No dia 10 de abril de 2018, Mark Zuckerberg, fundador e chefe do Facebook, fez um depoimento ao congresso dos EUA, que busca investigar se a rede social permitiu influência indevida de atores internacionais sobre as últimas eleições presidenciais daquele país.
Dois momentos nesse depoimento nos chamaram a atenção: quando Zuckerberg comentou as políticas de limitação da expressão na rede social, e quando respondeu a um senador conservador sobre acusações de viés político da rede e supressão de opiniões e publicações socialmente aceitáveis vindas do campo político desse senador.
Sobre o segundo questionamento, Zuckerberg disse que as opiniões conservadoras são bem-vindas em sua rede social, e, apesar de alegar desconhecimento de exemplos específicos de censura apontados pelo senador, reconheceu que o vale do silício tem um extremo viés a favor da esquerda. Daí se pode presumir que não seria surpresa se, em caso de erros de seus milhares de revisores de conteúdo, esses erros tenderiam a favorecer a esquerda. Na nossa experiência, isso tende a ser verdade, mesmo que o suposto favorecido dos erros do Facebook com a empresa Cambridge Analytica tenha sido o atual presidente republicano Donald Trump (essa conclusão dependerá das investigações).
Meses atrás, em depoimento anônimo à BBC Brasil, um dos revisores de conteúdo do Facebook disse que é comum, por exemplo, que minorias sejam punidas por usarem palavras que antes eram pejorativas contra elas próprias de uma forma que as resgata, as apropria e lhes muda o sentido para algo positivo. Certamente não são os conservadores o grupo político que tenta “proteger” minorias de meras palavras, embora certamente tenham também suas tendências autoritárias em outras direções.
Sobre o primeiro questionamento acerca das políticas do Facebook para limitar a expressão de seus usuários, Zuckerberg propôs que seriam limites a incitação à violência e o “discurso de ódio”. Quanto à incitação à violência o congressista concordou que deve ser um limite (assim como concordariam filósofos que trataram da liberdade de expressão, como John Stuart Mill). O ponto preocupante é o “discurso de ódio”: Zuckerberg, como outros que desejam ver regras e até leis que proíbam a expressão desse tipo de discurso, não conseguiu definir o que é isso. Não é surpresa a falha em definir de forma convincente e satisfatória: o termo, que não é um dos limites clássicos à liberdade de expressão, é moda intelectual recente da esquerda, não é consenso, sofre de ambiguidades e subjetivismos impossíveis de se codificar em lei. Tentativas de coibir expressões supostamente não contidas na liberdade dos indivíduos com base nisso (liberdade que inclui o direito de errar, e a liberdade de pensamento para nutrir sentimentos pouco nobres para com outras pessoas — somente num pesadelo totalitário poderia haver algum sucesso das autoridades em suprimir emoções fundamentais humanas como o ódio). Não é surpresa que até os grupos que essa criminalização de “discurso de ódio” tenta proteger terminem por ser alvos dessa mesma criminalização, como no exemplo mencionado acima.
O humanismo deve ser uma força despolarizadora no ambiente político. Uma força que promove a transigência, o meio-termo e o acordo, pois os direitos humanos não pertencem a nenhuma agremiação partidária ou política, são uma conquista civilizacional que foi em si mesma fruto de outros acordos e meios-termos. O mesmo pode ser dito com relação a todos os outros elementos do humanismo: o ceticismo para com dogmas de todas as religiões, o trabalho para construir uma vida de valor aqui e agora, sem promessas sobrenaturais de outras oportunidades após a morte.
A LiHS incentiva humanistas de todas as orientações políticas a se juntarem a nós, inclusive para corrigir eventuais vieses políticos que nós mesmos tenhamos demonstrado inadvertidamente no passado. Internamente, como é nossa obrigação, não estamos dispostos a negociar sobre os valores do humanismo para favorecer qualquer partido ou agrupamento político. Queremos uma sociedade livre administrada (onde cabe essa administração) por um Estado laico, em que a dissidência não-violenta sempre seja possível.
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Para desenvolvimento técnico dos assuntos tocados nesta nota, recomendamos o trabalho de acadêmicos como Jonathan Haidt e Steven Pinker, e o website Heterodox Academy.