa presente na sociedade, no constante propósito de promoção dos direitos humanos.
(…)
As diferentes crenças, grupos e tradições religiosas, bem como a ausência delas, são aspectos da realidade que devem ser socializados e abordados como dados antropológicos e socioculturais, capazes de contribuir na interpretação e na fundamentação das ações humanas.
(…)
[N]ão é necessário oferecer outra disciplina; basta à escola prever, em seu projeto político pedagógico, conteúdos voltados para a formação da ética e da cidadania para os estudantes que optarem em não frequentar as aulas de Ensino Religioso.
(…)
[D]eseja-se que o profissional do Ensino Religioso seja sensível à diversidade, possua conhecimentos científicos e culturais para interagir de forma qualitativa com a complexidade do fenômeno religioso, e desenvolva a habilidade do diálogo, a fim de garantir a liberdade religiosa dos educandos, sem quaisquer formas de proselitismo.
(…)
Em conclusão, no mérito, votamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 309, de 2011, na forma do substitutivo anexo.
Deputado Pedro Uczai (PT/SC) 
SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 309, DE 2011
Altera o art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º O caput do art. 33 da Lei n.º 9.394, de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 33. O ensino religioso, disciplina de oferta obrigatória nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, de matrícula facultativa ao aluno, é parte integrante da formação básica do cidadão, e deve assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, sendo vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1° O Ministério da Educação expedirá diretrizes curriculares nacionais para o ensino religioso, cabendo aos sistemas de ensino a elaboração e execução de sua proposta pedagógica, a partir destas diretrizes.
§ 2º O ensino religioso pautar-se-á na valorização e reconhecimento da diversidade cultural religiosa, por meio do estudo dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, estruturando-se na articulação entre conhecimentos científicos e culturais, fomentando a liberdade religiosa, o direito à diferença e a promoção dos direitos humanos.
§ 3º Ao aluno que não optar pelo ensino religioso, será oferecida, nos mesmos turnos e horários, conteúdos voltados para a formação da ética e da cidadania, incluídas na programação curricular da escola.
§ 4º Os sistemas de ensino admitirão profissional habilitado em nível superior, em curso de licenciatura de graduação plena em ensino religioso, para atuar na docência do ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental.
§ 5º Compete ao Ministério da Educação, por meio do Conselho Nacional de Educação, publicar diretrizes curriculares nacionais para os cursos de Licenciatura Plena em Ensino Religioso, nos termos da legislação vigente.
§ 6º Fica assegurada a isonomia de tratamento entre os professores de ensino religioso e os demais professores da rede pública de ensino.”
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala da Comissão, novembro de 2011.
Deputado PEDRO UCZAI
Relator
A meu ver, à luz deste substitutivo, sobram duas opções para os humanistas seculares:

  1. defender que o ensino religioso seja removido da grade curricular pública, até pelos gastos desnecessários com cursos universitários de formação de professores na área (o STF vai julgar uma ADIN sobre isso este ano); 
  2. pressionar o Conselho Nacional de Educação para que as diretrizes de formação de professores na área incluam não-religiões como o humanismo secular e o materialismo filosófico, sob o argumento de que o Estado não pode insinuar, com esta disciplina, que o desejável para os cidadãos é que tenham alguma religião, não restando a opção de não ter nenhuma e abraçar cosmovisões não-religiosas como a nossa. 
Pretendo debater o assunto com os membros da LiHS em Assembleia Geral.
Até lá,
Eli Vieira
presidente