“Papai do Céu na Escola” de Marco Feliciano morre na praia, substitutivo inócuo tramita

O blog Fiscais de Fiofó noticiou meses atrás um dos projetos “meninas dos olhos” do deputado pastor Marco Feliciano (PSC/SP), a aberração antilaica “Papai do Céu na Escola” (PL 1021/2011). A mesa diretora da Câmara apensou este projeto a outro igualmente teocrático (PL 309/11), também de Feliciano, tentando alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para que o ensino religioso não seja apenas de oferta obrigatória, mas pura e simplesmente obrigatório, como noticiou o blog do grupo da LiHS no Ceará.
Eis que o “Papai do Céu na Escola” morreu na praia, não com um estrondo mas com uma lamúria (parafraseando T. S. Eliot), e o PL 309/11 foi diluído num substitutivo do relator Pedro Uczai, que pode ser lido abaixo logo após trechos selecionados do relatório. O substitutivo parece inócuo por não alterar o que a LDB já prevê no caso da obrigatoriedade: as escolas públicas têm a obrigação de oferecer o ensino religioso na educação básica, mas os alunos, apesar de frequentemente não serem informados disso, não têm obrigação de assistir às aulas.

Antes de tudo, cabe informar que a ementa da presente proposição merece ajustes. A obrigatoriedade do Ensino Religioso é inconstitucional, pois fere o § 1°, art. 210 da Constituição Federal, o qual prevê que esse componente curricular constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, ou seja, é de oferta obrigatória por parte da escola, mas de matrícula facultativa para os estudantes.
(…)
[P]ara atender o principio constitucional da laicidade do Estado, e, considerando que o Ensino Religioso é disciplina dos horários normais da escola pública, na definição de sua proposta pedagógica, tanto pelo Ministério da Educação, quanto pelos Sistemas de Ensino, não cabe interferências de religiões, igrejas ou entidades civis constituídas por diferentes denominações religiosas, cultos ou filosofias de vida.
(…)
O Ensino Religioso não deve ser entendido como ensino de uma religião ou das religiões na escola, mas sim, uma disciplina que visa proporcionar o conhecimento dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, a partir das experiências religiosas percebidas no contexto dos educandos, disponibilizando esclarecimentos sobre o direito à diferença, valorizando a diversidade cultural religiosa presente na sociedade, no constante propósito de promoção dos direitos humanos.
(…)
As diferentes crenças, grupos e tradições religiosas, bem como a ausência delas, são aspectos da realidade que devem ser socializados e abordados como dados antropológicos e socioculturais, capazes de contribuir na interpretação e na fundamentação das ações humanas.
(…)
[N]ão é necessário oferecer outra disciplina; basta à escola prever, em seu projeto político pedagógico, conteúdos voltados para a formação da ética e da cidadania para os estudantes que optarem em não frequentar as aulas de Ensino Religioso.
(…)
[D]eseja-se que o profissional do Ensino Religioso seja sensível à diversidade, possua conhecimentos científicos e culturais para interagir de forma qualitativa com a complexidade do fenômeno religioso, e desenvolva a habilidade do diálogo, a fim de garantir a liberdade religiosa dos educandos, sem quaisquer formas de proselitismo.
(…)
Em conclusão, no mérito, votamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 309, de 2011, na forma do substitutivo anexo.
Deputado Pedro Uczai (PT/SC) 
SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 309, DE 2011
Altera o art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º O caput do art. 33 da Lei n.º 9.394, de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 33. O ensino religioso, disciplina de oferta obrigatória nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, de matrícula facultativa ao aluno, é parte integrante da formação básica do cidadão, e deve assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, sendo vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1° O Ministério da Educação expedirá diretrizes curriculares nacionais para o ensino religioso, cabendo aos sistemas de ensino a elaboração e execução de sua proposta pedagógica, a partir destas diretrizes.
§ 2º O ensino religioso pautar-se-á na valorização e reconhecimento da diversidade cultural religiosa, por meio do estudo dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, estruturando-se na articulação entre conhecimentos científicos e culturais, fomentando a liberdade religiosa, o direito à diferença e a promoção dos direitos humanos.
§ 3º Ao aluno que não optar pelo ensino religioso, será oferecida, nos mesmos turnos e horários, conteúdos voltados para a formação da ética e da cidadania, incluídas na programação curricular da escola.
§ 4º Os sistemas de ensino admitirão profissional habilitado em nível superior, em curso de licenciatura de graduação plena em ensino religioso, para atuar na docência do ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental.
§ 5º Compete ao Ministério da Educação, por meio do Conselho Nacional de Educação, publicar diretrizes curriculares nacionais para os cursos de Licenciatura Plena em Ensino Religioso, nos termos da legislação vigente.
§ 6º Fica assegurada a isonomia de tratamento entre os professores de ensino religioso e os demais professores da rede pública de ensino.”
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala da Comissão, novembro de 2011.
Deputado PEDRO UCZAI
Relator
A meu ver, à luz deste substitutivo, sobram duas opções para os humanistas seculares:

  1. defender que o ensino religioso seja removido da grade curricular pública, até pelos gastos desnecessários com cursos universitários de formação de professores na área (o STF vai julgar uma ADIN sobre isso este ano); 
  2. pressionar o Conselho Nacional de Educação para que as diretrizes de formação de professores na área incluam não-religiões como o humanismo secular e o materialismo filosófico, sob o argumento de que o Estado não pode insinuar, com esta disciplina, que o desejável para os cidadãos é que tenham alguma religião, não restando a opção de não ter nenhuma e abraçar cosmovisões não-religiosas como a nossa. 
Pretendo debater o assunto com os membros da LiHS em Assembleia Geral.
Até lá,
Eli Vieira
presidente