Contra as reformas “quirais” das tribos políticas

Seja considerando em escala global ou nacional, a verdade é que a tal “direita” costuma ser desajeitada e ignorante e a tal “esquerda” está genericamente tendendo ao fanatismo e à auto-ilusão. Enquanto isso, há muita gente que se diz de “centro” buscando meio-termos entre os dois tipos de idiotice. 


Não vivemos em um mundo onde o mainstream dos conservadores é composto por burkeanos ou onde a maioria dos autoproclamados progressistas é composta por pinkerianos. Vivemos em um mundo onde “conservador” dominionista quer prender mulher que levou tiro na barriga alegando que ela cometeu homicídio culposo via aborto e no qual os alegados “anti-fa”, que bem poderiam ser chamados de “proto-fa”, atacam jornalista homossexual de origem asiática que estava cobrindo a “manifestação”. 


Ou seja, vivemos em um mundo onde há intensas disputas entre as tribos políticas e cujas propostas e visão de mundo são ignorantes, abjetas, grotescas: e, numa só palavra, iliberais. Como expressa Pinker, o Humanismo é sinônimo de Liberalismo Clássico e a ele devemos os valores fundamentais que distinguem as sociedades atuais das primitivas: Liberdade de Expressão, isonomia legal, isonomia entre os sexos, defesa dos direitos reprodutivos, liberdades individuais (que incluem liberdades econômicas e tolerância às sexualidades minoritárias), democracia participativa, o Estado de Direito, o Laicismo, etc. 


Obviamente há exceções, algumas até notáveis, de pessoas no cenário político global e nacional, seja qual afiliação possuírem, que não defendem majoritariamente propostas e visões de mundo abjetas. Ainda que haja tais exceções — e talvez até possa haver uma “maioria silenciosa” de agentes políticos pouco relevantes que não seja composta por ignorantes e grotescos — as políticas públicas são pesadamente influenciadas por agentes, noções, ideias e visões de mundo irracionais, falsas e/ou iliberais. 


Neste cenário é relativamente frequente que pessoas muito mais moderadas, mais racionais, dispostas ao diálogo — mas ainda fortemente influenciadas pela febre tribalista — proponham reformas moderadoras à sua facção política preferida. Genericamente é possível parafrasear tais clamores aproximadamente como o que se segue: “é necessário promover uma esquerda/direita mais tolerante, aberta ao diálogo e compromissada com resultados, capaz de incluir e atender os interesses de amplas parcelas da população”. 


Claro que o desejável é que todos os grupos, movimentos, partidos e indivíduos interessados e/ou atuantes em política fossem tolerantes, dialogáveis, compromissados com resultados e pretendessem promover paz e prosperidade à maioria (quiçá toda) da população. E é exatamente este o cerne do presente texto: há elementos desejáveis por si só, independente de sua filiação tribal; e propostas de políticas públicas devem ser avaliadas por seu próprio mérito, notadamente incluindo muitas destes elementos supramencionados, independentemente de sua origem tribal. 


Para haver uma melhora significativa do cenário político global e nacional é preciso superar o tribalismo reinante e seu infinito ciclo de reides e vendettas de cada grupelho contra seus rivais e adversários. E isso se consegue justamente ao abandonar alianças pétreas com grupos, partidos e indivíduos e rejeitar fidelidade tribal, mantendo ao invés disso uma abordagem crítica e analítica a respeito das propostas e suas consequências em potencial, independentemente da procedência das propostas e de quais grupos as apoiam. 


Ou a tolerância deixa de ser interessante se provier de um partido de direita/esquerda? Por acaso a disponibilidade ao diálogo deixa de ser desejável para a esquerda/direita? A tão atacada Liberdade de Expressão tem mesmo de ser negada a grupos de esquerda/direita? Compromisso com empiria e objetividade, foco nos resultados e em sua eficiência são fundamentalmente desinteressantes à esquerda/direita? Resumindo: importam mais as tribos ou as características das propostas e seus resultados? 


Então a forma de promover e fortalecer racionalidade, eficiência, moderação e diálogo no cenário político não é propondo “reformar” grupos tribais já muito agressivos e aguerridos, mas rejeitar toda e qualquer proposta ou visão de mundo que for irracional, obscurantista, iliberal, sectária e apoiar toda e qualquer proposta que seja racional, compromissada com objetividade e empiria, Humanista e que promova direitos individuais — independentemente de qual for a origem das propostas e de quais grupos ou indivíduos as apoiarem. E, sobretudo, analisar e criticar propostas práticas e ações, não meros discursos: em especial os discursos focados em inflamar uma tribo contra a outra, mas que não se traduzem em uma proposta clara e aplicável. 


Também é importante insistir na objetividade das análises e que elas incidam sobre os elementos das propostas e projetos, não sobre alegadas intenções. É muito frequente que pessoas tolas, ignorantes ou auto-iludidas causem males não por perfídia, mas justamente por não saberem, saberem errado ou acreditarem em bobeiras: mas justamente por causa de suas boas intenções militam fervorosamente em favor do que é, no mínimo, idiota e chega a ser até mesmo revoltante ou atroz. 


Um exemplo fácil: há muitos proponentes da besteria anti-vacinação. A enorme maioria dos militantes desta estupidez não é de gente pérfida que voluntariamente e conscientemente quer promover doenças, sofrimento e morte, mas de gente ignorante ou crente em falsidades: no entanto, a maioria é de gente bem intencionada e que nutre desejo sincero de proteger as pessoas e a comunidade do que erroneamente identifica como uma séria e urgente ameaça. 


Análogos aos anti-vaxxers são os bocós de direita/esquerda “anti-globalismo” (ou anti-globalização), os desenvolvimentistas, os defensores de ideologias comprometidas com o Totalitarismo e frequentemente genocida, os anti-GMOs, o ativismo anti-nuclear, os “tábua-rasistas”, os proponentes da supressão da Liberdade de Expressão, os teocratas ou dominionistas, entre muitos outros. Todas estas propostas/grupos/movimentos são danosos aos indivíduos, às comunidades ou até ao meio-ambiente, se contrapõem à promoção de paz e prosperidade ao maior número de pessoas (e em especial às que já tem menos destas coisas), mas geralmente seus defensores são pessoas com boas intenções. 


O que se faz necessário para superar o tribalismo no cenário político, que promove o populismo e o autoritarismo, o sectarismo e erode as Instituições, é a promoção de uma abordagem racional e analítica, comprometida com objetividade, empiria e eficiência de resultados, para a avaliação de propostas de políticas públicas. Em um ambiente no qual prepondere agentes com tal abordagem e eleitores que tendem a esta abordagem, os extremistas e sectários são eliminados por “seleção natural”, já que suas propostas divisivas, populistas, autoritárias ou danosas são identificadas e rejeitadas. 


A maioria dos elementos que permitem às sociedades atuais superar a mortalidade infantil, a violência endêmica, as epidemias evitáveis, a fome e a miséria é bem conhecida. É por isso que, hoje, mesmo as nações mais pobres e violentas do planeta se assemelham cada vez mais à rica Europa do início do século XX, com a prosperidade e a paz sendo promovidas a passos largos nos locais anteriormente mais miseráveis da Terra. Entretanto este estado de coisas não é, necessariamente, permanente, e depende da promoção e manutenção de valores Humanistas, de Instituições saudáveis, de diálogo e liberdade entre as pessoas e nações.


Quando visões de mundo equivocadas promovem propostas sectárias, excludentes, obscurantistas, iliberais, os elementos promotores de paz e prosperidade são ameaçados e, por vezes, erodidos. É desta forma que se chega a Maduros, Trumps, Bolsonaros, Kim Jong-Uns, Putins, etc e às medidas idiotas ou até mesmo obviamente danosas promovidas por eles e por seus partidários e também por seus adversários inconsequentes. O tribalismo só pode ser superado por um esforço consciente, metódico e racional para pensar “além da tribo”, não em seu benefício. E não são tribos que promovem prosperidade e paz, mas o reconhecimento das características universais humanas e o uso sistemático e voluntário da razão, mediante objetividade e empiria, em um esforço contínuo de cooperação para a consecução do maior bem-estar à maioria das pessoas do mundo. 

Greenwald, Moro, presunção de inocência e a mentalidade narrativista: falhamos enquanto democracia?

Alysson Augusto é licenciado e mestrando em filosofia pela PUCRS.
 

O Brasil enfrenta uma conjuntura que nos faz questionar quais são os fatos. Há pouco, o camisa 10 da seleção, Neymar, foi acusado de estupro e a opinião pública se dividiu: muitas pessoas tomaram prontamente o lado da acusadora, e muitas outras tomaram prontamente o lado do acusado. Do lado da acusadora, a compreensão de que ela foi vitimada por Neymar, e que a relativização dessa vitimização seria uma expressão de um machismo estrutural, foi determinante para sua defesa. Do lado do jogador, a compreensão de que muitas denúncias de estupro falsas estão vindo à tona, junto do vazamento de um vídeo que denotaria a má intenção da denunciante, seriam suficientes para definir como crime de extorsão a acusação feita pela mulher. 

Mal a polêmica sobre estupro esfriou, a atenção pública já se voltou à política. A bomba mais recente a cair no colo da opinião pública foi noticiada pela Intercept, do jornalista Glenn Greenwald, mostrando mensagens que comprometem a imagem do super-ministro da justiça Sergio Moro: será que o grande nome brasileiro no combate à corrupção é, também ele, alguém moralmente corrupto? 

Ataques e defesas à imagem do ministro, baseadas na polêmica propagada pela matéria de Greenwald, nos fazem questionar algo aparentemente simples: afinal, com quem está a verdade? Moro realmente comprometeu a isenção necessária para a aplicação da justiça na condução da Lava-Jato, incluindo a condenação de Lula? Estaria a Intercept fazendo mais barulho do que emitindo informações relevantes sobre a atuação do juiz? 

Aliás… Estaria Glenn Greenwald envolvido diretamente na aquisição das informações notificadas? Greenwald pagou um hacker para violar a privacidade do juiz Sergio Moro e do procurador Deltan Dallagnol? A ânsia por descobrir um vilão é visceral, e decorrente dos tempos primitivos da nossa origem evolutiva e tribal. 

Evidentemente, os questionamentos acima estão acirrando a disputa política: por um lado, cidadãos mais à esquerda do espectro político identificam no caso Moro a prova cabal de vínculo maquiavélico entre judiciário e ministério público — ora, quem julga o réu (Moro) não pode fornecer orientações para facilitar que o acusador do réu (Dallagnol) vença a disputa: seria como um juiz de futebol orientar um dos times a praticar certos ilícitos sem que essa ilicitude fosse devidamente punida. Alguns, ainda mais radicais, apostam numa verdadeira conspiração da máquina pública arquitetada contra o ex-presidente Lula. Por outro lado, cidadãos mais à direita entendem que as informações vazadas não são relevantes, ou então que são realmente criminosas, e qualquer um que venha a julgar o caso de Moro não deveria se basear em provas adquiridas por meios ilícitos — a invasão da privacidade do ministro e do procurador compromete a legitimidade das provas, não havendo como, por meios legais, destronar Moro do posto já conquistado. 

Diante do fato de que há um problema latente de direitos humanos em ambas as narrativas (Greenwald está sendo acusado de conluio para hackear a privacidade de Moro, e Moro está sendo acusado de corrupção moral), é preciso resgatar um pouco de filosofia. 

Acusações estão, muitas vezes, pavimentadas em boas intenções. Todos conhecemos a história de Sócrates, nome tornado marco filosófico na Grécia Antiga e que nos acompanha até hoje. Dadas algumas semelhanças, Sócrates tem lembrado Jesus, devido ao martírio que definiu a narrativa histórica de ambas as personagens: compartilham de uma causa, em nome da qual enfrentam a opinião pública; agradam alguns, desagradam outros e, acima de tudo, enfurecem detratores. 

Entretanto, se Jesus tem atualmente a favor de si uma legião de pessoas religiosamente engajadas, Sócrates tinha, em vida, a favor de si alguns amigos, dentre os quais esteve Críton, um moço rico que, após a condenação de Sócrates, propõe ao filósofo a possibilidade de fuga — por princípios, Sócrates recusou a oferta. Condenado por motivações populistas, difamado e caluniado sem que o autor da denúncia precisasse provar o que estava dizendo, e assim imputando a Sócrates o dever de proteger-se das acusações (no Direito e na Filosofia chamamos isso de inversão do ônus da prova), a história de Sócrates nos ensina sobre o valor de princípios imperativos para o ordenamento da sociedade, princípios que, na pólis contemporânea, vêm a ter lugar especial diante do poder político da mentalidade populista, inquisitória e punitivista. 

Platão, mais um grande nome tornado marco da filosofia antiga (há quem rejeite Prozac para tomar Platão como medicamento), teve a perspicácia de mostrar como condenações vagas não podem servir de parâmetro para a justiça, o que lhe fez ter profundo rancor da democracia devido ao seu potencial populista e gerador de imperfeição frente a um mundo onde a justiça é ideal e reproduz a si mesma. Essa idealização da justiça é parte do que Platão toma como “Mundo das Ideias”, em que as formas são fixas, imutáveis e toda a contingência do mundo deriva desse realismo transcendental. Ora, a justiça existe e deve ser buscada, ela está em algum lugar no mundo, ainda que as ações mundanas sejam comumente injustas mesmo no melhor dos sistemas políticos disponíveis (se é a democracia ou não, há quem conteste). A narrativa contemporânea de que tudo são narrativas e, portanto, a justiça é apenas mais uma dentre tantas, não sobrevive ao escrutínio platônico, e ainda que a possibilidade da aplicação da imparcialidade possa ser contestada, ela continua sendo desejada para a sustentabilidade de qualquer sistema no qual imperam conflitos. 

Infelizmente, a mentalidade narrativista — ou seja, essa inclinação a ver os fatos do mundo como nada além da história contada pelos mais fortes — não é exclusividade de alguns autores franceses contemporâneos. Ela está na gênese do conflito democrático: em vista de defender certos interesses, são necessários esforços específicos para a construção da justificação pública desses interesses: você precisa contar a sua mentira mil vezes até que ela se torne verdade. E o modelo a ser preenchido para gerar tal justificação costuma ser simples: 1) há um inimigo, 2) esse inimigo é caricatural e age como o mal encarnado, sendo contrário às melhores aspirações da sociedade civil, 3) “as melhores aspirações da sociedade civil” são aquelas que definimos ser, 4) conhecemos e vamos aplicar a solução para combater tal inimigo e, por óbvio, 5) somos os mocinhos que conhecem a realidade, queremos revelá-la e apenas estamos preocupados com o bem maior. É possível dar exemplos de como esse raciocínio se alastrou na história das civilizações, e como, especialmente no século XX, foi mote para a geração de líderes populistas que destruíram milhões de vidas sencientes, mas isto já ficou suficientemente explícito. 

O ponto a não se perder aqui é o seguinte: a democracia pressupõe interesses e é perfeitamente possível descrever esses interesses numa estrutura narrativa — ora, é exatamente isso que justifica a mentalidade narrativista, em que os conflitos são incessantes e a verdade é definida não pela objetividade do mundo, mas pela imposição do vencedor. Há mesmo aqueles que aceitam a narrativa de que tudo são narrativas e, diante disso, estabelecem critérios morais para discriminar quais narrativas valem ser adotadas, e quais não valem. Em alguns departamentos acadêmicos, o padrão de discriminação de quais narrativas merecem defesa tem sido a justiça social: se tal narrativa favorece a justiça social (seja lá o que isso signifique), ela merece defesa. Jonathan Haidt deixou incrivelmente claro como a priorização da justiça social traz externalidades injustas, e com ele é prudente concordar neste ponto: se tudo são narrativas, nada me impede de estabelecer como critério de defesa não a justiça social, mas a verdade. Ora, o que poderia me refutar diante de tamanho relativismo? Aliás, quem disse que é verdade que tudo são narrativas é verdade? Se há uma verdade absoluta sobre narrativas serem absolutas, então não há verdade absoluta. A coerência é impossível em uma mentalidade narrativista, e quando falamos em coerência estamos falando em lógica e adequação do intelecto à realidade, o que nos faz lembrar não apenas de Platão, como também de medievais como Tomás de Aquino e modernos como Immanuel Kant. 

Aliás, Platão também destacou que a sabedoria é prudente (phrónesis), e a prudência é o que dignifica o julgamento público, moral e jurídico. Nesse sentido, não há mérito em apontar o dedo para destacar culpados sem que tal atitude seja devidamente refletida pelo acusadora sabedoria dispensa aspirações populistas. Então, que prudência há na opinião pública? Como depender do conflito de narrativas, selecionando aquelas que, por nossos critérios (ou seja, por nossos vieses cognitivos), são as mais convenientes? A questão é: há como não delegar à opinião pública e ao eterno conflito de narrativas a determinação da verdade? 

Sim, de fato há. Existem certos parâmetros perfeitamente sensatos e aplicáveis, frutos de nossa razão, que são moralmente normativos para que possamos estabelecer posicionamentos seguros diante de polêmicas. E esses parâmetros estão implícitos ao longo deste texto: Neymar, Moro, Greenwald, Sócrates, Jesus… Todos têm em comum o fato de que foram acusados no tribunal da opinião pública, e a acusação também é um direito às partes que se sentem lesadas. A questão é justamente como lidar com a acusação. Se Neymar precisou vir a público e expor a intimidade compartilhada com a moça que o acusou, é porque ele sabe que estupro é coisa séria, e a opinião pública poderia destruir sua carreira se ele não fizesse algo a respeito (tal como o movimento #MeToo destruiu muitas carreiras, inclusive de mulheres, seja com acusações verdadeiras ou falsas). Da mesma forma, o burburinho das redes sociais, onde somos levados a crer em nossos amigos por mais que estejam defendendo falsidades (e isso é um problema muito maior e anterior à emissão de fake news), e a tendência  a crer em qualquer opinião que fundamente nossos preconceitos e predisposições ideológicas, acirram a necessidade de marketing pessoal: diante de uma acusação pública comprometedora, se você não fizer algo para pintar sua imagem como alguém inabalável pela acusação, você estará em maus lençóis. E assim temos não apenas Neymar se precavendo, como também temos Sócrates subindo ao púlpito e defendendo a si mesmo, bem como temos Moro dizendo que as mensagens reveladas não continham nada demais. Não sei se Greenwald já veio a público pintar a si mesmo como injustiçado, mas sei que o próprio Jesus só tinha doze apóstolos para enfrentar a maré de hebreus que passaram a vê-lo como impostor. 

O fato é que, na condição de meros espectadores que vivenciam todas as mais variadas polêmicas envolvendo personalidades nos noticiários, não devemos depender dos esclarecimentos públicos parciais das partes envolvidas, por mais que elas se prestem a mostrar-se inabaláveis. Devemos, isso sim, amparar nossos julgamentos em nossa própria racionalidade, e seguir princípios caros à construção de sociedades modernas, seculares e humanistas: devemos presumir a inocência dos acusados, devemos dar aos acusados o direito à ampla defesa (especialmente frente à opinião pública, que não usa togas e becas mas bate o martelo sobre a definição de carreiras no mercado), devemos, enfim, compreender que nem tudo são narrativas, que há uma verdade objetiva a ser esclarecida, que essa verdade é alcançável assintoticamente por mais que não consigamos ser perfeitamente imparciais de maneira individual, e que a forma de se aproximar de tal verdade é por meio do comportamento prudencial coletivo. 

Se a forma certa de bater o martelo fosse efetivada, talvez nem Sócrates e nem Jesus tivessem sido executados. Talvez Neymar seja absolvido, talvez Moro seja devidamente punido e, talvez, Glenn Greenwald tenha sua liberdade de imprensa respeitada. As diferentes narrativas enfurecem diante da imparcialidade, pois a parcialidade não sobrevive à constante tentativa racional de buscar a verdade, qualquer que ela seja. E a própria justiça é impossibilitada por uma abordagem narrativista, posto que a narrativa acusatória seria equivalente (e seu valor indistinguível do da) narrativa de defesa. 

 

Principais estatísticas brasileiras de morte por homofobia são falsas, conclui checagem independente

Por Eli Vieira,1 Camila Mano,2 Daniel Reynaldo,3 David Agape4 e Vanessa Bigaran4

  1. Biólogo geneticista, presidente da Liga Humanista, criador de conteúdo. Participou da checagem, criou texto e gráficos.
  2. Doutora em bioquímica. Participou da checagem.
  3. Administrador do blog Quem a Homotransfobia Não Matou Hoje? Participou da checagem.
  4. Fundadores da Agência Dossiê. Participaram da checagem.

Oficialmente, não há números sobre os mortos por homofobia no Brasil. Há quase quatro décadas, o Grupo Gay da Bahia (GGB), fundado pelo historiador Luiz Mott em 1980, desenvolve um levantamento de dados independente que tem sido tratado como fonte de um número oficial pela imprensa e órgãos nacionais e internacionais como a Anistia Internacional e a ONU. A estatística anual de mortes violentas por homofobia do GGB já apareceu em publicações como O Globo, Estadão, Folha de São Paulo, Gazeta do Povo, Reuters, BBC, NPR, The New York Times (que, com base nela, disse que o Brasil passa por uma epidemia de violência antigay), entre outras. Publicações esportivas, com base na estatística do GGB, alertaram aos atletas LGBT para terem cuidado extra ao vir ao Brasil para as Olimpíadas. Diversos trabalhos acadêmicos citam as estatísticas do GGB e há títulos acadêmicos inteiros conquistados com base nelas. Os números do GGB são baseados em clipagem de notícias.

Ao menos duas vezes a estatística anual do grupo foi usada durante a campanha eleitoral de forma proeminente no ano passado: quando a candidata Vera Lúcia (PSTU) mencionou em seu plano de governo registrado que “[e]ste país é também o que mais mata LGBTs no mundo. Uma vítima a cada 19 horas”, e quando a âncora Renata Vasconcellos, numa pergunta ao candidato Bolsonaro no Jornal Nacional, repetiu que “a cada 19 horas, um gay, lésbica ou trans é assassinado ou se suicida por causa de homofobia no Brasil”. O número, porém, inclui heterossexuais mortos supostamente por motivação homofóbica, mas este fato foi esquecido não só por Vasconcellos, mas também por sua fonte, o GGB, que também diz que, na mesma frequência de horas, “um LGBT morre de forma violenta por motivação homotransfóbica no Brasil”. A divulgação da estatística poderia ser melhorada se os autores do trabalho e a imprensa a descrevessem como resultante de um relatório de mortes violentas motivadas por homofobia, sem especificar a sexualidade das vítimas. Mas o esquecimento dos heterossexuais mortos por homofobia incluídos nos dados não é o único problema com a divulgação da estatística, como veremos adiante.

A checagem revela graves problemas de rigor

Para descobrir até onde vai a imprecisão, nós refizemos todo o trabalho do GGB referente ao ano de 2016, checando todos os dados colhidos pelo grupo. A replicação dos resultados do GGB é dificultada por ele próprio, que não publica planilhas em formato acessível com links para as matérias jornalísticas que usou como fontes. Buscando online pelos nomes das vítimas e locais de falecimento, checamos todas as 347 vítimas relatadas e recuperamos as fontes não divulgadas no relatório.

Descobrimos que o banco de dados de vítimas da homofobia em 2016 no Brasil do GGB sofre de graves problemas de rigor. Apesar do relatório se referir ao Brasil, estão inclusos seis casos de mortes no exterior, como o de Kimberly, transexual morta por um excesso de 94 facadas, em Florença, pelo namorado Mirco Alessi. Há alguns casos duplicados, como o da travesti T. E. Geremias de Moraes, misteriosamente esfaqueada em Valinhos (que reclassificamos como inconclusivo quanto à motivação homofóbica). Em alguns casos descobrimos uma leitura incompleta do relato jornalístico: por exemplo, um casal heterossexual supostamente viciado em drogas foi assassinado por um traficante no Ceará. Aparentemente, o caso foi incluído pelo GGB somente porque a manchete omitiu o sexo da mulher, dando a entender erroneamente que poderia ser um casal gay.

É correto somar suicídios a homicídios nesse caso?

Dos 347 casos de 2016, excluímos 30 da análise por serem mortes no exterior, casos duplicados ou casos em que foi impossível recuperar as fontes. Dos que sobraram, 20 casos são suicídios. É discutível a decisão de somar suicídios a assassinatos. A estatística do GGB consiste em mortes violentas motivadas por homofobia, e, legalmente, morte violenta incluiria acidentes, suicídios e homicídios. Obviamente, acidentes não deveriam ser incluídos, pois não existe motivação alguma por trás deles, muito menos a homofóbica. Isso não impediu o GGB de incluir mortes acidentais a seus números. Quanto ao suicídio, é evidente que, nem sempre que um LGBT se mata, é possível afirmar que a causa primária de sua decisão é a homofobia. Suicidas geralmente sofrem de depressão, que é em si a causa imediata de sua morte. Certamente é um tema importante descobrir com que frequência a homofobia causa depressão e suicídio, mas é quase sempre impossível separar suicídios motivados por homofobia de suicídios de LGBT motivados por outros problemas, ao menos que haja alguma evidência como uma carta de despedida em que o suicida o diz explicitamente. Além disso, há uma questão moral. Um suicida fere a si mesmo, desistindo da própria vida, que lhe pertence. Um homicida fere a outrem, roubando-lhe a vida. Não parece que as duas decisões sejam comparáveis ao ponto de ser justo somá-las num número só. Uma egodistonia sexual que leva à depressão e ao suicídio é bem diferente de uma homofobia assassina aplicada sobre outrem. Não prendemos sobreviventes de tentativas de suicídio, mas prendemos homicidas. Pelos motivos acima, o mais importante dos quais é a dificuldade de estabelecer a real importância da homofobia na rede de motivos possíveis para o suicídio de uma pessoa LGBT, excluiremos os suicídios da análise, e pensamos que sua repetida inclusão é uma possível tentativa de inflar a estatística das vítimas da homofobia.

Além dos suicídios, excluímos também casos cuja inclusão no estudo original é inexplicável: seis mortes acidentais, o afogamento do diretor de teatro Glauber Teixeira, um caso de agressão em que a vítima sequer morreu (a estatística é sobre mortes), um caso de morto em incêndio sem suspeita de crime, doze mortes suspeitas em que não é possível afirmar que houve crime, uma overdose, entre outros. Limitando os casos somente a homicídios confirmados (dolosos, culposos e latrocínios), sobram 258 casos dos 347 originalmente relatados. A seguir, mostraremos quantos desses realmente foram motivados por homofobia.

Figura 1. Dados excluídos após a remoção dos não encontrados, duplicados e ocorridos no exterior.

Concordamos: héteros podem ser vítimas de homofobia

Como dito, uma interpretação equivocada desses dados é que refletem a quantidade de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais assassinados por serem LGBT no Brasil. Algumas das vítimas da homofobia são heterossexuais. Em março de 2016, Jorge Luiz Lima Farias, 20 anos, foi preso em Cratéus, Ceará, em um bar. Ele tinha as roupas sujas de sangue no momento da prisão. “Não me arrependo”, disse o assassino à polícia. Suas vítimas foram Alexandre Martins da Silva, 28, morto por ter divulgado um vídeo em que Jorge Luiz beijava um homem, e José Wilson Messias Coelho, 50, morto por ter tentado salvar a vida de Alexandre. Não há relato nenhum de que alguma das vítimas era gay. Neste caso, confirmamos as duas mortes como motivadas por homofobia, afinal, é preconceituoso esse temor tão forte da divulgação de sua própria atração por pessoas do mesmo sexo que dá em assassinato, ainda que o autor do crime seja um possível gay e as vítimas sejam provavelmente héteros.

Nossos métodos

Recuperamos os seguintes dados sobre as vítimas: crime ou situação que causou a sua morte, o motivo aparente da morte, os links contendo as notícias-fonte, número de processo judicial onde disponível, e, finalmente, se é possível concluir que a motivação principal ou mais provável da morte foi a homofobia, onde classificamos os casos como “sim”, “não” ou “inconclusivos”. Trazemos a replicabilidade para onde ela havia sido dificultada: qualquer pessoa pode checar se concorda conosco na nossa planilha.

Na nossa checagem dos dados, não fomos muito conservadores. Por exemplo, a travesti Lauandersa foi encontrada morta a facadas, sem sinais de latrocínio (roubo de seus bens), em ponto de prostituição, seminua, ao lado de preservativos usados, em Caucaia, Ceará. Na ausência de elementos que ponham em dúvida uma motivação homofóbica, e diante de um caso que poderia ser explicado como resultado da motivação homofóbica de um cliente com arrependimento pós-coito, decidimos por confirmar o caso em concordância com o GGB, ainda que uma análise mais conservadora pedisse a reclassificação do caso como inconclusivo.

Alguns casos são mais fáceis de se classificar como motivados por homofobia. O professor Jair Figueiredo, 38, foi morto em sua própria casa com 40 facadas, em João Pessoa, após tentar seduzir o assassino, um jovem de 16 anos, que alegou à polícia que a vítima havia pego uma faca após a recusa, o que parece uma óbvia mentira para alegar legítima defesa.

Outros casos incluídos são flagrantemente não motivados por homofobia. Fabiana Braz Conceição e Daniella Silva Gomes, um casal, foram mortas a tiros numa moto porque eram traficantes e disputavam com outros traficantes o controle do tráfico em sua região em Goiânia.

Resultados da checagem são surpreendentes

Dos casos colhidos na imprensa pelo GGB, foi possível concordar somente que 31 casos foram mortes motivadas pela homofobia no Brasil. Isso significa que o relatório errou em 88% dos casos de homicídio (227 de 258), e que somente 9% dos dados totais (31 de 347) para o ano de 2016 servem para fazer as conclusões que o grupo e a imprensa que o cita fazem.

Figura 2. Resultado da checagem dos dados: a real cara do que foi apresentado como morte por homofobia.

Fantasmagórica e irrefutável “estrutura”

Por que casos como suicídios sem motivos esclarecidos, acidentes e até um casal de lésbicas traficantes mortas pela concorrência do crime foram inclusos? Aqui entra uma decisão teórica das pessoas por trás do GGB: por acreditarem que a homofobia no Brasil é “estrutural”, termo que cria um inimigo fantasmagórico impossível de refutar, toda morte de LGBT no Brasil é presumida como resultado da homofobia. O que o GGB cita para justificar a crença de que a homofobia no Brasil é “estrutural” (seja lá o que isso for)? Os próprios dados, como diz na conclusão de um relatório oficial do Ministério dos Direitos Humanos publicado em 2018: “De acordo com os dados apresentados é possível concluir que a LGBTfobia no Brasil é estrutural”. Repetindo: quando o GGB é pressionado sobre os casos duvidosos, ele cita a “homofobia estrutural” como justificação para incluir toda e qualquer morte de LGBT nos dados. E quando tem de comunicar ao governo a razão de a homofobia ser “estrutural”, o GGB cita os mesmos dados. Parece circular. Curiosamente, o ministério se isenta de responsabilidade pelo conteúdo do relatório oficial, que traz também números do Disque 100 de vítimas de discriminação, ofensa verbal e agressão.

Figura 3. A afirmação acima foi feita pelo GGB a seus críticos. A afirmação abaixo foi feita pelo GGB num relatório escrito conjuntamente com o Ministério de Direitos Humanos (2018).

Vale ressaltar que essa metodologia de incluir toda e qualquer morte de LGBT entre vítimas de homofobia apelando circularmente para uma “homofobia estrutural” não é seguida, por exemplo, pelo FBI, que define crime de ódio como “contra uma pessoa ou sua propriedade motivado em todo ou em parte pelos vieses do infrator contra uma raça, religião, deficiência, orientação sexual, etnicidade, gênero ou identidade de gênero”.  Foi essa orientação que seguimos, e é bem simples: houve motivação homofóbica se há indícios de motivação homofóbica. Presumir a motivação homofóbica sem indícios para tanto tem vários nomes: viés da confirmação e dogmatismo entre eles.

Duas agências de checagem jornalística questionaram uma interpretação dos dados do GGB: que eles mostrariam que o Brasil seria o país que mais mata LGBT por serem LGBT no mundo. Essa afirmação recorrente do GGB é incompreensível, dado que não apresentam números do exterior para comparação (embora incluam dados do exterior nos números nacionais), nem esclarecem como é possível afirmar que o Brasil seria pior que países que punem a homossexualidade com a pena de morte, que evidentemente evitam calcular e divulgar esses números para não chamar a atenção da opinião pública internacional. O Truco, da Agência Pública, classificou essa afirmação como “impossível provar” e a Agência Lupa como “insustentável”. Como mostramos aqui, não é só a comparação do Brasil com o exterior que é “insustentável” e “impossível provar” sobre os dados do GGB: o mesmo pode ser afirmado sobre seus dados a respeito do Brasil.

Conclusão

As pessoas LGBT devem ser livres para buscar a própria felicidade e saúde, das mesmas formas que as pessoas heterossexuais e sem problemas como a disforia de gênero fazem. Liberdades individuais e isonomia perante a lei são, na nossa opinião, a chave da questão. Isolamento, política identitária, sensacionalismo e uso das minorias sexuais como bucha de canhão política são elementos presentes no atual debate público que têm grande potencial de piorar a vida dessas pessoas neste momento de transformação das atitudes e opiniões públicas a seu respeito. A verdade é amiga da causa das liberdades individuais e da democracia. Qualquer número de LGBT mortos por serem LGBT no Brasil é preocupante e exemplo de que a cultura ainda não se transformou o suficiente na direção do respeito ao indivíduo diferente. No entanto, tentativas de inflar esses números, honestas ou não, dificilmente ajudam a qualquer causa justa.

Ao divulgar versões preliminares desta checagem, nós recebemos ataques virulentos dos participantes do GGB nas redes sociais. Membros da nossa equipe que são LGBT foram classificados como “egodistônicos” e “traidores”. Parece que a acusação de homofobia é o instrumento favorito dos autores dos números inadequados para qualquer crítico de seus métodos. É de se estranhar, pois há acadêmicos envolvidos na coleta e divulgação desses dados, e todo acadêmico deveria achar normal o processo de crítica e revisão por pares. Essa reação, também, na nossa opinião, revela outra faceta das razões pelas quais há uma taxa de erro de 88% nesses números.

As estatísticas criminais no Brasil têm muito a melhorar. Não só não temos uma fonte unificada dos números da violência (dependemos bastante de levantamentos vindos da saúde), a taxa de resolução de crimes como o homicídio é em torno de 8%. Antes de cobrar que o Estado preste atenção preferencial a este ou aquele grupo alvo de crimes agravados por motivações torpes como a homofobia, parece prioritário cobrar que o Estado cumpra sua função prometida de prevenir e investigar os crimes e punir os infratores com mais eficiência. Também parece ser necessária uma revisão legal de agravantes por motivações torpes, para que todos os grupos minoritários se sintam contemplados, sem que isso seja usado para inventar novas limitações à liberdade de expressão, que já não é plena no país. A maior aliada da justiça é a verdade. E o maior aliado da verdade é o rigor. Faltam rigor e verdade nos números mais divulgados sobre violência contra LGBT no Brasil.

Planilha com dados completos (original e checagem)

Link externo para a planilha aqui. Atualização: neste novo link é possível encontrar a planilha como um web-aplicativo em que é possível clicar em cada caso (linha da tabela) para abrir automaticamente abaixo da tabela as fontes referentes ao caso.

Como importar diretamente a planilha para o R:

library(gsheet)
url <- construct_download_url("https://docs.google.com/spreadsheets/d/1QdVdDhPLsFomf9edOscMz-hZhIitqwkSuSi3I7XV3Po/")

dados <- read.csv(url(url), skip=1, na.strings = "")

We still reject your panic mode: Bolsonaro and Brazil so far

We at the Secular Humanist League of Brazil (LiHS) have a great deal of sympathy for Spiked Magazine’s “radical humanism” and the work of its editor Brendan O’Neill. We tend to concur with them that resistance to humanism is not only at the right-wing, as it’s normal to assume for almost every not-so-young humanist today after many decades of threats coming from the so-called “religious right”, in the context of the global conversation about human rights, science and progress.

Spiked and O’Neill have been at the forefront of criticism against the identitarian, post-modern-influenced “New Left”. They understand a “radical humanism” means defending freedoms and reason no matter where and no matter against whom. A radical humanist is prepared to lose friends defending humanism. Maybe that’s the “radical” part, even though we wouldn’t normally jump on any bandwagon praising any kind of “radicalism”. Radical ideas are often radically implausible.

The English-speaking world of Spiked and O’Neill’s is not identical, of course, to our Brazilian context. However, the sources that they often criticise are now the same international sources that are panic-mongers about president Jair Bolsonaro, who took office five days ago. As we told the German outlet Humanistisch International, Bolsonaro is no friend of humanism. The idea of humanism is clearly alien to him. However, reason demands not only that we disapprove of him for his ideas and words, but also that we make an accurate evaluation of his actions, not falling prey to panic, which would be both irrational and counter-productive. Unfortunately, this latter response is exactly what many humanists are doing, led by a dispirited radical left that is both among them and among our friends. A radical left that is in many ways anti-freedom and therefore anti-humanism by definition. Anti-freedom, for instance, when making up innovations on the limits of free speech that are not warranted by our received understanding of free speech.

English-speaking people in many ways are accustomed to freedom. It comes naturally to many of them. They wouldn’t imagine that every single social problem can only be solved by government intervention. It might be changing (as it seems to be the case with the outrageous law against ‘offensive’ pornography in Britain), but ever since John Locke and John Stuart Mill, British people don’t often see a lot of difference between liberalism and humanism, for how could we live well as individuals if forces more powerful than us prevent us from doing whatever it is that we want to do as jobs or in our bedrooms? Brazilians are often not like that. Saying some problem must be solved by government intervention is almost a knee-jerk reaction for many. For historical reasons, Brazilians are more prone to see government intervention as normal, no matter the costs to liberty. If you want to pay minimum wage to a single employee, government intervention makes you the “bargain” of one employee for the price of three. If you want to provide services on your own, it’s not uncommon that you’d be obliged by law to pay a third of what you make in taxes. As a result, millions of Brazilians are unemployed or “informally employed”, living on the edges, and suffering.

If a (radical) humanism is pro-freedom, what are we to make of Brazil’s enormous, oppressive, anti-free enterprise government? What are we to make of the many parts of the left-wing who approve of this state of affairs and cry out in anger at every attempt at lessening the heavy presence of the State in the individuals’ lives? English-speaking people on the left must understand that they are often not the same species as Latin American leftists. While socialism has only recently begun to be presented as not so evil as the received wisdom portrays it in the US, it’s never been fully discredited in Latin America, so the element of authoritarianism is always present on both sides of the traditional political divide. To give you a practical example: recently we’ve seen a legitimate, serious Stalinist organisation spreading their word on southern university campuses in Brazil, praising Stalin as the father of the people. Meanwhile, we’ve also seen swastikas drawn in various places during the presidential campaigns, but most if not all of them were the creations of Bolsonaro’s opposition trying to discredit him with false flags. There is, therefore, a double standard here, in which the authoritarian errors of the far right are recognised, but not those on the far left. Yes, we have the full spectrum of being on the left, with non-authoritarians defending nothing but an achievable welfare state, for instance. But with Latin America you never know the full extent of authoritarian elements being eschewed from acceptable, mainstream parties and discourse. Equally wrong is how Bolsonaro’s supporters seem to see every left-wing thing as full Communist.

Bolsonaro has partnered with liberal economists like minister Paulo Guedes, who want less government and more individual autonomy. It’s something very, very new in Brazil. In doing so, Bolsonaro is denying a long past he had as an interventionist member of parliament. If humanism means accepting freedom as a whole, including in the economic area, then there’s reason to be hopeful about Brazil. Of course, this hope needs to be balanced out with Bolsonaro’s conspiracy theories about communists and many social freedoms behind a humanist’s support and concern for minorities and women. But still, we insist that he be judged more on actions than on words, like in fact everyone should be.

But panic-mongering is fashionable. Take The Independent, for instance, in a piece they’ve published about Bolsonaro’s first acts as president. It wrongly claims that food was “seized” from reporters perceived as ideological opponents by Bolsonaro on his inauguration day. It claims Bolsonaro is targeting LGBT people, and all evidence they have of that is his government’s choice of words for an institution that decided that “LGBT” is within “human rights” and therefore need not be mentioned. It might be a step towards persecution, but it’s not sufficient to claim what The Independent has claimed.

Also, so far no lands from natives or quilombolas were expropriated by the government (and expropriation would be more ideologically resonant with the Venezuelan government, fiercely opposed by Bolsonaro, then with his government who claims to respect private property). But yes, the institutions responsible for the demarcation of these lands were changed in a worrisome direction. This piece by the Independent is an exercise on spin, not a level-headed evaluation of what’s happening in our country. It’s shameful, therefore, and it would be rightly criticised by Spiked and O’Neill if they knew what we know.

To summarise:

  • Bolsonaro has yet to do anything extreme. He has not done anything extreme to date, and it’s too early to claim he has.
  • Most of his most extreme words are old, he’s toned down his discourse even though he’s still in the adversarial mode he espoused while running for president.
  • Brazil has serious institutions and there are no legal avenues for Bolsonaro to pursue anything resembling fascism.
  • The left-wing Worker’s Party, who has governed Brazil from 2003 to 2016, has the larger numbers of seats at both chambers of parliament.
  • The Federal Supreme Court is also an independent alternative to curb anything extreme done by Bolsonaro as president.

We at LiHS refuse to fall prey to panic. We will not be pressured by often anti-humanist panic-mongers to see an imaginary Armageddon. To us, Bolsonaro is a continuity in the difficulties we’ve witnessed in the 9 years since we started our work. Difficulties whose source were never restricted to one single political tribe. You can be sure we will not let slide any major actions he could take against our values. But we are not an organisation that serves vacuous political tribalism. Our one and only commitment lies with humanism. Irrational fears are not humanist.

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Eli Vieira is the president of the Secular Humanist League of Brazil.