Observações críticas sobre o PL nº 4.211/2012, de autoria do deputado Jean Wyllys

Por CoFem
 

O deputado Jean Wyllys propôs o Projeto n.4.211/2012,
que, se for convertido em lei, se tornará conhecido como ‘Lei Gabriela Leite’.
Diz-se que o projeto visa regulamentar a profissão de prostituta/trabalhador do
sexo.

1) Quem foi Gabriela Leite?

Gabriela Leite foi uma guerreira, uma lutadora que exercia a profissão de
prostituta e dedicou boa parte de sua vida lutando pelos direitos dos
profissionais do sexo. Fundadora da Ong ‘Davida’ e da marca de roupas ‘Daspu’.

2)
O projeto de lei aumentará a prostituição?

Não possuindo poderes especiais, não há como afirmar, com a certeza que se faz
necessária, que isso irá ocorrer, ou seja, que a regulamentação da profissão
aumentará a busca por essa profissão.


O deputado em sua justificativa, afirmou que não:

“…O escopo da presente propositura não é estimular o crescimento de
profissionais do sexo. Muito pelo contrário, aqui se pretende a redução dos
riscos danosos de tal atividade. A proposta caminha no sentido da efetivação
da dignidade humana para acabar com uma hipocrisia que priva pessoas de
direitos elementares, a exemplo das questões previdenciárias e do acesso à
Justiça para garantir o recebimento do pagamento….”

De maneira alguma duvidamos do real intento do deputado; o trabalho dele,
incansável e indispensável, tem mostrado quais os valores que ele de fato tem e
defende. Todavia, muitas vezes nossas ações acabam tendo desdobramentos que
fogem à nosso controle. Entendo esse o caso.

Tendo ou não bola de cristal, todo e qualquer ser humano é capaz de, analisando
os fatos sociais, prever minimamente o que pode vir a ocorrer. E sim, não há
como afastar a hipótese de que isso pode sim ocorrer. Expliquemo-nos:

Existe uma coisa em Direito Penal chamada princípio da reserva legal; dita ele
que não existe crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal.

Significa isso o seguinte: uma determinada conduta SÓ será considerada crime se
tiver uma lei dizendo que aquela conduta específica é crime e só haverá punição
se houver uma lei anterior fixando uma punição para aquela conduta.

Existe uma outra coisa chamada ‘Tipicidade’; ela traduz uma relação entre um
tipo penal (algo definido como crime) e uma conduta humana e que deve haver um
encaixe perfeito entre a definição da lei e a conduta. Se uma conduta não for
típica, ela é ‘um nada’ para o Direito Penal, ou seja: não haverá qualquer punição porque não será considerado crime.

Porque essas duas definiçoes supra são importantes? Sao importantes porque o
projeto do deputado Jean modifica o conceito de exploração sexual. Vejamos o
que diz:

“Art. 2o – É vedada a prática de
exploração sexual.
Parágrafo único: São espécies de exploração sexual, além de outras
estipuladas em legislação específica:
I- apropriação total ou maior que 50% do rendimento de prestação de
serviço sexual por terceiro;
II- o não pagamento pelo serviço sexual contratado;
III- forçar alguém a praticar prostituição mediante grave ameaça ou
violência”

Trocando em miúdos, para ser considerada EXPLORAÇÃO SEXUAL, a conduta tem de se
encaixar perfeitamente em ao menos um dos três incisos. Se tal nao ocorrer,
diga adeus a qualquer possibilidade de penalização do agente.

Como isso reflete nas demais normas penais que tratam do assunto ‘prostituição’?
Vamos ver?

O artigo 228 do CPenal atualmente tem a
seguinte redaçao:

 “Art. 228.  Induzir ou atrair alguém
à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou
dificultar que alguém a abandone”
e , se o projeto objeto da
presente for aprovado, passará a ter a seguinte redação: “Art. 228. Induzir ou atrair alguém à exploração sexual, ou
impedir ou dificultar que alguém abandone a exploração sexual ou a
prostituição”.

Ou seja: o tipo penal atual foi reduzido em categorias novas.

Antes:
a) induzir ou atrair alguém à prostituição ou a outra forma de exploração sexual,
b) facilitá-la,
c) impedir ou dificultar que alguém a abandone.

Agora:
a) atrair alguém à EXPLORAÇÃO SEXUAL,
b) impedir ou dificultar que alguém abandone a exploração sexual ou a prostituição.



Consegue visualizar a diferença? Não será crime tentar convencer as pessoas a
se prostituírem. Assim, pessoas interessadas em aumentar a oferta de
prostitutas pode contratar uma pessoa para sair por aí, pelos rincões de nosso
Brasil convencendo pessoas a se prostituírem, tentando atrair essas pessoas
para a prostituição. E isso não será crime.

Tá tudo bem para você? Você acha que considerando a grande vulnerabilidade
econômica de muitas pessoas nos recônditos mais distantes dessas terras de
santa cruz, que não será fácil fácil convencê-las a entrar para a prostituição?

Vamos pensar em termos de capital; a Organização Internacional do Trabalho
demonstrou, em seu relatório, os obstáculos impostos às mulheres por conta do
gênero, isso desde a fase escolar até a fase adulta, com recebimento de valores
inferiores aos dos homens pelo mesmo trabalho. Em lugares mais longínquos, onde
a figura do Estado é mais distante, o problema é maior.

Imagine então o que acontecerá com o ‘mercado do sexo’ ofertando mais vagas de
empregos e ofertar essas vagas às pessoas mais vulneráveis economicamente? Isso
pode ou não aumentar a prostituição?

3)
O Projeto ajudará diminuir a exploração sexual?

Em entrevista concedida ao Childhood Brasil, ele, apesar de ter respondido de
forma muito vaga, também acenou neste sentido:

“CB – De que maneira o projeto de lei garante o enfrentamento da
exploração sexual contra crianças e adolescentes?

JW – Apesar de a profissão ser reconhecida, as casas de prostituição são
ilegais. Esse tipo de situação faz com que essas casas não sejam fiscalizadas,
pois operam na ilegalidade, deixando as prostitutas em situação de insegurança
jurídica e longe do acesso aos serviços públicos. Operar na legalidade irá
promover o melhor acesso das prostitutas a políticas públicas, como as do
Ministério da Saúde, por exemplo, na prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis. Além disso, as casas serão fiscalizadas, o que irá coibir a
exploração sexual de crianças e adolescentes”

De verdade compreendemos que o Jean Wyllys de fato acredita que a aprovação do
mencionado projeto diminuirá a prostituição infantil. Mas vamos lá: diminuirá
mesmo?

Primeiro que isso soa meio estranho: vamos salvar nossas crianças jogando as
mulheres aos leões? Mas antes que nos me acusem de moralismo, adianto que isso
será tratado mais adiante.

Segundo que: quem fiscalizará? Veja: um projeto de lei passa por várias
comissões: a comissão de constituição e justiça, a comissão de seguridade
social, a comissão de finanças e tributação. Essa última analisa o impacto que
 cada proposta de lei gerará no orçamento. É lóooooogico que esse projeto
do deputado Jean vai passar nessa comissão….afinal, NÃO HOUVE PREVISÃO de
quem será o órgão responsabilizado pela fiscalização dos estabelecimentos. Quem
vai ser?

Veja bem: deixar a encargo da política e acreditar que haverá uma fiscalização
efetiva é ser por demais ingênuo. Afinal, se nós mesmas sabemos onde tem uma
quantidade grande de estabelecimentos que se dedicam a prostituição a polícia não sabe? O que vai acontecer é mais do mesmo: a fiscalização não passará de
desculpa para policiais corruptos tomarem dinheiro dos empresários que exploram
tais atividades.
 

Não que existam apenas policiais corruptos neste país; mas sim que a fiscalização
ou é ineficaz ou inexistente, e quem ignora isso é tolo e ingênuo.



4) O Projeto regulamenta a profissão de prostituta?

Mas vem cá: o que é regulamentar uma profissão? Vamos começar do começo. A Constituição diz que todo trabalho ou profissão é livre. Esse direito à livre
escolha é limitado de algumas formas: a) exemplo do serviço militar, que não é
livre, b) necessidade de qualificação (como advogado, engenheiro, etc).

Quando o Estado regulamenta a profissão, geralmente ele traça diretrizes sobre
a atuação do profissional, fixando direitos, obrigações e deveres. Isso
acontece na iniciativa privada e também na pública. Exemplo da pública temos a
Lei 10.261/68, chamada Estatuto do Servidor Público Civil do Estado de São
Paulo, que fixa direitos, deveres e obrigações do servidor publico estadual.
Exemplo de iniciativa privada temos a lei 12.468/2011 que regulamenta a profissão de taxista, que também fixa direitos, deveres e obrigações.

Já o projeto do Deputado Jean faz o que mesmo? Quais os direitos, deveres e obrigações das prostitutas, fixados na lei mencionada?

a) O direito de criar cooperativas, fixado no artigo 3, inciso II? Oras, não
subestimeis a capacidade de interpretação de outrem! Considerando que a prostituição (a pessoa se prostituir) não é conduta ilícita (proibida pelo
ordenamento jurídico), as prostitutas JÁ teriam o direito de criar cooperativas
de trabalho que seriam reguladas pela Lei 5.764/71. O problema disso é que os
resultados financeiros obtidos seriam distribuídos entre os membros da
cooperativa e a distribuição seria proporcional ao ‘trabalho’ daquele cooperado
‘X’ ou ‘Y’.

b) O direito de trabalhar como autônomo? Bom, isso já é direito da prostituta,
que exerce atividade lícita, que tem sua ocupação descrita no Código Brasileiro
de Ocupações e direito a se inscrever na Previdência como profissional do sexo.

c) O direito a estar dentro da legalidade? Oras, elas já exercem atividade
legalizada.

Que inovação o projeto traz, qual o novo benefício trazido pelo projeto, alguém
pode nos apontar?

Um exercício leve de imaginação (que o deputado Jean Wyllys tem envergadura
intelectual para fazer até melhor) permite que pensemos em coisas que seriam de
interesse destas trabalhadoras. Vamos a elas?

d) Do direito a não se prostituir e do Direito de denunciar e exigir a punição
do cliente que cometa abuso sexual:

 “…Observou-se que as
prostitutas eram solteiras, pertenciam a um grupo socioeconômico desfavorável e
possuíam baixo nível de escolaridade, o que dificultava a inserção das mesmas
em outras atividades comerciais….”

Disso o projeto não trata: como já dito, não existe paridade entre as chances
ofertadas às mulheres e às ofertadas aos homens, no campo do trabalho (como
apontou o relatório da OIT), as mulheres tem muito menos chances. Que tal se o
projeto se preocupasse com políticas que ofertassem às mulheres maiores
possibilidades de escolhas (impedindo que escolhessem a prostituição) e meios
para sair dela. Isso seria muito bem vindo, ou não? Seria de interesse das
próprias prostitutas. Ou não?

“Notou-se também que essas mulheres estão sujeitas à violência, seja por seus
clientes, que entendem que o pagamento lhes confere poderes, até mesmo para
agredi-las, bem como pela sociedade, que as marginalizam como sendo pessoas não
dignas de direitos. Cabe ressaltar como fator preocupante a pouca procura,
enquanto vítimas de violência, pelos serviços jurídico, policial e de saúde,
seja por medo da recidiva das agressões ou pela vergonha. Sendo assim, torna-se
imprescindível a divulgação das ações de apoio realizadas por esses órgãos, a
fim de que as prostitutas exercitem seus direitos.”

Disso o projeto também não trata: de como proteger as clientes de eventuais
abusos dos clientes. Porque a prostituta consentir em sexo anal, vaginal ou oral
NÃO implica em aceitar, consentir com qualquer tipo de dor. E se o cliente
resolver fazê-la sentir dor? E se ele contratar sexo vaginal e forçar sexo
anal? Ninguém se preocupa como a prostituta poderia se proteger disso ou
responsabilizar o abusador? Porque o projeto do Jean, que busca regulamentar a
profissão NÃO trata desse assunto?

O artigo de onde foram tirados os trechos supra descritos estão aqui:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672012000600015&lng=pt&nrm=iso

e) Do direito da prostituta ou prostituto a seus direitos civis e das políticas
públicas a serem implementadas para que o Estado treine seus agentes para
respeitar ditos direitos.

Veja esse texto:

“… Esse conjunto de artigos revela pois que, embora a prostituição não seja
considerada crime, a vigência até os dias atuais do supracitado Código e em
consequência, a criminalização de um conjunto variado de atividades que são
intrínsecas ao seu funcionamento cotidiano, faz do sistema de justiça criminal
uma instituição permanentemente demandada para determinar a existência ou não
de delitos passíveis de serem punidos penalmente. Além disso, a necessidade
constante de se fazer a distinção entre prostituição e lenocínio e que ocasiona
o acionamento das instituições que integram o sistema de justiça criminal, abre
espaço para uma série de ações que, freqüentemente, ferem direitos elementares
das prostitutas quando não as envolvem em situações marcadas pele violência
(Barreto, 1995; Briones, 1995; Pimentel, 1994)…..”

Quem não sabe disso? Vai na Rua Augusta (SP, Capital) ou nas imediações do
Parque do Carmo (também SP) ou em qualquer lugar onde existam prostitutas e
você vai ver que vira e mexe policiais vao lá e desrespeitam os direitos civis
dessas pessoas. Isso é comum como chiclete na calçada. Ignorar isso é ignorar
algo profundamente ordinário nas relações Estado-cidadãos/ãs prostitutos/as.

Onde estão os artigos do projeto que visam isso, políticas públicas para mudar
esse quadro? Não é de interesse das prostitutas?

O texto integral de onde extraímos esse trechinho, está aqui:

f)  Das políticas de saúde voltada às prostitutas:

“…Um dos grandes desafios
enfrentados pelas prostitutas se refere ao convencimento do cliente para o uso
do preservativo. De um lado existe a resistência dele quanto à adoção de
práticas seguras e, do outro, a fragilidade da prostituta ao lidar com tal
situação. Desse modo, além da percepção do risco de infecção por DST/HIV/Aids,
são necessárias habilidades das prostitutas para lidar com as diversas
situações.5 A maior vulnerabilidade envolve o preço e a quantidade de
programas, a autonomia de negociação direta com o cliente e o acesso a
preservativos….”



Esse assunto, saúde pública, é de interesse tanto das
profissionais quanto de toda a sociedade. Quais serão as medidas a serem
implementadas para conscientização dos clientes (da necessidade de medidas
preventivas) e das ações de saúde voltadas para os profissionais.

Link do texto aqui: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072008000300003&lng=pt&nrm=iso

Nada disso interessa aos profissionais da área?
Muito duvidamos.

Nenhum desses assuntos foi tratado, o que nos leva a inevitável pergunta:
PORQUE?

Agora, navegando nos obscuros mares das conjecturas, poderia dizer que a) não
existe consenso entre as entidades ouvidas (o que levaria a outra pergunta:
quais entidades foram ouvidas? e considerando as notícias que mostram
discordância entre as próprias interessadas, o porque de algumas opiniões serem
consideradas e outras não)  b) havendo um
forte lobby dos interessados no projeto (indústria da exploração sexual),
existiria uma pressão que tornaria impossível, por hora, tratar desses outros
assuntos sem comprometer a aprovação do projeto  c) o deputado Jean Wyllys está apostando no
utilitarismo de aprovar o projeto deste modo crendo que DEPOIS será possível
emendá-lo para incluir outros aspectos.

O parágrafo supra foi pura conjectura, logo ele pode não revelar a verdade dos
fatos. Mas suponhamos que seja assim. Nenhuma das hipóteses justificaria a aprovação do projeto como está.

A uma
porque enquanto houver dissenso nao será possível dizer, como o deputado
tem dito, que o projeto é de prostitutas para prostitutas.

A duas porque se há lobby do mercado
do sexo fazendo pressao para a aprovaçao do projeto como está, entao o projeto
deve ser revisto, pq a indústria JAMAIS se preocupa com o indivíduo.

A três porque aprovar como está na
esperança de depois poder emendar é ingenuidade. Está aí o PL 122/06 que visa
emendar a Lei 7.116/89 para provar.

O resumo da ópera é que o projeto só beneficia o cafetão, o aliciador, o
agenciador, aquele que explorará o trabalho da prostituta.

5)
Quem é contra o projeto é moralista?

Quem afirma isso aposta na idéia de que as feministas tem problemas com sexo,
quando isso não é verdade.

O problema de muitas feministas com a prostituição reside no conceito de
ESCOLHA.

Uma blogueira conhecida no meio feminista, chamada Fabiane Lima, bem apresentou a
questão, conforme abaixo exposto:


“Sobre
prostituição e escolha

Que tal se, nessa discussão — em que vivem acusando feministas que são contra a
prostituição de serem moralistas — em vez de a gente falar em “moral” a gente
falar em “capital”? Porque assim, se vocês não vêem nada de errado em 95% das
pessoas prostituídas serem mulheres [cis ou trans, tanto faz], nem notarem que
é até estranho usar essa palavra no masculino, nem que mesmo entre os poucos
homens que se prostituem a maioria está ali para servir outros homens, acho que
é bom a gente mudar o foco do debate, só um pouquinhozinho assim.

Convido vocês então a darem uma olhadinha em umas coisinhas:

Mulheres são donas de MENOS DE UM PORCENTO da propriedade privada no mundo, e
geralmente quando o são, o receberam por herança [DEERE e LEON, 2001].
Mulheres foram [e são] historicamente excluídas do processo de geração do
conhecimento [SCHIEBINGER, 2001].
Em alguns lugares do mundo, é mais fácil uma menina ser estuprada que ser
alfabetizada [BANYARD, 2010].
Mulheres foram [e são] historicamente excluídas da educação formal, e mesmo
quando admitidas em escolas e universidades, esse acesso foi bastante restrito
durante muito tempo — ainda é em muitas áreas, como por exemplo a computação
[ETZKOWITZ et al, 2000].
Sempre que um campo começa a se profissionalizar, tal campo, que antes era
aberto e receptivo à presença feminina — mão de obra barata, quem não quer? —,
passa a se masculinizar progressivamente. Isso aconteceu com TODOS os campos do
conhecimento, e com TODAS as atividades profissionais, da astronomia à
computação [SCHIEBINGER, 2001; CARVALHO, CASCAES & SPANGER. In: CARVALHO et
al., 2009].
Mulheres foram, principalmente durante os primeiros séculos da criação do
sistema de patentes, ridicularizadas quando tentavam registrar alguma invenção
sua [MCGAW. In: LERMAN et al, 2003], num sistema que já tem sérios problemas em
relação a atribuição de autoria [NOBLE, 1979].
Mulheres, quando trabalham em uma certa área em que sua atuação é vista como menos
importante, acabam não recebendo créditos por sua participação [LIMA e MERKLE,
2013 <= EUZINHA].
Mulheres, durante toda a vigência do patriarcado são hiperssexualizadas e
vistas como mero objeto de decoração, objeto de meter a rola dentro, porque
mulher não pode pensar, não pode se impôr, não pode bosta nenhuma além de parir
e ser linda [DINES, 2010].
Esses são apenas alguns exemplos. Então pensem aqui comigo: as mulheres são
excluídas da posse de bens materiais desde que a noção de bens materiais existe
[há aproximadamente cinco mil anos, vide ENGELS, 1984], e de repente, vender a
única coisa que elas de fato têm, a si mesmas, assim, de repente, virou uma
ESCOLHA delas? Gente, como assim? É sério isso?

Homens botam um monte de barreiras pro acesso das mulheres em tudo que é área
que possa garantir o sustento das mulheres e, de repente, não mais que de
repente, vender seu corpo é lindo, é maravilhoso. E essa homarada que acha isso
tudo muito lindo nunca pensou em fazer isso também? Por que será? Ah, já sei! É
porque o leitinho das crianças de vocês já tá garantido, né?
___________________________

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANYARD, Kat. The equality illusion : the truth about women and men today. London:
Faber and Faber, 2010.

CARVALHO, Marilia Gomes; CASCAES, Tânia Rosa F.; e SPANGER, Maria Aparecida
Fleury Costa. “Ciência e Tecnologia sob a Ótica de Gênero”. In: CARVALHO,
Marília Gomes de; CASAGRANDE, Lindamir Salete; e LUZ, Nanci Stancki da (org).
Construindo a Igualdade na Diversidade: gênero e sexualidade na escola.
Primeira edição. Curitiba: Editora UTFPR, 2009.

DEERE, Carmen D. e LEÓN, Magdalena. Empowering Women: land and property rights in Latin America. Pittsburgh:
University of Pittsburgh Press, 2001.

DINES, Gail. Pornland : how porn has hijacked our sexuality. Boston: Beacon
Press, 2010.

ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade
Privada e do Estado. Nona edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.

ETZKOWITZ, Henry; KEMELGOR, Carol e UZZI, Brian. Athena Unbound: the advancement of women in science
and technology.
Cambridge: Cambridge University Press,
2000.

LIMA, Fabiane Alves de; MERKLE, Luiz Ernesto. “O processo de invisibilização
das mulheres na informática e na produção tecnológica a partir do exemplo das
ENIAC Girls”. Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2013.

SCHIEBINGER, Londa. O Feminismo Mudou a Ciência? Tradução de Raul Fiker. Bauru:
EDUSC, 2001″

Apesar
do texto dela ser auto-explicativo, vamos resumir ainda mais: A Fabiane Lima
analisa o contexto econômico no qual estão inseridas as mulheres brasileiras e
tenta mostrar ao interlocutor a questão da escolha sob outro prisma. O Estado
Brasileiro tem de cumprir com as diversas obrigações que assumiu na ‘Convenção
para eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres’. Sério,
cumpram aquilo pois, quando todos aqueles artigos ganharem EFETIVIDADE, daí
sim, poderemos falar em ESCOLHAS. Porque enquanto as mulheres tiverem de
enfrentar os obstáculos descritos no relatório da OIT e na pesquisa da Avon, não há de se falar em ‘escolha válida’, pois quando a escolha é SÓ UMA, não há,
de verdade, escolha alguma.

“….Nós vivemos numa sociedade consumista/de consumo onde a prioridade
vai para o individualismo e para o consumo irrestrito de pessoas e coisas, e
baseado no consumo um dos outros. Em tal contexto, ver prostitutas como
trabalhadoras serve para encobrir a oposição feminista ao marketing de mulheres
numa escala global. Isso permite os cafetões afirmarem que mulheres fazem isso
por ‘escolha’, e mesmo por ‘gosto’, então escondendo o que todos estudos
demonstram: que mulheres prostituem a si mesmas por necessidade¹….”

“…..Muitos dos que argumentam
pela liberação total da prostituição tentam descreditar feministas que são
opostas a essa posição dizendo que em última instância são moralizante, seus
discursos, portanto, vitimizantes e estigmatizantes das prostitutas. Todavia,
neo-abolicionistas não são responsáveis pelas condições de trabalho das
prostitutas ou pela hostilidade daqueles que vêem sua vizinhança transformada
num mercado aberto de mulheres e drogas. Por que nós não temos sido aptas a
extirpar as causas do problema, devemos legitimar suas conseqüências?

A íntegra do texto de onde tirado esses trechos você encontra aqui: http://arttemiarktos.wordpress.com/2010/11/20/prostituicao-direitos-das-mulheres-ou-direitos-sobre-as-mulheres/

Então, falar em moralidade é uma forma rasa de desviar o verdadeiro cerne da
discordância de muitas feministas, que é na contestação da ‘escolha’ dessas
mulheres. Quando e se todas as mulheres tiverem reais, válidas e equânimes
escolhas profissionais, será então possível falar em escolha sem ignorar que a
maioria não tem escolha alguma.

 

6)
Do direito de escolha de quem não é levado pelas condiçoes socio-econômicas:

“…..É essa a imagem de
“prostituta respeitável” que os políticos querem tornar plausível: livres para
fazer o que elas gostam, cobertas pelo sistema de seguro social, fazendo o
trabalho que gostam e poupando numa conta do banco local. Os cientistas sociais
tem um nome para elas: “trabalhadoras do sexo migrantes”; ambiciosas
prestadoras de serviço que estão aproveitando as oportunidades que agora
existem numa Europa cada vez mais unificada…..”

Íntegra do texto: http://arttemiarktos.wordpress.com/2013/10/14/desprotegidas-como-a-legalizacao-da-prostituicao-falhou/

Existem mulheres que entram para a prostituição sem terem sido levadas a ela
por questões econômico sociais, que entraram ‘por gosto’. Sim, existem. São
elas a regra ou a exceção? Todos sabemos que são a exceção.
 

Então é lícito perguntar porque basearíamos a regulamentação de toda uma gama
de profissionais utilizando como base para essa regulamentação APENAS E TÃO
SOMENTE as necessidades da ‘exceção’, ou não?

Citaremos
apenas um exemplo: porque o projeto 7382/2010 (no rodapé consta a íntegra) que
visava penalizar a discriminação contra heterossexuais era TÃO IMENSAMENTE
RIDÍCULA? Porque eventual discriminação de heteros é tao exceção que não
constitui problema efetivo a ser enfrentado pelo Estado e coibido com a promulgação de leis.

Então porque um projeto de Lei como o do
Jean, que baseia-se na escolha, escolha esta que é uma exceção à regra da prostituição, não mereceria a mesma repulsa social?

Fica aí a pergunta para ser respondida por quem teve a paciência de ler tudo
isso.

___________
Íntegra do projeto: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1012829

Íntegra do Código Penal: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm

Íntegra da entrevista concedida por Jean Wyllys ao Childhood: http://www.childhood.org.br/para-deputado-regularizacao-da-prostituicao-pode-coibir-exploracao-sexual-de-criancas-e-adolescentes

Íntegra do texto de Fabiane Lima ‘Sobre prostituição e escolha’: http://euescolhifornicar.com/post/69199073962

Íntegra da Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra
as mulheres: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/discrimulher.htm

Íntegra do relatório da OIT: http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/gender/pub/igualdade_genero_262.pdf

Íntegra da Pesquisa do Instituto Avon: http://www.institutoavon.org.br/wp-content/uploads/2013/12/Pesquisa-Avon-Instituto-Ipsos-2013.pdf

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