Diferenças e Estereótipos: Notas sobre Epistemologia e Feminismo

Diferenças

Eu postulo que existam diferenças biológicas tanto em níveis fenotípicos quanto em níveis químicos. Essas diferenças desembocam em diferentes posturas, comportamentos e, conseqüentemente, formas de ver o mundo. A partir dessas diferenças o ser humano constrói representações que passam a determinar as relações sociais entre os seres. É nessa segunda parte que o problema do estereótipo acontece. O estereótipo é a essencialização de uma representação histórica, contingencial e completamente imersa em jogos de interesses para certas hegemonias e poderes. E isso acontece mesmo que na origem exista de fato uma diferença biológica.

Acabar com os estereótipos não é acabar com as diferenças. A própria igualdade é um estereótipo também. Valorizar as diferenças além dos estereótipos é garantir a pluralidade e a diversidade como arcabouço germinativo de relações sociais renovadas, onde a diferença não seja representada como oportunidade para hierarquizar essas relações.

Quando tive a oportunidade de pesquisar o movimento feminista me deparei com uma característica que jamais vi em grupamentos dominados pelo controle masculino. Se isso faz com que esse fato se torne histórico é porque por trás dele há uma origem biológica que o determina em certa medida. Achados arqueológicos anteriores ao neolítico (o neolítico é predominantemente patriarcal) dão conta de grupamentos matrilineares onde a maioria das mortes era por causas naturais, ao passo que nas civilizações patriarcais a maioria das mortes trazia como causa atos violentos.

Não muito longe de nós, com 98% de proximidade genética, assistimos duas sociedades primatas diametralmente opostas que nos mostram bases relacionais distintas: a dos Bonobos e a dos Chimpanzés. Os Bonobos, matrilineares, são uma sociedade mais cooperativa, menos violenta e que abriga a diversidade expressiva de seus integrantes para gerir as tensões sociais. Os Chimpanzés, patrilineares, são uma sociedade extremamente competitiva, violenta, de rigidez hierárquica onde a unidade de comando do macho alfa abafa e suprime as tensões sociais pelo controle e o medo.

Se isso não for bastante para postular diferenças possíveis entre os gêneros, recorramos à própria história. Partidos, facções, movimentos de cunho masculino, historicamente, sempre foram excludentes e discriminatórios. O movimento feminista em seu início teve o grande desafio de seguir esse modelo masculino de agremiação que historicamente sempre deu certo ou procurar seu próprio caminho. Contingencialmente a resposta feminina foi diametralmente oposta. As mulheres socialistas abrigaram as burguesas na reivindicação do sufrágio universal (direito ao voto), abrigaram os gays e lésbicas, abrigaram atéias e religiosas, e conviveram desde o início com uma diversidade desconcertante que desnortearia qualquer machinho (estereotipado ou não)…

Minha tese é que essas características, longe de ser uma “essência” da mulher, é a forma como elas se expressaram contingencialmente, e que é nessa forma que reside grande parte da solução (ou ao menos um encaminhamento plausível) para a maioria dos problemas que a civilização enfrenta hoje.

  

Conhecimento e Feminismo

 

Eu, particularmente, estou absolutamente enamorado pela perspectiva de uma filosofia feminista, de uma epistemologia feminista e até de um projeto feminista para a ciência; seja na busca de uma nova linguagem ou mesmo na produção de contradiscursos, o que começa a dinamizar e a horizontalizar toda forma de conhecimento direcionado, vertical, hierárquico e teleológico.

 

Pensando aqui com meus botões, mesmo sendo homem, vejo clara a discriminação contra minha forma independente de pensar muitas vezes. E olha que não me furto do jogo dos machinhos estereotipados para me fazer entender. Fico imaginando, com isso, todo tido de (im)possibilidades a que a mulher é submetida quando tenta construir uma voz própria a partir de sua perspectiva dentro desse sistema falocêntrico opressivo e autoritário.

 

Antes de pensarmos numa construção conjunta de uma epistemologia feminista (leia-se plural, diversificada, perspectiva e ampla), há de nos unirmos na desconstrução e na crítica profunda dos meandros dessa sociedade que desde a rua até aos meios acadêmicos e científicos ainda preserva feudos “intelectualóides” voltados ao domínio e competitividade machista.

 

A denúncia de uma racionalidade que opera a partir de uma lógica de identidade que não reconhece a diferença, mas hierarquiza-a de acordo com os interesses do poder, é o passo fundamental para a mudança do paradigma vigente.

 

Mas a questão não é só mudar. Não é preciso criar um novo mundo, mas sim nos apropriarmos dele e proporcionar a possibilidade de múltiplos significados, quebrando a resistência daqueles que verticalizam todas as relações, inclusive as epistemologicas.

 

Penso nesse dia como o momento derradeiro do início de nossa verdadeira emancipação como seres universais e da primeira ruptura entre os gêneros que um dia, talvez, chega à ruptura entre as espécies, tão arbitrária e somente útil para estudos.

 

Gilberto Miranda Jr.

http://blog.gilbertomirandajr.com.br

 

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