Defesas da censura no Brasil que não fazem sentido (usadas inclusive no STF)

Duas objeções péssimas à liberdade de expressão:

1) “Você é livre para se expressar, mas não é livre das consequências de se expressar.”

Por que está errada: pode ser usada para defender qualquer tipo de censura. Afinal, todo tipo de censura injusta pode ser descrita como mera “consequência” da expressão. Defensores clássicos da liberdade de expressão já distinguem entre consequências legítimas e ilegítimas, a depender da expressão. Se a expressão não é difamação objetiva ou calúnia, incitação direta e inequívoca à violência (incluindo ameaças credíveis) ou ao pânico, nenhuma “consequência” que envolva o uso da força e da censura está justificada. Somente expressões contrárias devem ser as “consequências” de qualquer expressão fora dessas categorias. Nunca o autoritarismo de causar perdas materiais, de calar à força, ou de ameaçar a integridade física ou a liberdade de quem se expressou.

2) “Censura prévia é que é o problema.”

Esta objeção é tão popular no Brasil que já foi usada até pelo Dias Toffoli, presidente do STF. Por que está errada: a distinção entre censura prévia ou censura pós-fato é irrelevante. As categorias de expressão que devem ser limitadas pela força já estão estabelecidas (como discutido anteriormente). O autoritarismo contra expressões fora dessas categorias sempre busca uma desculpa para poder se impor, especialmente quando ele já dispõe da força para fazê-lo e busca apenas argumentos para se justificar. Alegar que o autoritarismo não foi aplicado antes da expressão se tornar pública, só depois, nada faz para justifica-lo de fato. De qualquer forma, a única censura verdadeiramente prévia é a autocensura, feita na intimidade dos próprios pensamentos do indivíduo. Todo o resto é censura praticada por outrem no mundo, variando só a quantidade de pessoas que a expressão atingiu. Existem diversas tentações para o autoritarismo: a expressão não agrada, a expressão expõe alguma coisa embaraçosa sobre alguém, a expressão expõe crimes praticados por alguém, a expressão ameaça tradições ou crenças que têm o afeto de pessoas e grupos poderosos, etc. Sociedades livres resistem a essas tentações. Indivíduos esclarecidos resistem a essas tentações. Sociedades e indivíduos autoritários se engajam nelas.

Finalmente, talvez por saberem intuitivamente os limites clássicos da expressão, algumas pessoas que querem expandir a censura usam de truques semânticos, como expandir o que quer dizer uma incitação à violência. É o caso dos defensores do “discurso de ódio” como novo limite à expressão. O truque, aqui, é chamar todo tipo de objeção preconceituosa (real ou percebida) a grupos discriminados de incitação à violência, quando com frequência isso não é verdade. O entendedor honesto da língua presume que quem tem ódio tem uma predisposição a agir violentamente com base nesse ódio. Chamar todo tipo de piada ou comentário preconceituoso de “ódio” e “discurso de ódio” é um apelo espúrio a essa intuição. O problema é que essa interpretação é com frequência falsa e não há nenhuma incitação real à violência por trás das expressões preconceituosas. Há outros motivos para deixá-las livres. Um motivo é que qualquer autoridade aplicadora da censura pode errar, somos todos falíveis, então criminalizar expressão preconceituosa é abrir espaço para pessoas inocentes do preconceito serem caladas à força. Outro motivo é que não saberemos o tamanho do problema do preconceito se as pessoas preconceituosas não são livres para se expressar. Além disso, impedir as pessoas alvo do preconceito de ouvir expressões preconceituosas é incentivar nelas uma psicologia de fragilidade, em vez de uma psicologia de resiliência.

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